A meditação faz bem. A ciência comprova o que os budistas nos relatam há tempos, a sintonia entre a prática e a qualidade de vida. No livro “Por que o budismo funciona”, Robert Wright disseca essa conexão a partir de estudos da neurociência e da psicologia evolucionista, levando em conta ideias fundamentais presentes em várias […]
A meditação faz bem. A ciência comprova o que os budistas nos relatam há tempos, a sintonia entre a prática e a qualidade de vida. No livro “Por que o budismo funciona”, Robert Wright disseca essa conexão a partir de estudos da neurociência e da psicologia evolucionista, levando em conta ideias fundamentais presentes em várias ramificações dessa filosofia.
Para começo de conversa, ele propõe descortinar a nossa relação com a realidade e ressalta que nosso cérebro foi projetado para, entre outras coisas, nos iludir. Tanto as alegrias que nos movem quanto as tristezas que nos afundam caminham sobre essa estrada arquitetada pelo pequeno órgão-rei instalado na nossa cabeça. O termo ilusão, aqui, tem mais a ver com o fato de as coisas não serem bem o que parecem. Por sua vez, o acúmulo de ilusões provocaria uma distorção da realidade. Podemos perceber isso em expectativas que nos cercam todos os dias, como quando nos apegamos à ansiada promoção no trabalho – mas também ao emagrecimento ou à compra de algo caro, por exemplo – como a chance de obter a felicidade eterna. Não é bem assim.
Prazer efêmero
A base dessa argumentação, como sustenta Wright, é entender que fomos projetados pela seleção natural para fazer com que nosso genes fossem passados para as gerações seguintes. Parece filme de ficção científica, né? Mas essa Matrix tem uma dinâmica própria: “Considerando que comer, ter relações sexuais, impressionar colegas e superar os rivais ajudaram nossos ancestrais a espalhar os próprios genes, como exatamente você projetaria o cérebro deles para levá-los a perseguir esse objetivo?”, pergunta o autor.
A resposta está justamente nessa insatisfação que nos ronda, considerada uma angústia por muitos. O prazer que encontramos é efêmero e ele é assim porque só assim, eternamente insatisfeitos, seremos capazes de buscar mais. Ele resume essa ideia: “A seleção natural não ‘quer’ que sejamos felizes, ‘quer’ apenas que sejamos produtivos. E a maneira de nos tornar produtivos é tornando essa expectativa de prazer muito forte, mas fazendo com que o prazer em si seja de curta duração”.
Opa, deu um nó aí?
Para além da polarização entre mentira e verdade, sucesso e fracasso, o saber dessa ilusão é importante para trabalhá-la a nosso favor. Afinal, ele insiste: a felicidade está na consciência. Mas começar a ser consciente dessa consciência (e, consequentemente, das ilusões construídas) é um processo que carrega sua parcela de dor. Wright passou por isso e, para compreender melhor esse lugar ocupado pela consciência, recorreu à meditação mindfulness, ou atenção plena. Já falamos dela aqui no blog algumas vezes, mas não custa lembrar: “Viver com consciência ou atenção plena é prestar atenção, estar consciente do que está acontecendo no aqui e agora, vivenciando esse estado de uma forma clara e direta, desanuviada das confusões que ofuscam a mente”, define ele no livro.
Atenção plena
São muitas as vantagens da meditação – o aumento da capacidade de concentração e a diminuição da raiva, entre elas -, mas o caminho para usufruí-las nem sempre é fácil. O mundo contemporâneo parece nos jogar para uma convulsão de sentimentos. No livro, Wright descreve os percalços enfrentados na busca pela consciência, os contratempos recorrentes para que pudesse começar a domar o seu tempo interior. No início, tão logo após contar três ou quatro respirações, a mente divagava, dispersa. O controle vem aos poucos, num exercício que não se esgota. Ele conta que diariamente dedica algo entre 30 a 50 minutos à prática. É um treino.
Um dos ganhos ao se estudar e praticar o budismo é a compreensão de que sentimentos e sensações vêm à tona, mas depois passam. Parece simples entender isso, mas pense quantas vezes você foi levado a agir apenas por impulso? O autor propõe que tenhamos a disposição de investigá-los para saber quais são corretos e verdadeiros, quais realmente fazem diferença na nossa vida. O movimento sugerido aqui e em outros capítulos do livro é sempre a busca da consciência daquilo que nos forma, nos aflige, nos movimenta, nos orienta. A consciência traz o distanciamento, a capacidade de observar aquela sensação (boa ou ruim) de fora.
As páginas de “Por que o budismo funciona”, como era de se esperar, dedicam atenção especial aos benefícios da prática. Wright sintetiza isso ao ressaltar que a virtude é torná-lo mais atento à beleza do mundo. A partir da sua experiência durante um retiro para meditação, ele conta que “o canto dos pássaros pode parecer surrealmente belo. Texturas de todos os tipos – de uma parede de tijolos, do asfalto, da madeira – podem se tornar encantadoras”.
No dia a dia, esse estado de encantamento pode ser mais irregular, embora, ainda assim, seja capaz de mantê-lo com os olhos vivos e o coração aberto para experimentar o tempo presente com menos angústia e pesar. Ao falar sobre meditação, ele sublinha que “o que começa como uma busca modesta – uma forma de aliviar o estresse e a ansiedade, de apaziguar a raiva ou reduzir o sentimento de inferioridade – pode levar a percepções profundas de liberdade e felicidade”. É mesmo como uma porta aberta, metáfora usada no livro, que possibilita a entrada num lugar novo. Um lugar novo que começa em você. Ao encontrá-lo, o mundo passa a ser um lugar novo também.
“Há muito a desgostar no mundo em que nascemos. É um mundo em que, como observou Buda, nossa maneira natural de ver e de ser nos leva a sofrer e a infligir sofrimento aos demais. Mesmo assim, este também é o mundo em que a verdade metafísica, a verdade moral e a felicidade podem se alinhar, um mundo que fica cada vez mais bonito à medida que você passa a se conscientizar desse alinhamento”, conclui Wright.