APRESENTAÇÃO
No caminho das parábolas
Há conhecimentos e informações de que necessitamos para uso imediato. Por exemplo, se estamos no meio de uma cidade e buscamos uma rua, a motivação para prestar atenção nas explicações é óbvia e forte. Não é preciso uma pedagogia revolucionária para nos motivar ou grandes modelos didáticos.
Na escola, recebemos informações e adquirimos conhecimentos que podem ser úteis no futuro. Ou seja, na teoria, estamos motivados para aprender, mas na prática, como o volume de matérias é muito grande, o desafio de dominá-las pode ser enorme e o momento do uso está distante e nebuloso, por isso é preciso que os conteúdos sejam apresentados de forma atraente e persuasiva. Para isso, dispomos de um arsenal de recursos didáticos e muitas teorias de como ensinar. Mesmo assim, a tarefa é árdua.
Quando o objetivo do estudo não é o conhecimento, mas a mudança de atitudes e comportamentos, o desafio é muitas vezes maior. Costuma-se dizer que é relativamente fácil levar o aluno ao domínio de muitos conteúdos. Porém fazer com que sinta o mundo de forma diferente e reaja a ele com atos e postura diferentes é a tarefa mais difícil da educação – de fato, parece haver consenso entre os entendidos de que está quase sempre acima das forças da escola. A mudança de comportamento costuma ser uma batalha perdida.
Não faz muito tempo, ser funcionário público era o ideal atávico de quase todos os brasileiros. Neste país, convencer o jovem cidadão a tomar a iniciativa e enfrentar os riscos de ser seu próprio chefe não é tarefa simples. Mas é vital para a nossa prosperidade.
Daí o uso de estratégias diferentes quando nosso objetivo é mudar comportamentos e atitudes. Robert Cole, em seu livro The Moral Life of Children (A vida moral das crianças), demonstra que o aprendizado dos princípios morais é mais eficaz quando o aluno é confrontado com narrativas reais ou literárias, em que dilemas práticos são apresentados. As pregações se revelam ineficazes. Cole mostra que, fazendo ler os clássicos da literatura de ficção, chega-se mais longe na tentativa de sensibilizar os alunos para as questões de moral e ética.
Dois mil anos antes dele, um pregador muito eficaz contava casos em vez de dizer como as pessoas deveriam proceder nas suas vidas. Os casos de Jesus Cristo são chamados de parábolas e mostraram o seu vigor ao longo do tempo.
Portanto, quando o meu amigo Dolabela escreve uma novela de ficção para ensinar empreendedorismo, está em boa companhia. Em vez de considerar O segredo de Luísa uma curiosidade didática ou uma brincadeira, devemos entender que é um dos poucos que parecem estar no caminho certo. Os outros é que estão errados. Talvez discordem os puristas. Mas, como 350 mil exemplares já foram vendidos, parece que os leitores também gostam da receita. Portanto, nada mais posso fazer senão comemorar o sucesso da empreitada, já que o empreendedorismo é tão vital para este nosso país.
Claudio de Moura Castro
Prefácio
Todo o meu trabalho tem cunho prático. Considero o empreendedorismo um instrumento de desenvolvimento social (não só de crescimento econômico) e o dissemino por meio da educação com o objetivo de gerar mudança cultural. Este e outros 14 livros foram escritos para servir de suporte às minhas propostas educacionais.
Em 1992, criei o curso de empreendedorismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Testada lá, a metodologia Oficina do Empreendedor bateu asas, estando hoje presente em centenas de instituições de ensino superior do Brasil e da América do Sul. Para disseminá-la, ofereci pessoalmente seminários a milhares de professores universitários.
Em 2000, com a ajuda de um grupo de professores, finquei uma modesta cunha naquilo que considero o coração de um país que deseja buscar o desenvolvimento: a educação empreendedora nos ensinos fundamental e médio (crianças de 4 anos a adolescentes de 17). Mas é importante advertir que não desejo transformar crianças em agentes de criação de empresas. A atividade empresarial é apenas uma das infindáveis formas de empreender. A minha visão de empreendedorismo contempla toda e qualquer atividade humana e, portanto, inclui a atuação em pesquisa, no governo, no terceiro setor, nas artes, em qualquer lugar. O empreendedor é definido por sua forma de ser, por seu modelo mental, e não pela maneira de se relacionar com o trabalho nem pela natureza do que faz. O ideal é que todos se preparem para empreender na vida. E empreender significa, em essência, buscar a realização do próprio sonho, inovando e oferecendo valor positivo para a coletividade.
Em 2003, depois de testes extensos e cuidadosos e sempre com a ajuda de uma equipe de educadores, comecei a implementar a Pedagogia Empreendedora (nome da metodologia e do livro para crianças) em escolas que oferecem educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. O alcance desse trabalho superou as previsões mais otimistas: redes públicas municipais de mais de 140 cidades, envolvendo cerca de 2 mil escolas e milhares de alunos e professores, abraçaram a Pedagogia Empreendedora.
Uma palavra ao novo empreendedor
Em minha vivência no ensino de empreendedorismo, uma coisa me chama a atenção: o fascínio despertado nos alunos (e também em mim) pelos empreendedores que convido à sala de aula para narrar suas experiências. É sempre sobre sua vida que falam, tendo a empresa apenas como pano de fundo. Contam sobre família, infância, juventude, estudos e casamento. Como desenvolveram uma ideia, como foram afetados pela empresa – as novas amizades, a nova maneira de ver o mundo, as emoções que acompanham cada movimento, cada decisão. Falam com entusiasmo e paixão sobre a aventura de sua vida.
Por intermédio deles, consegui entender algo que sempre li nos livros: a empresa é um sonho que se fez realidade. Já tive a oportunidade de ouvir empreendedores narrando alguns dos seus fracassos. É como se falassem de um ser amado que perderam. Nessas ocasiões, a emoção domina a sala de aula e alguns de nós acompanhamos o narrador em suas lágrimas.
A história de Luísa é um pouco de tudo que tenho vivenciado. A maneira simples de contá-la foi inspirada nos relatos ouvidos em anos de trabalho. É uma pequena novela sobre a criação de uma empresa, baseada na crença de que prazer e emoção constituem temperos imprescindíveis ao ato de aprender. Sempre com a emoção em primeiro lugar, tentei construir uma nova forma de apresentar às pessoas o que há de mais avançado no mundo na área de empreendedorismo.
Este livro destina-se ao leitor de qualquer formação e qualquer idade que, ainda que não tenha nenhum conhecimento sobre empresas, tem uma ideia na cabeça e deseja transformá-la num negócio. Ou a qualquer pessoa que deseje se informar, através de uma narrativa envolvente e em linguagem amigável, sobre o que faz um empreendedor.
Por trazer diversas novidades conceituais e técnicas, este texto interessa também a quem já tem experiência mas quer conhecer a última palavra em empreendedorismo – por exemplo, um aluno ou professor em busca de uma ferramenta útil para apoiá-lo em suas pesquisas e aulas nessa área.
De forma clara e minuciosa, procuro explicar os processos básicos para a criação de uma empresa: a identificação de um problema, a criação de um produto ou serviço (solução) e o caminho para buscar e gerenciar os recursos necessários à implementação da empresa. Este livro usa o instrumento Modelo de Negócios, que é simples, visual e de rápida assimilação (no texto ficam claras as diferenças entre o Modelo de Negócios e o Plano de Negócios).
É verdade que muitos empreendedores de sucesso abriram suas empresas sem utilizar um ferramental de planejamento, mas também é certo que milhares de outros colheram insucessos por causa de ações equivocadas que poderiam ter sido evitadas. Sem dúvida, um grande número de negócios de alto potencial torna-se inviável em virtude do despreparo dos empreendedores. Contudo, milhares de pessoas abrem e continuarão a abrir empresas, estando ou não preparadas. Meu objetivo é diminuir a alta taxa de mortalidade infantil dessas iniciativas.
As estatísticas do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) indicam que mais de 60% das microempresas que são abertas todos os anos no Brasil fecham as portas antes de completar 5 anos.
É comum um aluno de Administração de Empresas receber o diploma sem ter nenhuma noção do processo de criação desses empreendimentos. Num país como o Brasil, isso é lastimável, uma vez que a mentalidade empreendedora ainda esbarra em tabus que levam pequenas e médias empresas a resistir a novas tecnologias – como IA (inteligência artificial), robótica, IoT (Internet das Coisas) – e as mantêm, como consequência, longe do mercado global.
Chega a ser um paradoxo. Principalmente porque, no mundo de hoje, as pequenas empresas constituem a principal fonte de empregos e são responsáveis, em muitos países, por mais de 50% do produto interno bruto (PIB) e pelo maior volume de exportações, além de serem – particularmente nos Estados Unidos – as grandes geradoras de inovações tecnológicas desde a Segunda Guerra Mundial. O nível de exportação das pequenas empresas brasileiras está aquém do que se poderia esperar.
Com uma narrativa no estilo romance de não ficção, este livro conta a história de Luísa, desde as forças que a motivaram a ser empreendedora até o caminho que percorreu da concepção da ideia até a elaboração do Modelo de Negócios. Sua aventura na Goiabadas Maria Amália Ltda. é típica do empreendedor emergente: sem recursos para contratar pesquisa de mercado, sem condições de buscar financiamentos nem o apoio do capital de risco – figura ainda rara no Brasil – e tendo ainda que prover o seu próprio sustento, Luísa conta somente com o love money, isto é, o dinheiro dos pais, da família. Ela mesma faz sua pesquisa, apesar de ter poucas horas livres no dia. Teimosa e persistente, vai atrás, briga. E vence.
Sua história é algo que vejo acontecer com meus alunos ano após ano. Mesmo assim, fica a advertência aos leitores: não há como garantir o sucesso de um empreendimento. O que se busca são elementos que promovam a diminuição do risco, e não a sua eliminação.
Sobre a metodologia
Este livro, inspirando-se na realidade, dramatiza o processo de criação de uma empresa. O tema é abordado contextualmente, ou seja, é o problema que constitui a motivação para o aprendizado, porque é assim que o empreendedor aprende: primeiro, estabelecendo aonde quer chegar; depois, buscando os conhecimentos e os meios necessários para alcançar os objetivos traçados. Nesse caminhar, ele erra porque inova, mas transforma os erros em fonte de sabedoria.
A metodologia também é diferente do tradicional “estudo de casos”, largamente utilizado no ensino de administração de empresas. Aqui, o assunto é tratado por meio de uma história muito próxima da realidade vivenciada por centenas de alunos dos meus cursos de empreendedorismo. O centro das preocupações é a pessoa, e não a técnica ou a ferramenta. Na administração de empresas, o alvo é a criatura, enquanto no empreendedorismo o alvo é o criador. Na atividade empreendedora, o conhecimento é portanto volátil, mutante, nervoso, emocional. O ser é mais importante do que o saber, razão pela qual o empreendedor precisa ser alguém preparado para aprender com a própria experiência. O saber que lhe interessa não está nos livros; só ele poderá criá-lo.
Para alguns, a primazia do ser sobre o saber pode soar óbvia, principalmente neste início de século. Mas em muitas áreas ainda não o é. A administração, por exemplo, continua dominada pela busca de uma verdade definitiva, de uma única maneira de fazer as coisas, de um método de gestão perfeito. É por termos essa cultura que, ao atuar nesse campo, aceitamos as panaceias que nos chegam de tempos em tempos e que geralmente não passam de novos nomes para conceitos antigos. Procuramos um instrumento que resolva todos os problemas, esquecendo de investir na formação do ser criativo, capaz de definir a partir do indefinido, de conceber e produzir sistemas, não somente de operá-los.
A ideia deste livro nasceu da minha vivência no ensino de criação de empresas, o que faço desde os anos 1990. A maravilhosa experiência de formular e lecionar a disciplina O Empreendedor em Informática, no Departamento de Ciência da Computação da UFMG, me permitiu partir em busca de projetos mais ambiciosos. O principal era ver o ensino de empreendedorismo ser disseminado em universidades país afora. Esse objetivo está sendo alcançado, graças principalmente ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), cuja atuação tem sido um divisor de águas na educação empreendedora do país. Assim, por meio de programas promovidos por organismos como CNI (Confederação Nacional da Indústria), IEL (Instituto Euvaldo Lodi), Sebrae, Softex e centenas de instituições de ensino superior de todo o Brasil, minha metodologia Oficina do Empreendedor, como já foi dito, começa a romper as fronteiras do país.
Isso representa uma importante alternativa à tendência centenária das nossas universidades de formar empregados.
Essa nova prática, aliada a ensinamentos obtidos por meio da leitura, do convívio com pesquisadores de todo o mundo e da constante participação em congressos internacionais, me mostrou que havia uma lacuna nas metodologias para o ensino de criação de empresas. Os candidatos a empreendedor, de qualquer área, idade ou formação, têm algo em comum: a falta de conhecimento técnico, de uma terminologia que lhes permita conhecer e selecionar as ferramentas necessárias à criação e à gerência de um negócio. Essa carência muitas vezes os deixa amedrontados ou desmotivados.
A proposta deste livro é mostrar ao leitor – de forma inovadora – como usar seus próprios recursos para adquirir esse instrumental.
A primeira grande inovação diz respeito à metodologia utilizada, que associa o prazer e a emoção ao ato de aprender. Ao longo da história, o leitor vai conhecendo o perfil do empreendedor e as condições necessárias para o sucesso. Ferramentas como marketing, finanças e gestão são apresentadas de forma simples e clara, de modo a diferenciar o que é delegável daquilo que é função exclusiva do empreendedor iniciante.
Neste livro é adotado um recurso antigo: utilizar a pergunta como forma de indução ao conhecimento. No ensino do empreendedorismo, os papéis se invertem, uma vez que quem busca as respostas – assim como faz o empreendedor na vida real – é o aluno. Cabe a nós, que lidamos com o ensino, fazer as perguntas pertinentes.
Mas a maior novidade deste livro é sua estrutura flexível, que permite diferentes leituras. Quando mergulhar nos boxes – no alto de cada um haverá um trecho da história que funcionará como um hiperlink analógico –, terá acesso a conteúdos técnicos sobre autoconhecimento, identificação de oportunidades e, claro, sobre ferramentas de gestão, domínio do administrador de empresas. Mais do que isso, o texto faz a ligação entre as ações de Luísa e os conteúdos instrumentais, como se ao lado do leitor estivesse um mestre a interpretar as ações do empreendedor e a vincular prática a teoria.
Para ler este livro
Apesar de ser uma obra didática, o estilo aqui usado é o do romance. Nos cursos que frequentei na área de administração, sempre estranhei que os conhecimentos fossem oferecidos sob forma exclusivamente conceitual, sem emoção, como se esta fosse nociva aos temas acadêmicos.
Além de aprender como gerir uma empresa, eu queria mostrar algo que não estava nos livros: por que a empresa foi criada. E quando se pergunta o porquê, é inevitável que a resposta seja carregada de emoção.
O empreendedorismo se interessa pelo criador, o ser humano empreendedor, enquanto o papel da administração é fornecer ferramentas. Todos nós adoramos histórias porque falam de emoções. Talvez a nossa mente possua duas memórias. Uma delas arquiva informações puramente racionais e, para funcionar bem, precisa ser treinada. Na outra, as emoções se eternizam espontaneamente, sem pedir licença.
Neste livro, mostro as emoções que guiam Luísa, a personagem central. É com elas que o leitor vai aprender, ao ser chamado a participar de sua aventura existencial. Os instrumentos utilizados na criação da empresa surgem à medida que a história evolui. O fato, o problema, a emoção antecedem sempre a necessidade do saber, que chega ao leitor dentro de um contexto que lhe é familiar.
Vinculadas a diversas passagens da história estão caixas de texto com comentários, interpretações e informações que ampliam o alcance do texto. Você decidirá que volume de informações dessas caixas deseja absorver, de modo que várias leituras podem ser feitas: um romance que trata do empreendedor, se assim você quiser; um estudo detalhado de mercado, se for esse o seu interesse; ou a montagem do Modelo de Negócios, para aqueles que desejam projetar sua empresa.
Além disso, é dada grande importância às atitudes do empreendedor que o conduzem ao sucesso. O que se pretende é indicar ao leitor quais habilidades deve desenvolver. Sabemos que nessa área não lidamos somente com conhecimentos como finanças, marketing, gestão. Ainda que uma pessoa domine todas as técnicas e ferramentas para administrar uma empresa, isso não garante que será um empreendedor de sucesso. Poderá, sim, ser um bom gerente. Para ser empreendedor, é preciso algo mais. É preciso sonhar e buscar a realização do sonho. Ao agir em busca da concretização do sonho, o indivíduo é dominado por forte emoção que liberta o empreendedor que existe dentro dele, tornando dinâmicos alguns potenciais presentes em todos nós: protagonismo, perseverança, criatividade, liderança, etc. As capacidades de identificar e agarrar oportunidades, bem como de encontrar e gerenciar os recursos necessários para transformá-las em um negócio lucrativo, se desenvolvem durante a busca por transformar o sonho em realidade.
O conhecimento que interessa ao empreendedor é aquele que pode ser aplicado à sua empresa. Ele não está nos livros, mas à sua volta, nas pessoas, no mercado, no mundo. A leitura e a interpretação que o empreendedor faz do ambiente é que vão conduzi-lo (ou não) ao sucesso. Tudo começa quando ele identifica um problema. O que habitualmente chamamos de ideia é a solução desse problema mediante um produto ou serviço. Como Luísa, o leitor aprenderá com os erros, uma fonte inesgotável de ensinamentos.
Portanto, convido você a analisar todas as atitudes da protagonista desta história e a interpretar suas ações, seu modo de ser, seu comportamento como filha, aluna, noiva, estudante, cidadã. É assim: aprende-se a ser empreendedor com outros empreendedores.
Boa aventura!
Fernando Dolabela