“A coragem de não agradar” e outras lições | Sextante
“A coragem de não agradar” e outras lições
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“A coragem de não agradar” e outras lições

A conversa entre um jovem e um filósofo ocupa as páginas-lições de A coragem de não agradar. O nome do livro, escrito por Ichiro Kishimi e Fumitake Koga, não o resume, apenas sugere uma das muitas mensagens que ele contém. Encadeados, os temas são aqueles que conduzem a luz e a sombra da vida de […]

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A conversa entre um jovem e um filósofo ocupa as páginas-lições de A coragem de não agradar. O nome do livro, escrito por Ichiro Kishimi e Fumitake Koga, não o resume, apenas sugere uma das muitas mensagens que ele contém. Encadeados, os temas são aqueles que conduzem a luz e a sombra da vida de todos nós, com intensidades variadas a depender do corpo-alma de cada um. A busca pela felicidade, a importância da autoaceitação e a necessidade de aprovação social são discutidas entre esses dois desconhecidos que se encontram por cinco noites a fim de trocar ideias. O diálogo leva à transformação.

“O passado não importa”

A estrutura adotada pelo livro intencionalmente alude a Platão, que transmitiu seu conhecimento através do debate. O objetivo é o mesmo aqui. Os ensinamentos do filósofo são repassados ao jovem numa linguagem simples, sem ruído, provocando uma mudança de perspectiva para eternas questões incômodas e aparentemente imutáveis.

“Quando nos concentramos apenas nas causas do passado e tentamos explicar os fatos do presente com base na relação entre causa e efeito, o resultado é o que chamamos de ‘determinismo’. Se isso é verdade, nosso presente e nosso futuro são inalteráveis, já foram decididos por acontecimentos do passado”, instiga o filósofo para que o jovem compreenda, enfim: “O passado não importa”. Esse ponto de vista atrofia o impacto daquilo que chamamos de trauma, a ressonância daquilo que nos feriu. “Não pensamos em causas do passado, mas em metas do presente”, sustenta ele.

“É você quem decide como viver”

A fala do filósofo ecoa os pensamentos de Alfred Adler, considerado um dos expoentes da psicologia ao lado de Sigmund Freud e Carl Jung. O médico conviveu com Freud, mas não demorou a demarcar as diferenças entre suas teorias. A força preponderante do inconsciente, tão cara ao pai da psicanálise, não era considerada por Adler engrenagem primordial do comportamento humano. Para ele, os relacionamentos interpessoais eram o centro dos nossos problemas.

Num determinado momento da conversa com o jovem, o filósofo ressalta um dos pilares do raciocínio adleriano: “Preste atenção no argumento de Adler aqui. Ele diz que o eu não é determinado por nossas experiências, mas pelo sentido que damos a elas. Ele não está dizendo que a experiência de uma terrível calamidade ou violência durante a infância não tem influência na formação da personalidade. Na verdade, a influência é forte. Mas o importante é que nada é determinado de fato por essas influências. Somos nós que determinamos nossa vida de acordo com o sentido que damos às experiências passadas. Sua vida não é algo que alguém dá a você, mas algo que você próprio escolhe, é você quem decide como viver”.

As lições de Adler estão presentes em cada tópico da conversa entre o jovem e o filósofo. Não são ensinamentos fáceis justamente por que contradizem muitas orientações já cristalizadas como verdades inabaláveis. Talvez resida aí o grande desafio do livro, algo assimilado pelos autores. “Certos pontos nos dão vontade de nos rebelar, algumas afirmações são  difíceis de aceitar e determinadas propostas são complexas. Mas as ideias de Adler têm o poder de mudar completamente a vida de qualquer pessoa, como fizeram comigo há uma década. Então é tudo uma questão de ter a coragem de dar um passo à frente”, salienta Koga.

Coragem, aliás, é mesmo uma das palavras de ordem do livro. E não é por acaso. “A psicologia adleriana é uma psicologia da coragem. Sua infelicidade não pode ser atribuída ao seu passado ou ao ambiente atual”, contextualiza o filósofo.

O que nos falta, ele insiste, é a coragem de ser feliz.

Estilo de vida

Na teoria adleriana, o termo estilo de vida é usado para descrever pensamentos e ações; reflete como a pessoa enxerga o mundo. Pode ser definido como a personalidade de alguém. Essa perspectiva questiona a ideia de que o temperamento seja algo inato e entende que cada um fez uma escolha, sendo responsável por ela – isso acontece lá pelos 10 anos de idade, de acordo com essa corrente. “Claro que ninguém consegue escolher as circunstâncias do próprio nascimento. Você não escolheu ter nascido neste país,  nesta época e ter estes pais. Mas agora você já aprendeu sobre seu estilo de vida, e o que fará com ele daqui para a frente é responsabilidade sua. Cabe a você continuar escolhendo se quer manter o estilo de vida que manteve até agora ou mudar para outro completamente diferente”.

Relacionamentos interpessoais

Como já destacado, essa é a base dos estudos de Adler. O filósofo reforça a importância do tema: “Se todos os relacionamentos desaparecessem no mundo – ou seja, se alguém estivesse sozinho no universo e o resto da humanidade tivesse desaparecido -, todos os tipos de problemas desapareceriam”. Quando o jovem do livro se queixa da solidão, do medo de ser rejeitado, o seu interlocutor arremata: “Você teve tanto medo dos relacionamentos interpessoais que passou a se detestar. Você começou a se odiar para evitar os relacionamentos”.

Divisão de tarefas

Um dos tópicos da conversa entre o jovem e o filósofo no terceiro encontro. É considerada uma opção de vida imprescindível para se livrar dos problemas provocados por relacionamentos interpessoais. Em síntese, significa se ocupar somente com aquilo que lhe cabe e não se preocupar com as “tarefas” das outras pessoas. “Tudo o que você pode fazer em relação à sua vida é escolher o melhor caminho em que acredita.  Por outro lado, que tipo de julgamento as outras pessoas fazem dessa escolha? Isso é tarefa delas, e não uma questão na qual você possa interferir”.

O abismo do “eu”

Pessoas incapazes de realizar a separação de tarefas e obcecadas com o desejo de reconhecimento são extremamente autocentradas, assegura o filósofo. O problema dessa condição é sobrepor o “eu” em detrimento do “outro”. Muitas vezes isso acontece a partir de uma lógica perversa que coloca essas pessoas como centro do mundo. É o que elas acreditam… “Elas têm um sentimento meio genuíno de que todos existem para servi-las e deveriam dar preferência aos seus sentimentos. Então, quando as expectativas não são satisfeitas, elas ficam profundamente desiludidas e se sentem insultadas. Pessoas que acreditam ser o centro do mundo acabam perdendo os companheiros rapidamente”.

Autoafirmação X Autoaceitação

Para Adler, a autoaceitação é um dos conceitos mais importantes para conseguir se desvincular da sombra da autocentralidade e passar a se preocupar mais com os outros, adquirindo uma sensação de comunidade. O filósofo o compara com o termo autoafirmação. “Autoafirmação é dar sugestões a si mesmo, do tipo ‘sou capaz de fazer isso’ ou ‘sou forte’, mesmo quando algo está além da sua capacidade. Essa ideia pode provocar um complexo de superioridade e até ser considerada um estilo de vida na qual você mente para si. Já no caso da autoaceitação,  se você não consegue fazer algo, simplesmente aceita ‘seu eu incapaz’ do jeito que é, segue em frente e faz o que consegue. [Autoaceitação é] aceitar o que é insubstituível. Aceitar ‘este eu’ do jeito que é. E ter coragem de mudar o que for possível”.

Este post foi escrito por:

Filipe Isensee

Filipe é jornalista, especialista em jornalismo cultural e mestrando do curso de Cinema e Audiovisual da UFF. Nasceu em Salvador, foi criado em Belo Horizonte e há oito anos mora no Rio de Janeiro, onde passou pelas redações dos jornais Extra e O Globo. Gosta de escrever: roteiros, dramaturgias, outras prosas e alguns poucos versos estão em seu radar.

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