APRESENTAÇÃO
Imagine Jesus começando sua pregação nas montanhas da Galileia. Atravessando sozinho o deserto da Judeia. Vendo as águas do Jordão pela primeira vez. E agora, angustiado no Monte das Oliveiras. Maldizendo a corrupção de Jerusalém. Pisando o sangue que escorre pelas ruas enquanto se aproxima o dia de seu julgamento. Entre em cada cômodo onde Jesus entrou. Para reconstituir cada passo da vida do homem mais amado da História, e compreendê-los, e explicá-los, enfim, para chegar a este livro que você tem em mãos, precisei respirar esses mesmos ares e viajar por algumas dezenas de lugares.
Vivi três anos e meio em Jerusalém, de onde frequentemente parti para visitas ao sepulcro de Jesus, à gruta da Natividade em Belém, a Nazaré, à Turquia, à Jordânia, ao Chipre, ao mar Morto e, inúmeras vezes, ao rio Jordão, um lugar tão simbólico, onde a vida pública de Jesus começou, onde literalmente mergulhei para me sentir mais próximo do que ele pode ter sentido naquele dia em que João Batista o colocou dentro d’água. Caminhei pelos mesmos desertos por onde Jesus caminhou. Encontrei rebanhos de cordeiros com seus pastores. Encontrei também um silêncio profundo que me convidou à meditação. Fui também ao alto das montanhas e entrei nas cavernas de Jericó, onde monges se instalaram logo depois da morte de Jesus, acreditando que era naquele lugar exato que ele havia passado quarenta dias sem comer, à espera do diabo.
Entendi que pisando as mesmas pedras que Jesus pisou conseguiria me aproximar ainda mais dele. Subi ao monte onde a tradição afirma que Jesus fez seu sermão inaugural. Tomei banho no mar da Galileia, querendo ver o barco de Pedro, e talvez encontrar-me com João e Tiago numa de suas margens. E enquanto isso, mergulhava também nos Evangelhos, e nos Atos, e nas cartas de Paulo, e nos tratados de patriarcas como Irineu e Tertuliano; e também nos livros judaicos que, desde o Gênesis, são a base de tudo; e certamente nas profecias, de Isaías a Malaquias; e nos pergaminhos que foram queimados pelos primeiros bispos da Igreja, mas salvos em jarros e cavernas por religiosos que defendiam suas formas de pensar; e também nos livros gnósticos com suas visões místicas, que ao desavisado poderiam soar delirantes.
Enfim, dediquei muitas horas aos originais de pergaminhos que tratam de questões polêmicas, como a suposta disputa entre Jesus e João Batista e, mais sensível ainda, a presença fortíssima de Maria Madalena, que pergaminhos gnósticos afirmarão ter sido mais que uma simples discípula.
Quando o livro chegar a seu meio, num interlúdio, contarei também o que nos disseram ser os segredos de Jesus aos apóstolos. Mas fique logo sabendo que este livro não foi escrito para levantar polêmicas inconclusivas, nem para trazer inquietude àqueles que têm fé e um amor enorme por Jesus Cristo.
Desde a primeira linha, procurando sentir o ambiente em que Jesus viveu, me afastei dos olhares repetitivos, ou mesmo viciados, daqueles que querem defender essa ou aquela tese e nada mais enxergam. Passei também muito longe do sensacionalismo de escritores que se aventuram pelo tema e muitas vezes concluem o que lhes parece mais escandaloso, com base apenas num pergaminho obscuro, ou numa ossada de origem duvidosa, ou mesmo em mera especulação, quando, por exemplo, se exaltam as qualidades intelectuais de Jesus desejando mais uma vez transfigurá-lo na forma de autoajuda.
O que você tem agora em mãos é uma biografia de Jesus que traz em suas páginas os cheiros dos desertos e das montanhas da terra de Israel, o lugar que os romanos chamavam de Palestina. Uma biografia escrita a partir das fontes bibliográficas e arqueológicas mais atuais, assim como das mais antigas de que se tem notícia, com uma busca incessante pela informação em estado bruto, o mais livre possível dos interesses políticos e religiosos que manipularam a História em benefício dos vencedores.
Por fim, conto a você que o título deste livro começou a nascer em 2014, no subtítulo do meu livro Maria, quando me referi a ela como a mãe do homem mais importante da História.
Depois dessa imersão na vida de Jesus, continuo pensando que ele foi o mais importante entre todos os que viveram até agora. No entanto, mais do que isso, o que permeia sua biografia é o amor. O amor que Jesus pregou e praticou – ainda que muitas vezes tenha perdido a paciência com as injustiças do mundo – e, mais do que tudo, o amor que desde os primeiros discípulos a humanidade dedica a Jesus, a ponto de dividir a História em antes e depois de seu nascimento. Faz dois mil anos, portanto, que não há quem possa tirar-lhe o título de homem mais amado da História.
Agora que eu espero já ter convencido você, minha leitora ou meu leitor, de que o que tem nas mãos não é mais do mesmo, e que vale a pena começar a leitura, por que você não fica logo numa posição confortável? Esqueça um pouco as redes sociais, coloque o telefone no modo silencioso, repouse seu corpo da maneira mais cômoda possível. Ah, sim, se puder, tire os sapatos, pois com os pés apertados ninguém irá muito longe por esses desertos. A biografia do homem mais amado da História vai começar… Pode virar a página.
Sob a luz azul do luar que entra pelas frestas da porta, em mais uma madrugada seca e fria, podemos imaginar o pregador jovem de barba longa e cabelos nos ombros ainda se esforçando para abrir os olhos, levantando-se da cama, vestindo sua túnica branca um pouco rasgada, sem pensar se essa roupa lhe cai melhor ou pior do que qualquer outra. Jurou diante das escrituras que trocaria as riquezas mundanas pelas do espírito. Doou tudo o que tinha para a comunidade, pois jamais se esquece dos Salmos que o ensinaram que mais vale ter pouco e seguir as leis divinas do que possuir riqueza e ser impuro. E há um pensamento que de tempos em tempos lhe volta à cabeça.
No dia em que os homens diabólicos forem transformados em fumaça… exatamente como a gordura dos cordeiros no fogo do sacrifício… será a nossa comunidade desprendida dos bens terrenos que herdará o Reino dos Céus.
Não é outra a razão pela qual está vestindo seus pés com sandálias gastas para logo em seguida pisar o chão arenoso e sair ao pátio da casa comunitária pela primeira vez neste novo dia de Deus. Podemos vê-lo na penumbra, saudando seus companheiros, unindo-se a eles na primeira oração desse dia que ainda nem clareou, com os rostos voltados para onde o sol vai nascer, de costas para o Templo de Jerusalém, coisa que fazem com muito propósito, certos de que há demônios por lá a ocupar a casa do Criador.
Quando a oração termina, ainda sob a luz azulada que a lua lhes oferece, vão todos ao refeitório. É lugar tão abençoado que mais parece um templo. Um sacerdote dá sua bênção como se começasse uma santa ceia, ou um santo café da manhã. E, como num momento de Eucaristia, certamente uma comunhão, todos comem o pão que, pelo menos nesta mesa eles têm certeza, não foi o diabo que amassou.
Tudo leva a crer que foi duzentos anos antes, pouco mais, pouco menos, por causa de uma grande desavença com o sumo sacerdote. Os fundadores da comunidade saíram de Jerusalém para viver isolados, adorando a Deus segundo suas leituras ultrarrigorosas das escrituras, acreditando que um messias viria livrá-los de poderosos impuros, como os falsos sacerdotes, os reis invasores e, mais tarde, os malditos romanos.
Os primeiros ocuparam uma antiga fortaleza abandonada. Pedras sobre pedras fazendo dois andares. Quase quarenta passos de largura. Viram a comunidade crescer à volta da grande construção, em construções menores, onde foram morar outros religiosos, e também em algumas tendas, onde foram viver outras dezenas de gentes, sem que desejassem mulheres entre eles, pois preferiram a castidade ao casamento.
Crescei e multiplicai-vos é talvez o único verso do Gênesis que gostariam de esquecer, pois são raros os que se casam e procriam. Os que continuam chegando para encher essa terra, conforme ordenou o Criador, chegam com as próprias pernas. A comunidade adota os filhos de outros. Mas só quando ainda são meninos o suficiente para receber educação.
Por fim, imaginamos o pregador começando a descer a montanha em passos certeiros, sem dizer palavra, levando consigo o cajado que o ajuda na caminhada sobre as pedras, e que é também uma espécie de foice. Serve para lhe abrir caminhos, mas jamais para enfrentar outros homens.
Ainda que seus inimigos mereçam a espada e não sejam nada além de filhos da escuridão, um gesto violento não faria o menor sentido com o pacifismo que ele prega.
No dia da batalha final, aí sim, que ninguém se iluda: o Messias será o primeiro a trazer sua espada. Pelo menos é isso que se espera desde que os grandes profetas começaram a anunciar a chegada do Salvador, fazendo muita gente acreditar que um homem seria enviado dos céus para acabar com a humilhação horrorosa que tem sido viver dominado por estrangeiros.
O Messias deverá ser o homem de Deus que restituirá a Israel a glória que o povo não conhece há cerca de mil anos, desde os tempos de Davi, quando era um hebreu a governar os hebreus, sem divisões entre eles. E, se as profecias estiverem certas, o Messias terá que ser, inclusive, um descendente daquele homem pequeno e valente que derrotou o gigante Golias antes de subir ao trono de Saul. Por isso, lhe será muito mais conveniente nascer em Belém da Judeia, onde também nasceu o rei Davi. A consanguinidade, espera-se, há de lhe emprestar alguma qualidade.
Mas agora o pregador não pensa em questões de sangue e hereditariedade. Pensa, aliás, que seu corpo perecerá, e que só a alma é imortal.
Ainda que sonhe os mesmos sonhos de liberdade dos outros judeus, há algo que irremediavelmente separa sua comunidade das outras seitas religiosas de Israel: a expectativa pela grande batalha dos povos, o armagedom, outros dirão, o fim dos tempos que eles acreditam estar muito próximo. As crenças vêm dos profetas antigos, e foram gravadas em pergaminhos, inúmeras vezes reproduzidas pelos copistas nas salas de escrita da comunidade, mas é bem sabido que, nesses dias de terror romano, haverá pouquíssimos outros judeus com ousadia para tal heresia.
Apocalipse nunca mais! Imagina-se assim a desfaçatez dos que querem agradar aos romanos, temendo suas espadas, garantindo-lhes que o império não está em perigo.
Pois especialmente aqueles que dizem ter relacionamento mais íntimo com Deus, os saduceus que comandam o Templo, não querem aborrecimentos. Construíram em Jerusalém os palácios onde vivem como reis, recebendo os convidados em salões com mosaicos, bebendo o bom vinho em cálices de ouro, protegidos por suas guardas particulares, bajulados por serviçais belas e feias e pelos escravos que Deus lhes deu.
Entre esses judeus poderosos há escribas, sacerdotes e, principalmente, sumos sacerdotes, como Anás e Caifás, predestinados ao panteão dos crápulas, doa a quem doer, sempre muito bem alinhados em suas vestes de fino tecido, pedras preciosas na altura dos ombros, turbantes com placas de ouro a lhes atestar santidade. Enquanto exibem ganância e vaidade, vão garantindo a coleta dos impostos para entregar os denários do povo aos emissários de Roma, fingindo não haver qualquer problema num certo acordo, coisa mesmo de maus cavalheiros, em que os chefes religiosos não se metem com o que é de César, e César não se mete nos assuntos de Deus.
Agora que o dia finalmente vai clareando nas montanhas, quando o pregador olha para cima a fim de ver o céu púrpura invadido pelos primeiros raios de sol, vê também pontos escuros, cavernas, como se fossem os olhos da enorme montanha. Sendo olhos, serão memória. Um dia, as cavernas mais altas guardarão uma biblioteca enorme com os pergaminhos sagrados, do Pentateuco aos Profetas, os códigos secretos da comunidade, o Manual de Disciplina, cânticos de louvor a Deus e também ensinamentos sobre magia e exorcismo, tudo bem acomodado a uma distância segura da fúria romana e das águas correntes. Pois, quando as chuvas desabam, vão logo fazendo um rio, enchendo os reservatórios, para alegria da comunidade, enchendo também as piscinas construídas na areia, onde há escadas esculpidas na pedra para que eles possam descer até a parte mais funda e tomar seus banhos rituais que, aqui e ali, já estão sendo chamados de batismos.
O pregador chegou ao pé da montanha e agora vê a sua direita um lago tão grande que chamam de mar. Não teria como saber, lhe falta a ciência, mas está no lugar mais profundo da terra, bem abaixo dos espelhos dos mares. Nem por isso encontra diabos e fogueiras em seu caminho.
Há, sim, logo atrás dele, uma dúzia de religiosos com suas barbas de profetas e túnicas brancas, seguindo cada um de seus passos.
Quando o pregador e seus companheiros avançam pela natureza selvagem, vão a pouquíssima distância das águas. Sempre margeando seu grande vizinho, o mar de sal que, conforme o próprio nome dirá, sendo Morto, não lhes oferece mais do que uma água que cega e amontoados de lama.
Mas, neste dia em que os imaginamos, eles estão indo ao rio Jordão, que fica só um pouco mais adiante, a uma hora de caminhada, com suas águas doces perfeitas para o ritual de purificação que mais uma vez irá limpar os humanos de suas práticas malévolas através do Espírito Santo. É isso que está determinado no manual de disciplina da comunidade, o código de conduta que eles juraram obedecer.
O manual ensina que todos são pecadores e que só quem admitir suas culpas poderá viver entre eles. Ensina também que se deve dizer amém a quem os bendisser, assim como a quem os amaldiçoar, antecipando o que um dia se conhecerá como oferecer a outra face do rosto a quem nos fizer algum mal.
Quando o pregador molha seus pés, e depois sua túnica, assim como os molham os outros homens que atravessam o rio, é para ir se instalar na outra margem. Separados pelas águas correntes, asseguram-se de que estão ainda mais distantes de Jerusalém. Afinal, anda-se numa corrupção do espírito tão descarada na cidade sagrada que não lhes soaria nada mal se alguém, nas barbas dos sumos sacerdotes, nos bigodes dos cambistas, esbravejasse que transformaram a casa de Deus num covil de ladrões.
Em dia tão bonito, em paisagem tão inspiradora, e ainda com os corações imersos nesse rio de arrependimentos, quase nos esquecíamos de dizer que o pregador que estamos acompanhando chama-se João. É nome que parece brotar nas tamareiras, de tão comum. Mas esse não é um João como tantos outros. Se fosse, perdoem-nos a franqueza, não estaríamos aqui acompanhando seus passos.
Aliás, depois que saiu dos arredores de Jerusalém, onde nasceu, depois que veio para esse lado do mundo e se fez sábio, tem realizado tantos prodígios que atrai multidões. E, por causa do ritual que pratica com estilo próprio e benefícios inestimáveis aos que o experimentam, só o chamam por João Batista.
Seja qual for o motivo, uma coisa é certa: João prefere, sempre, o outro lado do rio. E agora que o sol ultrapassou os picos das montanhas, podemos imaginá-lo com os filhos da luz, suas túnicas meio dentro, meio fora da água, relembrando a profecia, tão clara, muito mais cristalina que esse rio, anunciando que um servo de Deus será posto nas alturas e irá morrer para livrar do fogo eterno aqueles que forem puros e bons.
O servo esperado ainda não chegou, ou pelo menos não se tem certeza disso. Sem nenhum sinal contundente de Deus, algo que lhes diga é este, eles ainda o esperam. E, em vez de servo, preferem chamá-lo Messias, reinterpretando Isaías.
Eis que meu Servo prosperará!
Era desprezado e abandonado pelos homens…
Por suas feridas fomos curados…
Livremente humilhou-se e não abriu a boca,
Como cordeiro conduzido ao matadouro.
Ofereceu sua vida como sacrifício expiatório.
Foi contado entre os criminosos.
Levou sobre si os pecados de muitos,
E pelos transgressores fez intercessão.
Os companheiros de João dizem seus améns sem saber que esse trecho da profecia servirá como inspiração, mais tarde, a uma outra escritura sagrada para meio mundo. E no dia em que estiver completo, o Novo Testamento atribuirá ao Batista a frase histórica que, dita ou não, eternizará a ideia de que um de seus batizados terá sido o Cordeiro de Deus dado em sacrifício para tirar os pecados dos seres humanos.
Se João Batista sabe Isaías de cor, e aprendeu tanta coisa sobre os antigos, é porque passou boa parte de seus dias estudando. Provavelmente leu um pergaminho que ensina os filhos da luz a enfrentar os filhos da escuridão no dia em que o apocalipse chegar. Tem sabedoria de sobra para ser sacerdote ou, mais que isso, um grande profeta. E não será possível, então, que seja ele o Messias?
A dúvida se explica e não deverá jamais ser entendida como ofensa por quem tiver certeza de que o Messias é outro. Se as palavras de João não soassem divinas, não estariam agora chegando multidões para vê-lo, ouvi-lo e serem batizadas por ele nas águas do Jordão.
– Deus me enviou para mostrar-lhes a verdade da lei, por meio da qual vocês serão poupados de ter vários mestres e não terão mais mestres mortais, mas apenas o Mais Elevado, que me enviou – ele costuma dizer aos discípulos, como se quisesse demonstrar que é o Messias.
Quando termina a oração, imaginamos, João pega a cabeça de Simão e a mergulha na água. Mal sabe que, depois de sua morte, esse homem a quem andam chamando pelo apelido desdenhoso de Mago o substituirá como líder do grupo. Duas, três, quatro vezes. João mergulha Simão no rio, espera que se levante, e o mergulha outra vez.
O profeta do rio Jordão repete inúmeras vezes o ritual de imersão nas águas do rio. Não foi à toa que o apelidaram de Batista. Agora é a vez de André… e de um Jesus que não veio de Nazaré, e de um Jacó, e de um Natanael… e assim o pregador vai purificando seus discípulos e muita gente que veio de longe para vê-lo.
Estudiosos dirão que, pelo menos até uma certa parte de sua vida, sem que lhes respingue uma gota de dúvida, João Batista terá feito parte da comunidade dos essênios, o povo sagrado, uma das três grandes seitas filosóficas judaicas de seu tempo, que, entre eles, se chamam uns aos outros de filhos da luz. Só uma permanência longa com eles explicaria sua maneira particular de interpretar o que está nas escrituras, e também a escolha de um lugar tão distante do mundo civilizado para pregar sobre o fim dos tempos.
Os essênios estão também noutras cidades, mas concentram-se ao lado de onde João faz seus batismos, neste lugar que um dia será conhecido como Qumran, onde muito mais tarde, naquelas mesmas cavernas lá de cima, serão encontrados pergaminhos que nos ajudarão a entender melhor essa história. Demonstram enorme afeto uns pelos outros. São ainda mais disciplinados e dedicados a Deus do que os fariseus, e muito mais rigorosos em sua interpretação das escrituras do que os saduceus, que mandam na religião.
Se muitos essênios são celibatários, no entanto, como também o serão os padres católicos, é para se dedicar melhor a Deus, ao mesmo tempo que se protegem do que consideram um comportamento infiel das mulheres. São, por fim, os únicos que impõem regras de celibato, coisa que praticamente desaparecerá do judaísmo depois deles, e também não estará no cristianismo ortodoxo, protestante ou evangélico, pois rabinos e pastores – e também os católicos de rito oriental – verão no casamento e no sexo a certeza da multiplicação, uma saudável obrigação.
Os filhos da luz são tão rigorosos no cumprimento da lei de Moisés que comem a refeição feita na sexta-feira para não mexer com fogo no sábado, que só ao Altíssimo pertence. E jamais irão ao mato num sábado deixar aquilo que já não serve a seus corpos: constipar-se-ão em nome de Deus.
Não seria nada estranho se alguém dissesse que são ultraortodoxos, rigorosíssimos em suas religiosidades. Mas que ninguém lhes pergunte nada sobre o grupo a que pertencem. O manual de disciplina determina que a boca deve se manter fechada. Algo como o que acontece no deserto fica no deserto.
Nenhum deles, portanto, sairá pela Judeia propagandeando coisas como “sou um filho da luz e me salvarei quando o mundo acabar”, ainda que esteja pensando exatamente assim. E se um dia desejar sair da comunidade, o essênio poderá ser punido com a fome, até morrer por inanição. É inadmissível quebrar os juramentos e revelar os segredos.
Anoitece.
Passam-se dias.
Talvez sejam meses.
Ou mesmo alguns anos.
E João, essênio ou não, continua batizando.