Autor: Filipe Isensee
“A vida secreta dos animais”:
bichos têm alma, sentimentos
e prazer sexual
Livro traz curiosidades sobre os seres que nos cercam e revela aproximações com o comportamento humano. Peter Wohlleben é autor do sucesso “A vida secreta das árvores”.
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Livro traz curiosidades sobre os seres que nos cercam e revela aproximações com o comportamento humano. Peter Wohlleben é autor do sucesso “A vida secreta das árvores”.
“A vida secreta dos animais” vai ao encontro de todos que sentem afeto e curiosidade por esses seres, especialmente os que já se perguntaram o que se passa na cabeça dos bichos, domésticos ou selvagens. Eles têm consciência? E sentimentos? Como lidam com a morte? A ciência se debruça sobre essas interrogações, embora muitas ainda estejam cercadas de mistério e, às vezes, controvérsia. São indagações também de Peter Wohlleben, engenheiro florestal e autor do livro, o mesmo de “A vida secreta das árvores”, no qual destrincha uma intrincada rede de relações entre as espécies. A instigante proposta de desbravar um mundo oculto se mantém no novo título. Aqui, o escritor alemão mostra pontos de encontro que aproximam animais de humanos. A despeito das incontáveis diferenças, há um consistente caminho de semelhanças, talvez uma essência compartilhada. Um elo entre nós e eles.
“Tendo em vista que pássaros e mamíferos são muito mais semelhantes a nós em termos de estrutura física, eu não me surpreenderia se fosse descoberto que eles possuem uma gama de sentimentos e sensações igual à nossa”, defende.
A capa desta publicação é estampada por um porco, que Wohlleben salienta, contrariando o senso comum, ser um animal extremamente inteligente e limpo, que prefere fazer suas necessidades num só lugar e nunca onde dormem. Em outro trecho, aborda como o desejo é latente em muitos bichos e afirma não ter dúvida de que eles têm sensações intensas durante a relação sexual. Diversas espécies já foram observadas se masturbando, reforça ele: “Corças e cavalos, felinos selvagens e ursos-pardos, todos já foram todos vistos utilizando a pata ou meios naturais (como troncos de árvores) para se satisfazer”.
Para ele, é preciso renovar o olhar sobre os animais.
Os sentimentos
“Sempre me dizem que comparar os sentimentos dos animais aos dos seres humanos não leva a nada, afinal os animais agem e sentem de forma instintiva, enquanto nós agimos com consciência”, afirma o escritor, que desconstrói a teoria nos parágrafos seguintes. Ele lembra que humanos também agem de forma instintiva e ressalta, a partir de pesquisas científicas ainda em estágios iniciais, o poder exercido pela parte inconsciente do cérebro em nós. “Se os animais não tivessem consciência, apenas não seriam capazes de pensar. Mas acontece que, como todas as espécies têm atividade cerebral subconsciente, que influencia a forma como interagem com o mundo, pode-se concluir que todo animal deve ter sentimentos”.
Nesse sentido, é possível traçar paralelos entre humanos e animais? Wohlleben acredita que sim. Ele recorda uma cena que presenciou no quintal de casa – uma mãe esquilo carregando, com tremendo esforço, um de seus filhotes – para pensar os desdobramentos do amor materno entre animais. Em outro momento, ele apresenta casos de seres que adotaram filhotes de outras espécies. Caso da gralha Moses, que passou a proteger um “gato órfão de forma ostensiva e a alimentá-lo com minhocas e besouros” por cinco anos. A história ficou famosa no estado norte-americano do Massachusetts. “Mesmo que os animais não possam desenvolver de forma consciente o amor materno (caso fosse possível, a adoção interespécies ficaria sem explicação), eles ainda têm a forma inconsciente, igualmente intensa e bela”, conclui.
Peixes sentem dor ao serem pescados
É importante frisar que não se trata de mero exercício especulativo. A costura de informações e dados já comprovados, além das observações de Wohlleben, derivadas de seu contato natural com os animais e experiência profissional, sustentam o livro. Segundo a ciência, como o autor explica, são necessárias certas estruturas cerebrais para processar sentimentos, um sistema presente em muitos mamíferos. Contudo, pesquisas apontam que pássaros e até peixes também estão nessa lista, apesar do estágio inferior de evolução. Ele pergunta: será que os peixes sentem dor quando são içados pelos anzóis? A resposta, com base em estudos científicos, é que sim. Outra pesquisa mostrou que peixes também sentem medo e, mais, que produzem oxitocina, conhecido como o hormônio da felicidade, capaz também de fortalecer “os laços afetivos com um parceiro”. Os créditos e outros detalhes desses trabalhos você encontra no livro. Aqui, é importante salientar como essas descobertas embasam o questionamento de Wohlleben:
“Então os peixes podem amar e ser felizes? Não conseguiremos provar que sim, mas por que não oferecer ao peixe o benefício da dúvida? A ciência já afirmou tantas vezes que os animais não têm sentimentos que essa visão acabou se tornando a mais difundida, mas não seria melhor acreditar que eles têm sentimentos e passar a evitar que sofram sem necessidade?”. A discussão sobre consciência e sentimentos, o autor destaca, passa por uma definição mais precisa dos seus significados, algo que ainda não feito. Ainda assim, outra pergunta dele sobressai: “Será que só existe o modo humano de vivenciar sentimentos de forma intensa e, talvez, consciente?”.
A dificuldade de definição é evidente também ao falar sobre a alma dos animais, desvencilhando-se de uma acepção religiosa do termo. Segundo Wohlleben, “se não há um ponto exato no tempo a partir do qual os seres da espécie
Homo sapiens passaram a existir, também não somos capazes de definir o momento em que a alma surgiu”. Por isso, o escritor atribui alma a todos os animais. “Acho linda a ideia de que as outras espécies não são simples máquinas em que tudo acontece de acordo com mecanismos predefinidos e as ações acontecem quando os hormônios correspondentes são liberados no organismo. Esquilos, cervos e javalis têm alma. Para mim, essa é a ideia que torna a vida especial e aquece meu coração quando tenho a oportunidade de observar os animais em liberdade”.
Volta o cão arrependido
O livro traz curiosidades sobre inúmeros bichos, mas destaco aqui o mais familiar (e leal) deles, ao menos aos olhos humanos: o cachorro. Wohlleben resgata o que seria uma das principais características do melhor amigo do homem, a gratidão. Ele afirma que, para ter esse sentimento, é necessário reconhecer que alguém fez algo de bom para você. Daí vem a pergunta: afinal, o cachorro pode refletir sobre o que causou sua felicidade?
O autor explica que a felicidade do animal ao se alimentar e a capacidade de reconhecer quem fez isso, por exemplo, são indícios que reforçam a ideia de gratidão, mas ainda não é possível mensurar uma atitude mais profunda do cachorro sobre isso. Em outro tópico, o tema é o suposto arrependimento após fazer algo errado. A famosa cara de cão arrependido. Após testes, pesquisadores concluíram que os cachorros reagem à bronca e não ao peso na consciência. Apesar disso, o escritor aponta: “Se a bronca acontece logo em seguida a qualquer ato, eles são capazes de associar ação e reação, e a carinha que fazem pode realmente expressar o arrependimento que atribuímos a eles”.