Autor: Editora Sextante
Francisco Müssnich ensina o que um jovem advogado precisa saber sobre a profissão
Os cursos de Direito estão entre os mais disputados das universidades e essa procura – tão firme, entra ano, sai ano – confirma a carreira jurídica e a advocacia como o sonho de muitos. A idealização da profissão, contudo, quase nunca espelha sua realidade e os incontáveis pormenores que a rondam. O desbravamento das leis […]
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Os cursos de Direito estão entre os mais disputados das universidades e essa procura – tão firme, entra ano, sai ano – confirma a carreira jurídica e a advocacia como o sonho de muitos. A idealização da profissão, contudo, quase nunca espelha sua realidade e os incontáveis pormenores que a rondam. O desbravamento das leis jamais foi um exercício simples, como o dia a dia não nos cansa de mostrar. Existe a Constituição – já escrita – e existe a vida, eternamente em curso, repleta de contradições, nuances e verdades, algumas mais frágeis que outras. Essas são também algumas das matérias-primas dos advogados. “Cartas a um jovem advogado” – em segunda edição, revista e ampliada – se debruça sobre elas.
O livro possui um endereçamento já grafado no título e pressupõe um autor experiente. De fato, como é Francisco Müssnich. Ele é um dos sócios fundadores do Barbosa Müssnich Aragão – BMA, escritório presente em operações de fusões e aquisições realizadas nas últimas duas décadas e também responsável por negociar com a FIFA os contratos que permitiram a realização da Copa do Mundo no Brasil. Uma matéria da revista Época Negócios (leia aqui) descreve Müssnich como a grande estrela do escritório, recorda histórias sobre sua atuação e aponta a semelhança dele com o ator John Malkovich, uma associação que passa a ser inevitável.
Chico Müssnich, como é conhecido, estudou na PUC-Rio e teve passagens pela Escola de Direito da Universidade Harvard e da Fundação Getúlio Vargas. No começo do livro, ele comenta sobre a desconfiança que paira sobre os advogados, encarados como sujeitos inescrupulosos, uma imagem reforçada em filmes e séries. “Uma das razões disso pode estar no fato de que a advocacia sempre lida com o poder, em suas naturezas mais variadas. O próprio saber jurídico é um poder em si. Como em toda profissão, no Direito há bons e maus profissionais. Talvez no Brasil, por suas características culturais, os maus advogados tenham recebido maior exposição. São os que fazem uso indevido do conhecimento adquirido. Isso contribui para manchar nossa reputação”, analisa Müssnich.
Ele aproveita a constatação para desejar que o livro, cujo propósito de inspiração é evidente, ajude a resgatar a aura da advocacia. Um dos mais nobres ofícios que um ser humano pode exercer, ele diz, apaixonado pelo que faz. De fato, o público potencial é enorme. Segundo dados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), divulgados em 2018, há cerca de 1,1 milhão de advogados no país e 1.210 cursos de Direito, com aproximadamente 900 mil estudantes.
Embora as páginas tragam um pouco de sua história de 41 anos de advocacia e 36 de magistério, Müssnich entende o livro como uma ato de doação, uma maneira de falar diretamente com quem dá os primeiros passos e talvez não saiba exatamente as possibilidades e desafios da profissão. O jovem advogado vai encontrar conselhos, ensinamentos, histórias e recomendações para que construa sua carreira.
A arte de advogar e a ética
“Todo advogado deveria estudar com atenção dramas e comédias, conhecer Molière, Shakespeare e outros grandes dramaturgos. E também aprender um pouco da técnica de interpretação. Afinal, ele terá de incorporar diversos papéis para os clientes que representa, em momentos diferentes”, explica Müssnich. Ora ser o camarada bom, disposto a negociar, ora ser capaz de pressionar e exigir. A vida de um advogado requer essa elasticidade, embora sempre ancorada na ética. Qual papel assumir e a intensidade desse “personagem” depende da estratégia de cada profissional. E ter estratégia, ele endossa, é fundamental.
O autor também faz uma comparação com o pôquer ao frisar a importância de o advogado interpretar os sinais, usar as informações a seu favor e confundir os adversários. Outras ferramentas, Müssnich prossegue, podem ser encontradas na Engenharia, como a ênfase à lógica e ao raciocínio analítico. A junção das duas áreas, uma espécie de Engenharia do Direito, com aperfeiçoamento do conhecimento da matemática, contemplaria uma formação extremamente relevante, segundo ele, já que muitos profissionais patinam diante de conceitos do tipo.
“A habilidade de interpretar papéis e adivinhar estratégias é tão importante quanto uma boa formação universitária. Entre contratar o advogado que tem a maior quantidade de títulos, o mais preparado, que estudou em universidades de renome no Brasil e no exterior, e contratar um profissional com títulos sem grife, mas que entende os problemas do cliente e ganha as causas, eu não hesitaria em contratar o advogado vencedor”, assegura.
Uma palavra já mencionada precisa voltar aqui, dessa vez com mais relevo: ética.
Numa de suas mensagens destinadas ao jovem advogado, o autor lembra que é mais fácil se empenhar na defesa e apoiar o cliente quando se está convicto do mérito da causa, mas isso não significa certeza de inocência: “Estar convicto significa acreditar no direito de seu cliente e buscar a melhor estratégia para lidar com a acusação”, pondera. De acordo com Müssnich, é comum ser abordado por estudantes que questionam se é ético representar juridicamente um criminoso. A resposta, como não poderia deixar de ser, recorda que “a Constituição determina que toda pessoa tem direito ao aconselhamento de um advogado”. Ele completa: “ É um direito tão essencial quanto o direito à assistência médica ou à educação. Garantir que todo e qualquer acusado de um crime tenha oportunidade de defesa é a base do sistema judicial”.
Ainda sobre o tema, primordial para o exercício da profissão, destaco três conclusões importantes deixadas pelo experiente advogado aos mais jovens:
– “O Poder Judiciário existe para proteger a cidadão do Estado, e não para ser instrumento de opressão do indivíduo pelo Estado”.
– “O princípio da verdade é inegociável. Não admite concessões. Interpretar a lei a seu favor não é mentir. Assim como também não é mentir construir argumento sobre lacuna que permita ao cliente caracterização menos onerosa de conduta. Isso é legal e legítimo”.
– “Há uma diferença abissal entre aconselhar juridicamente e ajudar a produzir provas falsas. Qualquer ação que extrapole o limite do empenho na causa ultrapassa a ética e torna o advogado cúmplice. Se perceber que é isso o que o cliente tem em mente, recuse o convite para se tornar seu advogado”.