Confira dez ensinamentos de “Como se relacionar bem usando comunicação não violenta”, de Thomas D’Ansembourg. O livro destaca como é fundamental termos consciência das nossas necessidades para aprendermos a conviver com o outro com menos julgamento
Uma rápida passagem por redes sociais ou por comentários de leitores em sites de notícias confirmam um nível alarmante de agressividade e desrespeito. Apenas essa percepção validaria uma conversa sobre comunicação não violenta (CNV). A despeito das multitelas, que potencializaram o alcance da hostilidade, é preciso reconhecer essas marcas não apenas nos outros, não apenas numa virtualidade inalcançável, distante, mas em nós mesmos, em nosso cotidiano, em nossas relações mais próximas, independentemente de celulares ou computadores. Ao contrário do que se supõe, a violência também pode ser sutil, gentilmente nos empurrando para o campo do confronto, da tortura silenciosa. Um convite inapelável à resposta na mesma moeda. Mas é possível contornar a situação.
Diante das palavras e gestos de brutalidade, a comunicação não violenta prega a honestidade com polidez por meio de uma mudança de vocabulário e de olhar sobre o outro. Nada tem a ver com passividade, mas com inteligência emocional, consciência e controle sobre o que se diz e o que se faz. Para entender melhor o assunto, vamos listar alguns ensinamentos contidos no livro “Como se relacionar bem usando comunicação não violenta”, escrito por Thomas D’Ansembourg. O tema voltará ao blog em breve, quando comentarmos o lançamento de “Vivendo a comunicação não violenta”, de Marshall Rosenberg, psicólogo americano que cunhou o termo.
D’Ansembourg sintetiza o objetivo da CNV:
“Depende apenas de nós trocar palavras que ferem, dividem, opõem, separam, julgam, rotulam ou condenam por termos que unem, propõem, reconciliam e estimulam. Assim, precisamos trabalhar nossa consciência e nossa linguagem, para livrá-las do que interfere na comunicação e nos leva a agir de maneira agressiva e violenta no dia a dia”.
É esse o pacto não violento, composto de quatro fases – observação, sentimento, necessidade e pedido -, que se entrelaçam. Para o escritor, a lógica se dá da seguinte maneira: reagimos a algo que observamos, ouvimos ou dizemos. Isso nos suscita um ou mais sentimentos, que, por sua vez, nos ensinam sobre as nossas necessidades. Com a consciência das nossas necessidades, é possível verbalizar um pedido ou realizar uma ação concreta.
Agora, dez dos muitos ensinamentos reforçados no livro. O objetivo é colocar a cabeça no lugar:
1 – O processo da comunicação não violenta nos estimula a parar e refletir sempre que reagimos fortemente a alguma coisa ou situação.
2- D’Ansembourg frisa a importância de identificarmos o que desperta nossa reação. Compreender sentimentos e necessidades é a melhor maneira de termos controle sobre nossa resposta. Assim, um mergulho na comunicação não violenta permite que você aprofunde seu conhecimento sobre si mesmo, num processo inerente de autoconsciência.
3 – O autor define violência como “a expressão de uma frustração impossível de ser manifestada em palavras”. Ele explica que, ao crescer, nos privamos dos nossos sentimentos para tentar escutar os das pessoas próximas (família, amigos, professores). Assim, somos deixados de lado por nós mesmos. “Para nos integrarmos, acreditamos que é necessário nos privar daquilo que necessitamos”, endossa. Mas essa exclusão cobra um preço, como hesitação diante de decisões, depressão e dificuldade de se comprometer.
4 – O caminho natural para alguém que cresceu aprendendo apenas a satisfazer as necessidades dos outros é um dia constatar que suas necessidades não estão sendo atendidas. É o momento de culpar do outro, uma lança equipada com crítica, julgamento, recriminação e insulto. Você já deve ter ouvido alguém dizer “Sou infeliz porque meus pais…”. O problema está sempre no outro. Quando acreditamos que não estamos em condições de fazer valer nossas necessidade, o modo autoritário entra em campo. O diálogo é destruído e aquela velha máxima sobressai: “Comigo é assim e pronto”. A guerra está declarada. Com você é assim?
5 – Por isso, você deve compreender suas necessidades básicas (segurança, estabilidade financeira, se sentir amado(a) etc), pois “uma das primeiras causas do sofrimento é desconhecer o que o motiva”. Identificar o que nos perturba nos liberta do mal-estar. E é o primeiro passo para você organizar seus sentimentos e verbalizá-los na forma de um pedido honesto e sincero. O importante é jogar fora a máscara da vítima incompreendida. D’Ansembourg propõe algumas questões a fim de elucidar nosso comportamento diante das necessidades fundamentais, entre as quais esta: “Posso viver a minha identidade sem que precise me revoltar ou me queixar o tempo todo?”. Perguntas do tipo são maneira de assumirmos nossas responsabilidades.
6 – Como já dito, conhecer a necessidade é uma etapa fundamental para formular um pedido. Fica mais fácil entender isso nos termos propostos pelo autor ao pensarmos numa discussão de casal, por exemplo. Como exprimir sua necessidade de descansar e não sair para jantar como o parceiro(a) deseja? Como chegar a um consenso sobre obrigações dos filhos ou das tarefas domésticas, equilibrando as necessidades de todos os lados envolvidos? Uma conversa tranquila sobre as necessidades de cada um certamente vai evidenciar que há muitas soluções possíveis de entendimento. Eventualmente, pode ser construída uma terceira via, até então não imaginada por nenhuma das partes. De fato, a melhor maneira de se desenrolar de um desentendimento é “aprender a falar a um só tempo com sensibilidade, firmeza e verdade”. Mas falar apenas não basta.
7 – Em “Como se relacionar bem usando comunicação não violenta”, D’Ansembourg chama a atenção para a linguagem não verbal, que representa 90% da nossa comunicação. Como o corpo se manifesta (o olhar, a postura, a expressão facial) é de extrema importância para a CNV. “Perceba a força de um único olhar de reprovação ou de aprovação de alguém próximo”, destaca.
8 – Com base no filósofo indiano Krishnamurti, o escritor lembra que saber distinguir a observação de um fato de sua interpretação é um dos estágios mais elevados da inteligência humana. É muito comum distorcemos por completo nossa leitura dos fatos, de modo que ela se sustente apenas a partir de nossas projeções, o que não é nada bom. O desafio é observar sem julgar. É tentador ver aquele amigo emburrado há dias e achar que o problema é com você. Como consequência, você passa a tratar o tal amigo com a mesma irritação que você acredita receber. “Como você se sente afetado pela atitude dele, decide que ele está chateado com você, sem sequer se dar ao trabalho de verificar o que está acontecendo e forjando um drama que não corresponde à realidade”, pontua ele. Esse comportamento é a porta de entrada para um espiral de violência.
9 – Quando você adota uma observação neutra (sem interpretar e sem julgar), o diálogo é favorecido. Aqui, a porta que se abre é a da conversa, a da expressão clara dos sentimentos e necessidades; acima de tudo, é a porta da escuta e da compreensão. Isso não significa reprimir os sentimentos, mas respeitar a realidade e o ponto de vista do outro, ensina o autor.
10 – Algumas palavras suscitam sentimentos como resistência, revolta e rejeição. Devemos ter cuidado com elas. No livro, D’Ansembourg destaca uma frase que muitos já devem ter ouvido dos pais: “você sempre larga tudo espalhado”. Epa: sinal de alerta. Ele explica que a palavra “larga” julga a atitude, portanto não é uma observação quanto ao comportamento. O mesmo vale para “sempre” e “tudo”. Não seria muito melhor começar o diálogo com “Estou triste e desmotivada porque preciso de ajuda na arrumação da casa (há aqui a verbalização de um sentimento e de uma necessidade). Queria saber se você concorda em arrumar o seu quarto (então, um pedido).” A frase abre para o diálogo e se desvencilha de críticas pré-concebidas. “Pouparíamos bastante energia e evitaríamos aborrecimentos se falássemos apenas do que conhecemos a partir de constatações, e não do que tememos e não constatamos”, pondera.