Não é preciso ir longe para identificar a ponta de desassossego em corpos enraivecidos com os quais esbarramos todos os dias. Eles estão nas calçadas, nos carros, nas bicicletas, nos ônibus, no trabalho e, claro, em casa. Eles somos nós. Quantas vezes você foi destratado hoje? Quantas vezes você foi ríspido com alguém hoje? E, […]
Eles estão nas calçadas, nos carros, nas bicicletas, nos ônibus, no trabalho e, claro, em casa. Eles somos nós. Quantas vezes você foi destratado hoje? Quantas vezes você foi ríspido com alguém hoje? E, pois bem, como está sua paciência hoje? Raros são os dias realmente calmos e, talvez por serem tão escassos, façam tanta falta. Em tempos ríspidos, em que discussões banais levam a consequências drásticas de vida e morte, a calma é uma virtude de luxo. Mas calma, ela é possível. O livro Calma, da The School of Life, aposta nisso.
Para começo de conversa, calma não é anestesia, tampouco apatia diante do mundo. É, antes de tudo, um pilar da inteligência emocional e tê-la como aliada é fundamental para se desvencilhar dos corriqueiros ataques de nervos, incômoda sina cotidiana. Ao contrário de práticas que recomendam a neutralização e a negação da ansiedade e do estresse, o livro sugere um caminho outro, o do aprendizado: “Cada preocupação, frustração, episódio de impaciência ou ataque de irritação tem algo importante a nos dizer – desde que estejamos dispostos a decodificá-lo. Em vez de se esforçar para esvaziar a mente, uma possibilidade para cultivar a calma seria examinar de forma mais lenta e cuidadosa nossas experiências de agitação e esclarecer as preocupações que estão por trás delas”.
O ensinamento acima norteia a publicação da The School of Life. Por trás da verdadeira calma, a tão combalida autoconsciência – tão minguada quanto a calma? Ora, o princípio é o verbo, sim, mas aquele que revira você do avesso. É preciso se investigar sem desordem, mas com perspicácia e amor-próprio. Já se escutou hoje? O que o desequilíbrio interior diz a seu respeito? O livro desmembra a lição ao longo de seus quatro capítulos com enfoques distintos.
A expectativa é inimiga da calma. Os embates vividos nos relacionamentos, tensionados entre o nosso querer e o querer do outro, não dá margem para dúvida. O livro descreve um cenário estarrecedor: “Descobrimos uma capacidade assustadora de sentir angústia e raiva, nos tornamos frios ou furiosos, saímos batendo portas. Gritamos e dizemos coisas que machucam. Depositamos grandes esperanças nos relacionamentos – mas, na prática, parece que essas relações foram projetadas especialmente para aumentar nossas inquietações”.
Para além do romantismo dos primeiros dias, meses e, com sorte, anos, existe a vida com suas dificuldades e promessas adiadas, existe o dia a dia, existe um “eu” e um “outro”. A matemática nem sempre é fácil nos relacionamentos. Ainda assim, não deixa de ser amargo constatar, como indica o livro, que raramente somos mais desprezíveis do que com as pessoas com quem concordamos em dividir a vida? O ponto nevrálgico fatalmente é a expectativa, rasurada com a falta de glamour da rotina. Com ela, emerge silenciosamente um acordo tacanho do “deixa como está”, do “não vamos falar disso”, do “varrer para debaixo do tapete”… O resultado de não dar a atenção devida aos problemas surge – adivinha? – sem calma. A proposta aqui, portanto, é levar a sério os pontos de tensão do convívio doméstico e estabelecer metas como 1) aumentar a paciência; 2) encarar os aborrecimentos de maneira sensata; 3) tornar as discordâncias legítimas.
“Quando estamos adequadamente preparados e conscientes das dificuldades que vamos encontrar pela frente, não deixamos de ter problemas, mas nossa atitude em relação a eles muda. Não somos tão rápidos em considerá-los mesquinhos; levamos mais tempo até ficar irritados; podemos passar horas discutindo com boa vontade a melhor forma de limpar o banheiro ou administrar a cozinha – e assim ajudamos a preservar nossos relacionamentos”
Escolher uma profissão, se inserir no mercado de trabalho e experimentar a rotina de metas, cobrança e competição. Muitas vezes, o ambiente profissional é um convite ao desequilíbrio. Um dos motivos do desespero de tantos é a semente do capitalismo selvagem: “Quanto mais produtiva a economia, mais inseguras e inquietantes serão as condições de emprego”. A sensação de estar excessivamente ocupado é o peso invisível que muitos homens e mulheres carregam diariamente. O resultado é uma roleta do mal-estar da civilização. Nela, cabe tudo (da enxaqueca ao pânico), menos mansidão.
A distância entre o que estamos fazendo e aquilo que somos capazes de fazer é por vezes dolorosa. “A motivação para se ‘tornar quem você deve ser’ é o tipo de preocupação que tira o sono. Sentimos que temos, dentro de nós, um grande potencial latente e que a carreira ideal é a maneira como esse potencial interior vai se externalizar da forma mais vantajosa”, afirma o livro. Esse momento também requer atenção e cuidado. É válido aqui também substituir a crença romântica da intuição por um reconhecimento da realidade de se empenhar num ofício – estamos acostumados a ouvir as histórias de sucesso sem nos atermos aos percalços.