Talvez você pense: por que falar em utopia em pleno 2018? Ora, mais do que nunca, precisamos dela. Utopia, palavra feminina, de quatro sílabas, cujo significado não contém a dimensão total da ideia. Uma ideia abotoada à esperança de dias melhores. É sobre isso que escreve Rutger Bregman em Utopia para realistas. O historiador é […]
Ora, mais do que nunca, precisamos dela. Utopia, palavra feminina, de quatro sílabas, cujo significado não contém a dimensão total da ideia. Uma ideia abotoada à esperança de dias melhores. É sobre isso que escreve Rutger Bregman em Utopia para realistas. O historiador é conhecido por defender uma renda básica universal e jornadas de trabalho de 15 horas por semana. Quer saber o que o levou a sonhar com isso? Siga-me por aqui…
Apesar do cenário de insegurança e terror montado ao nosso redor, com retrocessos sendo gestados no Brasil e no mundo, o autor é porta-voz de boas notícias. Ele lembra que “enquanto 84% da população mundial ainda viviam na extrema pobreza em 1820, em 1981 essa porcentagem caiu para 44% e, hoje, poucas décadas depois, está abaixo de 10%”. Bregman lista uma série de avanços científicos e tecnológicos – da criação de pernas robóticas aos carros autônomos já testados – para mostrar como os últimos dois séculos ampliaram a expectativa de vida e os modos de percebê-la e vivenciá-la.
E sonhos não envelhecem…
É óbvio que a contemporaneidade apresenta desafios de outras ordens, inexistentes em tempos remotos, mas o futuro, ele insiste, pode ser melhor ainda. Depende das sementes que plantamos. Você pode atribuir o otimismo de Bregman ao fato de ele ter nascido e ainda morar na Holanda, um país sem as desigualdades colossais do nosso, ter uma situação financeira confortável e tal. Tudo bem. Mas o livro, mesmo atravessado por essa perspectiva, traz informações que devem ser consideradas quando se pensa que a humanidade não tem saída – e já escutei muitas vezes isso por aí. “No mundo todo, a expectativa de vida subiu de 64 anos em 1990 para 70 em 2012, mais que o dobro do que era em 1900”, informa ele.
E o que vamos fazer com mais tempo? Apenas trabalhar, trabalhar, trabalhar? Peraí.
Para Bregman, esse livro é uma tentativa de se libertar do futuro; ou melhor, do medo que temos do futuro.
Dos desejos, daquilo que ansiamos para nós e para os que virão depois de nós, nascem utopias. É preciso se abrir para um novo possível, ainda não contaminado pelo status quo que nos empurra diariamente a mentira de que nada mais pode ser feito. Não basta desejar, é preciso fazer as perguntas certas: “Por que estamos trabalhando cada vez mais, desde os anos 1980, apesar de estarmos mais ricos do que nunca? Por que milhões de pessoas ainda vivem na pobreza, quando temos riqueza suficiente para extinguir esse mal?”, questiona ele.
Utopia x distopia
Definitivamente, Bregman não pinta um mundo sem mazelas. Ao contrário. Ele identifica os pontos nevrálgicos da distopia na qual vivemos atualmente, instigados pela indústria alimentícia a comer qualquer coisa, estrangulados pelas mil e uma possibilidade de estar sempre on-line, manipulados pela publicidade, que nos diz que somos importantes e diferentes. E nós acreditamos, não é mesmo? “Nos anos 1950, apenas 12% dos jovens concordavam com a afirmação ‘Eu sou uma pessoa muito especial’. Hoje, 80% concordam com isso, quando na verdade estamos ficando cada vez mais parecidos uns com os outros”, provoca o historiador.
Por isso, a utopia é tão importante. Diante dos avanços, é necessário encontrar outras maneiras de existir sem que se perca o fio dos sonhos, sem que a gente se esgote diante de tudo que podemos ser e não somos. O autor acredita que precisamos retornar à política para encontrar uma nova utopia. “Precisamos de horizontes alternativos que ativem a imaginação. E digo horizontes no plural mesmo; afinal, utopias contraditórias são o sangue nas veias da democracia”.
Em período de eleições, taí algo oportuno para se pensar.
Renda básica universal
Bregman se apoia em pesquisas que correlacionam a distribuição incondicional de dinheiro a reduções de criminalidade, mortalidade infantil, desnutrição, crescimento econômico etc – muitos brasileiros sabem disso, aliás – para defender uma renda básica universal. “Não como um favor, mas como um direito. Uma mesada mensal, suficiente para o sustento, sem que precise levantar um dedo. A única condição é que você esteja vivo”, explica. Em seus ideais, com isso não haveria mais a necessidade de outros programas de benefícios especiais e assistências.
Essa dinâmica foi testada na pequena cidade canadense de Dauphin, na década de 1970, mas desmantelada quando um governo conservador assumiu o poder. O tema também foi discutido nos Estados Unidos, nesse mesmo período, com um projeto de lei aprovado pela câmara, porém derrotado no senado. Apesar dos entusiastas, há quem sempre aponte entraves para a criação de um programa assim. Mas a atenção que Bregman teve ao ressuscitar essa pequena grande utopia mostra que o projeto ainda tem ressonância.
“Pela primeira vez na história, somos de fato ricos o bastante para financiar uma renda básica considerável. Erradicar a pobreza nos EUA custaria apenas 175 bilhões de dólares, menos de 1% do PIB. De fato, todos os países desenvolvidos do mundo já têm meios para eliminar a pobreza há anos”, ratifica o autor. Ele ressalta que utopias sempre começam pequenas, com experimentos que mudam o mundo passo a passo. Na sua visão, a proposta pode unir pensamentos divergentes. “Em termos de redistribuição, satisfaria as demandas da esquerda por um sistema mais justo; e, ao eliminar o regime de interferência e humilhação dos indivíduos, daria à direita a ingerência mínima do Estado”, completa.
Trabalhar menos
É o sonho de muita gente: trabalhar menos para ter mais tempo de viver outras vidas que não aquelas restritas ao ofício. Horas a mais para o lazer. Se a ideia é tão bonita – utopia já sonhada por muitos pensadores -, por que a sugestão de um trabalho que ocupe 15 horas semanais causa tanto espanto? “Quando, em 1926, perguntaram a um grupo de 32 empresários americanos de prestígio o que eles achavam de reduzir a jornada de trabalho semanal, apenas dois consideraram que a ideia tinha algum mérito. De acordo com os outros 30, mais tempo livre resultaria apenas em mais criminalidade, dúvidas e degeneração”, justifica ele no livro. Naquela época, Henry Ford implementou a jornada de trabalho de cinco dias por semana.
O mundo mudou desde então, mas o tempo dedicado ao trabalho não parece diminuir. A sensação é que ele se multiplica e se desdobra em diversas frentes. “O exército de psicólogos e psiquiatras não está combatendo o avanço do enfado por ócio, mas sim uma epidemia de estresse”, arremata. Estamos tão arraigados a esse sistema que Bregman considera o tópico o maior desafio deste século.
Um dos empecilhos para levar adiante a ideia utópica de diminuir a jornada de trabalho é uma máxima conhecida: tempo é dinheiro. Ou em outra palavras: “Lazer é um ideal maravilhoso, mas não temos como pagar por isso”. Mas o autor questiona a ideia e aponta que produtividade e longas horas de trabalho não andam de mãos dadas. “Os países mais ricos do mundo, aqueles com uma grande classe artística e populações com alto grau de escolaridade, também foram os que mais reduziram as suas jornadas de trabalho semanais”, afirma Bregman.
A utopia dele – e de muitos outros – é que tirar tempo para si mesmo deixe de ser equiparado a desemprego e preguiça. Que ter uma boa vida, com mais lazer, seja um desejo compartilhado, não mais reprimido. Assim seja!