Autor: Filipe Isensee
“A base da violência é estar sofrendo e não saber como dizer isso com clareza”
“Vivendo a comunicação não violenta” traz ferramentas que ajudam a ter mais empatia e compaixão em relação às necessidades das outras pessoas. O processo “ensina a expressar o que está vivo em nós e a enxergar o que está vivo nos outros”.
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“Vivendo a comunicação não violenta” traz ferramentas que ajudam a ter mais empatia e compaixão em relação às necessidades das outras pessoas. O processo “ensina a expressar o que está vivo em nós e a enxergar o que está vivo nos outros”.
O psicólogo Marshall Rosenberg foi criador e principal responsável pela difusão da Comunicação Não Violenta (CNV) no mundo. As técnicas lapidadas por ele foram utilizadas para mediar conflitos em diversos países e também testadas em ambientes mais íntimos e familiares, firmando-se como um instrumento de conexão potente, não importando a escala ou o lugar. Rosenberg morreu em 2015, aos 80 anos, após lutar contra um câncer. As ideias, porém, continuam sendo exploradas e ampliadas globalmente.
Parte de seu legado está registrado em “Vivendo a comunicação não violenta”, livro no qual, além de reforçar os princípios do conceito, apresenta ferramentas para o bom convívio entre os diferentes, com ênfase em alternativas pacíficas à violência cotidiana. Isso significa uma vida com menos julgamentos moralizantes e preconceitos. E o mais importante: com consciência sobre vulnerabilidades e consequência de nossas ações. Rosenberg considera a comunicação não violenta “um modo de ser, de pensar e de viver”.
O ponto-chave do processo, ele
escreve, é estabelecer uma qualidade de conexão humana entre as partes, sejam
elas pais e filhos, maridos e esposas, Palestina e Israel. É essa experiência construída por
décadas que ele compartilha com os leitores. Em muitas páginas, Rosenberg assume
papéis diversos em diálogos para explicitar os caminhos que levam à CNV,
pontuando frases mal elaboradas, acertos e equívocos de percepção, o que ajuda
a realçar o processo. Problemas conjugais, formas de lidar com racismo e
machismo são exemplificados por ele a partir desses preceitos. “A base da
violência é estar sofrendo e não saber como dizer isso com clareza. Com a CNV, queremos interromper esse ciclo”,
sustenta.
O objetivo da Comunicação Não Violenta
O tema já foi abordado em outros posts – recentemente, falamos sobre “Como se relacionar bem usando comunicação não violenta”, texto que pode ser lido aqui -, mas é importante destacar a percepção do próprio psicólogo sobre sua criação. Para ele, a CNV é uma linguagem na qual a compaixão vem naturalmente e “nos ensina a expressar o que está vivo em nós e a enxergar o que está vivo nos outros”. O elo desse processo é autoconhecimento, afinal “quando compreendemos o que está vivo em nós, podemos descobrir o que fazer para enriquecer essa vida”.
O autor se esquivou de teorias que consideravam os humanos egoístas e violentos por essência e, assim, abriu as portas para um horizonte positivo, mais conciliador. Ao pensar nas necessidades que norteiam o comportamento dos seres, Rosenberg iniciou a construção de um modelo de comunicação que visa o bem-estar, a compreensão e o entendimento. Como já exposto em outros textos sobre o tema, a CNV possui quatro processos que formam um vocabulário importante para acompanhar suas aplicações e desdobramentos.
– observação: aquilo que vejo, ouço, lembro e imagino e que contribui ou não para meu bem-estar;
– sentimentos: como me sinto em relação ao que observo;
– necessidades: o que esses sentimentos mostram como necessidade;
– pedidos: ações concretas que
você gostaria que fossem tomadas; um pedido feito com clareza. Para quem
recebe o pedido, é importante ter empatia e não interpretá-lo como uma
exigência.
Manter o foco na necessidade
Essa é uma postura determinante para resolver satisfatoriamente um conflito, defende o autor, reconhecendo que poucas pessoas são preparadas para expressar as próprias necessidades. As críticas e insultos nos parecem mais naturais e acabam por alargar a distância entre as partes envolvidas. Para Rosenberg, a despeito das diferenças, todos têm necessidades em comum, como autonomia, cuidados físicos, criatividade, diversão etc, e o denominador comum favorece uma compreensão mais exata do que o outro está sentindo.
Isso é fundamental, porque além de identificar e aprender a expressar nossas necessidades, a mediação de conflito envolve também enxergar o que os outros precisam. “Podemos ajudar descobrindo o que ambos os lados necessitam e transformando isso em palavras. Em seguida, ajudamos cada lado a ouvir as necessidades do outro. Isso cria uma qualidade de conexão que leva o conflito a uma resolução bem-sucedida”, esclarece. No momento em que ambos ouvem a necessidade um do outro, a resolução positiva do problema fica muito mais próxima.
Outro ponto importante derivado
dessa conversa é ter em vista que entender não é o mesmo que ceder. Ou, em
outras palavras, ouvir as necessidades do outro não significa que você deve
abrir mão das suas. Ouvir com cuidado aproxima e evidencia interesse, algo tão
valioso numa conversa entre pessoas com necessidades diferentes. O
comportamento respeitoso aumenta as chances de o problema ser solucionado. “Uma
das mensagens mais importantes que o outro pode nos transmitir é ‘Não’ ou ‘Não
quero’. Se conseguirmos aprender a ouvir o que o outro precisa por trás do não,
descobriremos uma brecha para satisfazer a todos”, avalia Rosenberg. A
diferença está sempre na qualidade da conexão estabelecida, ele frisa.
Conflitos nos relacionamentos
Em “Vivendo a comunicação não violenta”, o autor destaca algumas situações em que é possível praticar o CNV. As diferenças nos relacionamentos mais íntimos é uma delas. De acordo com Rosenberg, o processo pode ser sintetizado numa pergunta genuína: “O que podemos fazer para enriquecer a vida uns dos outros?”. A fim de iniciar uma conversa nos termos da Comunicação Não Violenta, ele apresenta quatro questões fundamentais, cada uma sendo resultado da resposta do outro: 1) Poderia me dizer algo que faço como seu parceiro ou amigo que torna a vida menos maravilhosa para você?; 2) Quando faço isso que você falou, como se sente?; 3) Que necessidades suas não estão sendo atendidas?; 4) Agora, diga-me o que posso fazer para que seus sonhos mais maravilhosos se realizem?.
Não há críticas nessas proposições e, sim, um desejo de resolver as coisas e que valoriza os sentimentos da outra pessoa. Não é sobre culpa, mas sobre conciliação. É claro que o encadeamento das perguntas depende das respostas do outro, por isso é preciso ter cuidados com as palavras, eliminando todas aquelas que carregam qualquer tipo de julgamento.
De qualquer forma, Rosenberg sugere usar o que ele chama de “orelhas de CNV”, ou seja, ter a inteligência emocional de contornar frases agressivas e também compreender as nuances das respostas do outro – afinal, nem todas as pessoas conseguem expressar com clareza seus sentimentos -, sempre tendo em vista as necessidades por trás das mensagens. Isso também é praticar a empatia. A CNV é uma reeducação, enfim. Rosenberg conta que os treinos ajudaram a mantê-lo atento em relação às necessidades alheias. “Anoto toda vez que me pego julgando a mim mesmo ou aos outros”, explica no livro. Isso o leva a refletir e a repensar suas atitudes. “Então me pergunto: ‘Como eu poderia ter usado a CNV nessa situação? O que a outra pessoa poderia estar sentindo e necessitando?’”. Esse exame constante nos impede de aderir ao mundo condenatório do qual fazemos partes. Por isso, ele aconselha aos interessados na prática: “treine, treine, treine para aprender a ser menos idiota”. O mundo precisa disso, não é?