Filipe Isensee | Sextante
Felicidade e trabalho podem andar juntos?
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Felicidade e trabalho podem andar juntos?

Livro da coleção Inteligência Emocional aborda quando a felicidade pode atrapalhar atuação profissional: “Quanto menos tentarmos buscar a felicidade por meio de nossos empregos, maior será a probabilidade de sentirmos alegria no trabalho”

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Livro da coleção Inteligência Emocional aborda quando a felicidade pode atrapalhar atuação profissional: “Quanto menos tentarmos buscar a felicidade por meio de nossos empregos, maior será a probabilidade de sentirmos alegria no trabalho”

Afinal, o que é a felicidade?

Se não estamos lidando com verdades absolutas, a resposta a essa pergunta é invariavelmente subjetiva. Cada pessoa tem para si o que seria o sabor desse sentimento. Para muitos, a vida se resume a buscá-la, não importa quais e quantas adversidades sejam necessárias enfrentar. “Felicidade”, novo livro da coleção Inteligência Emocional, da Harvard Business Review, parte desse instinto de eterna procura pelo o que nos torna felizes e propõe um recorte voltado para os negócios. Os textos têm a qualidade de questionar ideias preconcebidas em torno da tal felicidade e, quase sempre, solicitam uma abertura de caminhos. A pergunta do início é, então, refeita: como o ideal de felicidade interfere no trabalho?

Buscar ou viver?

O artigo que abre o livro é, de fato, um bom começo. Jennifer Moss escreve justamente sobre essa procura pela felicidade, mas faz uma ressalva sem a qual a conversa parece não se sustentar: “Buscar é perseguir alguma coisa sem a garantia de alcançá-la”. O senso comum nos diz que é essa vulnerabilidade que torna a caminhada tão especial. Incerta, ela eventualmente provoca a explosão de alegrias onde quase ninguém poderia supor, o que, por sua vez, teria o potencial de deflagrar uma revisão da rota e, quem sabe, do próprio significado de felicidade. Porém, Moss dá um passo atrás e projeta uma reflexão, originada de uma história pessoal.

Ela recorda o período em que o marido, Jim, contraiu gripe suína (H1N1) e febre do Nilo Ocidental, o que o obrigou a ficar num hospital e a fazer fisioterapia e terapia ocupacional. A situação era mais delicada, pois Moss estava grávida. No processo de recuperação, o casal leu muitos livros e se deparou com inúmeros textos, mensagens e vídeos sobre felicidade e gratidão. Ela destaca “Florescer”, de Martin Seligman, autor que aponta cinco elementos essenciais à satisfação duradoura: emoção positiva (paz, gratidão e prazer, por exemplo), engajamento (quando um projeto ou uma atividade nos envolve verdadeiramente), relacionamentos (especificamente, os relacionamentos positivos), significado (servir a algo maior que nós mesmos) e realização (esforço para melhorar a nós mesmos). Ao aplicar esses princípios a sua vida, Moss sentiu uma verdadeira transformação: “Parei de me sentir triste”. 

Apesar de reconhecer o impacto positivo desses valores, ela afirma que eles não são levados a sério pela sociedade. “Talvez parte do problema seja o fato de a felicidade ser banalizada na cultura popular e na mídia, o que torna fácil descartar essas atitudes, alegando que não são comprovadas”. A experiência fez com que Moss abandonasse a ideia de busca pela felicidade. Para ela, “não somos felizes enquanto estamos buscando a felicidade. Somos mais felizes quando não estamos pensando nisso, quando aproveitamos o momento presente porque estamos envolvidos em um projeto significativo, trabalhando em prol de uma meta maior ou ajudando alguém que precisa de nós”. Ser presente e praticar a gratidão devolveram a felicidade a ela.

A felicidade deve ser trabalhada

Em outro texto, Annie McKee destaca a importância de ser feliz no trabalho e reforça: “O trabalho é pessoal”. Em suas pesquisas, ela confirmou que profissionais comprometidos e engajados com suas funções e seus colegas trabalham com mais intensidade e de forma mais inteligente.  A conclusão contrastava com o número de profissionais que não estão comprometidos emocional e intelectualmente com as organizações –  ela se baseia num relatório feito em 2013 pela Gallup, segundo o qual apenas 30% da força de trabalho dos Estados Unidos está comprometida. “A grande maioria não dá a mínima para o que acontece ao seu redor”, sustenta.

A falta de comprometimento, ela continua, é especialmente grave quando vem dos líderes e chefes, porque “suas emoções e seu estado mental impactam bastante o humor e o desempenho dos demais funcionários”.  McKee frisa a importância de reconhecer que sentimentos são, sim, importantes no trabalho e fazem diferença tanto nas relações interpessoais quanto nos resultados alcançados pela empresa. “A falta de comprometimento é uma resposta neurológica e psicológica natural às emoções negativas generalizadas”, explica. Ainda assim, ela lembra que a felicidade em excesso também pode ser prejudicial, porque “pode tornar a pessoa menos criativa e menos inclinada a comportamentos arriscados (pense em como agimos como tolos quando nos apaixonamos)”.   

Esse último tópico é discutido mais a fundo por André Spicer e Carl Cederström. Eles chamam a atenção para o fato de que usar o conceito de felicidade para aumentar a produtividade ganhou força nos círculos corporativos. Contudo, os autores questionam se as ações das empresas têm funcionado, ainda mais levando em conta que “medir a felicidade é tão difícil quanto medir a temperatura da alma ou determinar a cor exata do amor”. Como McKee, eles expõem os problemas de associar trabalho à felicidade. “Se acreditarmos que é no trabalho que a encontraremos, poderemos, em alguns casos, começar a confundir nosso chefe com um cônjuge, um pai ou uma mãe”. E acrescentam: “Quando esperamos que o local de trabalho proporcione felicidade e significado à nossa vida, ficamos perigosamente dependentes disso”. Para esses profissionais, mudanças são especialmente tortuosas.

Há ainda um ponto mais delicado: diante dessa relação não necessariamente proporcional, por que as empresas insistem em vincular produtividade à felicidade? Spicer e Cederström afirmam que esse discurso ajuda a camuflar questões mais sérias: “Quando presumimos que funcionários felizes trabalham melhor, podemos varrer questões mais desconfortáveis para debaixo do tapete, sobretudo porque a felicidade é vista com frequência como uma escolha”. Para eles, deve-se encarar a realidade profissional com sobriedade: “Talvez, quanto menos tentarmos buscar de modo ativo a felicidade por meio de nossos empregos, maior será a probabilidade de sentirmos alegria no trabalho”.

Este post foi escrito por:

Filipe Isensee

Filipe é jornalista, especialista em jornalismo cultural e mestrando do curso de Cinema e Audiovisual da UFF. Nasceu em Salvador, foi criado em Belo Horizonte e há oito anos mora no Rio de Janeiro, onde passou pelas redações dos jornais Extra e O Globo. Gosta de escrever: roteiros, dramaturgias, outras prosas e alguns poucos versos estão em seu radar.

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