Especialmente endereçado às mulheres de todas as idades, “Corajosa sim, perfeita não” faz uma defesa apaixonada por uma vida com mais erros e menos medos. “Coragem é assumir quem você é”, reforça a autora Reshma Saujani.
Os mandamentos que orientam “Corajosa sim, perfeita não” estão logo grafados na capa do livro da advogada e ativista Reshma Saujani: cometa mais erros, viva sem medo e com ousadia. O recado é endereçado às meninas e mulheres que se esforçam para tentar se encaixar num modelo social imposto. O que a escritora faz é, gentil e enfaticamente, mudar o curso das cobranças. A opressão, devidamente desmontada, é substituída por aceitação, ampla e irrestrita. Fundadora da ONG Girls Who Code (ou Garotas que Programam), dedicada a aumentar o número de mulheres que trabalham na área da tecnologia, Saujani é especialista nesse desembaraçamento. Na bagagem, diversas menções em publicações importantes, como Forbes e Fortune, que apontam sua capacidade de liderança e inovação.
Essa trajetória é parcialmente recuperada no livro. Não à toa, logo no início, ela destaca o momento em que decidiu abraçar uma nova carreira e concorrer a uma vaga no Congresso dos Estados Unidos. Aos 33 anos, ela perdeu de maneira acachapante, mas o fracasso da iniciativa empalideceu diante da percepção do que ela havia feito: “Pela primeira vez em toda a minha vida adulta fiz algo corajoso de verdade”. Essa semente de coragem está plantada em cada página da publicação. Correr risco e sair da zona de conforto são outros valores implícitos. Isso não quer dizer que seja fácil se libertar de certas amarras, mas que é necessário tentar. “Desde bem pequenas, somos ensinadas a nos contentar com o que nos dá segurança. Por isso ninguém se dá conta de quanto isso nos impede de correr riscos e ir atrás dos próprios sonhos no futuro”, analisa.
Vida de menina: culto à perfeição
As meninas estão destinadas a serem perfeitas e, consequentemente, amedrontadas, tentando espantar o fantasma do fracasso que está sempre por perto. Escolhem o caminho certo, socialmente gerido como o esperado, sem levar em conta seus reais desejos. No campo oposto, os homens são criados no ímpeto do desafio que lhes estimulam o salto no escuro sempre que possível. E a eles, exploradores natos, sempre parece ser possível. “Consciente ou inconscientemente, nos privamos de tentar qualquer coisa em que não temos certeza de que iremos brilhar, por medo do sofrimento e da vergonha”, traduz ela parte da angústia feminina, desdobrada também num desgaste do bem-estar, na perda de autoestima e no silêncio forçado.
O exercício da coragem é o princípio da mudança, lembra Saujani. O livro persegue essa verdade e mostra como é benéfico encontrar a coragem que habita qualquer vida. Em algumas, o resgate precisa ser mais cuidadoso, pois ela está sob os escombros de experiências frustradas. Em outras, falta apenas um estímulo mais certeiro. Mas a coragem existe. Antes de qualquer coisa, ela é um instrumento valioso para que se possa chegar mais perto dos sonhos reais e autênticos, não aqueles sonhados por outras pessoas.
No primeiro capítulo, a escritora faz um panorama sobre o que ela chama de culto à perfeição e reforça os males causados por isso. Histórias vividas por ela e por outras mulheres, próximas a Saujani ou não, ajudam a dimensionar como as limitações impostas desde a primeira infância são reforçadas por mães e pais, escolas, amigos etc. É um ciclo vicioso, conectado a uma necessidade de sempre agradar, que precisa ser rompido.
Ouvida pela escritora, a renomada psicóloga clínica Catherine Steiner-Adair explica que por volta dos 8 anos a criança passa a compreender a importância de ser ágil e habilidosa. “É a idade em que a menina começa a desenvolver interesses variados e quer interagir com aqueles que têm gostos parecidos. Junto da consciência das diferenças vem a consciência interior de quem é melhor em quê”, afirma a profissional de saúde. É o momento em que o jogo de comparações e expectativas fica mais evidente, uma dinâmica que sabota a coragem à medida que alimenta uma sensação de desencaixe.
A elas cabe buscar um lugar seguro, sem risco, com medo dos julgamentos. O mundo, perigoso e limitado demais para elas, não parece permitir o erro e a vergonha. Assim as garotas seguem, caladas e mansinhas. Até mesmo exemplos considerados positivos, como a geração de mulheres destemidas e empoderadas, acabam servindo como combustível de uma forte pressão para ter um desempenho sensacional em tudo. “Por mais que digamos ‘Você pode fazer e ser o que quiser’, o que elas ouvem é ‘Você tem que fazer e ser tudo’. Aquilo que vemos como inspiração, elas absorvem como expectativa”, ressalta. Daí a importância de uma conscientização mais profunda. Coragem é também um processo de educação.
O nascimento da coragem
Voltamos à coragem, porque o livro não é um diagnóstico pessimista, mas uma seta para furar o muro da perfeição. Ao quebrá-lo, é possível constatar que fazer escolhas, errar e acertar, improvisar e desviar de rotas previamente construídas são princípios de uma vida que não se contenta. “A perfeição pode ser prazerosa em alguns momentos fugazes, mas é a coragem que nos impulsiona para atravessarmos os momentos difíceis e as perdas dolorosas que podem parecer insuperáveis. Sendo corajosas, e não perfeitas, conseguimos criar e viver uma vida que não apenas parece boa, mas é autêntica, alegre, confusa e completamente nossa”, instiga Saujani, que problematiza e desmente mitos relacionados à perfeição feminina (“Perfeição é o mesmo que excelência” e “preciso ser perfeita para me destacar” são algumas dessas ideias jogadas para escanteio).
E o que é ter coragem? Saujani sintetiza o potencial da coragem num dos trechos marcantes de seu livro. Deixo as palavras dela para encerrar o post. Palavras que também valem como um convite para que você reencontre e redescubra essa percepção no livro e na vida.
“Coragem é toda mulher que escolhe um parceiro ou uma carreira que a família não aprova; que decide ter um bebê sozinha; que respeita a voz interior que lhe diz que a maternidade não é um caminho para si mesma. Coragem é toda mulher que volta a estudar ou a trabalhar depois do nascimento dos filhos; é toda mulher que decide não voltar. Coragem é toda mulher que tem a coragem de destruir a ilusão de ser invulnerável e pede ajuda. Coragem é toda mulher que ergue a voz contra o abuso, mesmo quando isso põe em risco sua carreira ou reputação. Coragem é toda mulher que não se martiriza porque cometeu um erro, ou que não se sente culpada se de vez em quando dá pizza aos filhos em vez de uma refeição caseira; coragem é você dizer ‘Desculpe’ quando sabe que está errada, sem ficar na defensiva ou tentar culpar os outros. Coragem é assumir quem você é, em alto e bom som, sem se desculpar”.