“Sei como é difícil seguir essa grandiosa lei do amor. Mas todas as coisas importantes e boas não são difíceis também? O amor a quem nos odeia é o mais difícil de todos. Mas mesmo essa coisa dificílima se torna fácil de realizar quando queremos fazê-lo” – Mahatma Gandhi Um dos líderes mais influentes da […]
Um dos líderes mais influentes da história, Mahatma Gandhi se mantém como potente farol de ideias pacifistas após sete décadas de seu assassinato, ocorrido no dia 30 de janeiro de 1948. A imagem do senhor franzino, de óculos de aro fino e lentes arredondadas, cuja toga branca contrastava com a cor da pele, resiste no imaginário popular. Transcendeu a Índia, país onde nasceu e pelo qual lutou. Tornou-se mito e, como muitos defensores de nobres causas sociais, foi vítima do ódio que combatia. À beira da morte, teria pedido que seu algoz não fosse punido, mas um julgamento condenou o homicida ao enforcamento. Os ecos de suas palavras, contudo, estão vivos, são urgentes e precisam ser revistos, especialmente em tempos de exaltação da intolerância. Esse é o convite feito em A virtude da raiva, escrito por Arun Gandhi, neto de Mahatma.
O laço afetivo leva naturalmente a uma escrita carinhosa. Página a página, o pensamento de Gandhi é apresentado em dez lições espirituais passadas do avô ao neto. A raiz familiar é fundamental nessa narrativa de aprendizagem e amadurecimento. Afinal, para além da importância política do líder da independência indiana, existia um avô de bigode branco e sorriso sem dentes a quem Arun chamava de Bapuji. O livro é também sobre esse homem escondido sob a pele do mito. Os relatos se concentram no período em que passaram juntos, dos 12 aos 14 anos do autor, hoje um senhor de 83, já com quatro bisnetos. Sim, o tempo passa. O que fica? O que a trajetória de Gandhi nos ensina?
“Nesse momento vejo que todos nós precisamos voltar ao satyagraha (princípio que norteou as ações de Gandhi), à força da alma, de meu avô. Ele criou um movimento que levou a uma enorme reviravolta política e trouxe autonomia a centenas de milhares de indianos. Porém o mais importante é que que Bapuji tentou mostrar que podemos alcançar nossos objetivos por meio do amor e da verdade e que os principais avanços acontecem quando abrimos mão da desconfiança e buscamos força na positividade e na coragem”, reforça Arun.
“Eu sinto raiva o tempo todo”
Usar a raiva para o bem é a lição que inspirou o nome do livro. De certa forma, soa surpreende, pois ela não parece conversar com o anseio pacifista tão caro a Gandhi. O indiano, porém, entendia a raiva como elemento inerente ao ser humano. A diferença se dá justamente em como você a aplica.
Como acontece em outros capítulos, essas ideias são destrinchadas a partir de histórias de vida do próprio Arun. Nesse caso, na dificuldade dele de lidar com a fúria interior, algo evidente nos corriqueiros confrontos com outros garotos nas escolas em que estudava. “Como sou de origem indiana e cresci na África do Sul, sempre fui atacado pelas crianças brancas por não ser branco o suficiente e pelas crianças negras por não ser negro o suficiente”, explica ele, que tinha fama de briguento. As conversas com o avô diante da roda de fiar eram particularmente convidativas às reflexões do tipo. Gandhi causou espanto ao neto ao dizer que ficou contente com a capacidade de ser abalado pela raiva e assegurou: “Eu sinto raiva o tempo todo”.
A perplexidade de Arun com a afirmação foi amansada pela fala seguinte: “Aprendi a usar minha raiva para o bem. A raiva, para as pessoas, é como o combustível para o automóvel. Ela nos dá energia para seguir em frente e chegar a um lugar melhor. Sem ela, não teríamos motivação para enfrentar os desafios. A raiva é uma energia que nos impele a definir o que é justo e o que não é”, destacou o líder.
Gandhi lembrou que havia sido um jovem rebelde, com ímpetos de raiva: casou-se aos 13 anos com uma jovem da mesma idade – um matrimônio arranjado -, com quem brigava constantemente. Certa vez, tentou colocá-la à força para fora de casa. Insatisfeito com a pessoa que estava se tornando, começou a se moldar para encontrar a calma e o controle. Ainda que não seja simples, trata-se de um percurso necessário.“Percebi como nos tornamos irracionais quando nos irritamos e como sua avó amenizou a situação de maneira brilhante. Se ela tivesse reagido com raiva, teríamos embarcado num duelo de gritos… E quem sabe onde iríamos parar? Quanto mais eu pensava naquilo, mais me convencia de que precisava aprender a usar a raiva com inteligência”, confidenciou a Arun. Como deixou claro em sua revolução não violenta, Gandhi jamais considerou a vingança uma alternativa às injustiças de qualquer ordem. Ao neto, indicou que mantivesse um diário da raiva a fim de entender o que causou o conflito, sendo esse apenas o primeiro passo para o alcançar o controle da mente.
“Eu precisava me distanciar e ver o ponto de vista da outra pessoa. Não se tratava de uma receita para baixar a cabeça para o outro e ceder, mas de uma técnica para encontrar uma solução que não levasse a mais raiva e ressentimento (…) Bapuji me ensinou que ser capaz de entender o ponto de vista do outro e perdoá-lo é um sinal de verdadeira força capaz de entender”, pondera Arun, recordando também sobre a insistência de Gandhi de tratar a raiva como aviso de que algo está errado. “Use a sua raiva com sabedoria. Permita que ela ajude a encontrar soluções com amor e verdade”, aconselhou o avô ao neto.
Para guardar e pensar: cinco lições de Gandhi
– “Um ‘não’ dito com convicção profunda é melhor que um ‘sim’ dito apenas para agradar ou, pior, para evitar problemas”.
– “Um homem de poucas palavras raramente será descuidado em seu discurso, pois medirá cada uma delas”.
– “Sua mente deve ser como um cômodo com muitas janelas abertas. Deixe a brisa entrar por todas elas, mas não se deixe levar”.
– “Cada peça é importante e contribui para o todo. Assim como esta pequena mola é necessária para fazer a roca funcionar corretamente, cada indivíduo é vital para a sociedade. Ninguém é dispensável ou desimportante. Nós trabalhamos em uníssono”.
– “Primeiro eles ignoram você, depois riem de você, depois lutam contra você e, então, você vence”.