Novo livro da coleção The School of Life afirma que a busca precipitada por um tipo específico de emprego deve ser abandonada. Para um futuro profissional pleno, o mais importante é descobrir pontos de satisfação e talentos
Amar o próprio trabalho é uma noção recente do ponto de vista histórico. O passado, ao contrário, confirma que os pares da labuta eram quase sempre o sofrimento, o cansaço e o desgaste. Por séculos, em determinadas culturas, ganhar dinheiro por um serviço era encarado como humilhação. Claro, houve sempre brechas e exceções à regra, mas as jornadas extenuantes e insalubres da chamada Revolução Industrial – talvez o exemplo mais comum ao pensarmos no tema – são apenas um dos pontos que confirmam uma dinâmica, infelizmente, ainda presente em muitos rincões ignorados. Ainda assim, hoje mais que ontem, deseja-se prazer no ofício. Esse princípio, embora aparentemente simples, é deveras complexo, pois pressupõe uma orquestração de outros elementos, como respeito, perspectiva de crescimento, estabilidade e lealdade. E eles nem sempre andam lado a lado. Em outra medida, envolve também autoconhecimento para identificar o que nos torna felizes. Como se sabe, esse nível de consciência é algo raro.
“Um trabalho para amar” se aprofunda nessa mudança de paradigma, mantendo-se fiel à coleção The School of Life, cuja proposta é guiar os leitores rumo a uma vida plena, reforçando laços emocionais e profissionais. Assim, o livro abre caminhos para os leitores descobrirem aptidões e gostos – há muitas dicas e exercícios com essa finalidade – e, enfim, estarem mais próximos dessa realização.
Uma ideia revolucionária
Para muitos, trabalhar não é apenas um meio para pagar as contas, mas um propósito sem o qual a vida não se completa. É, ao menos no plano das idealizações, uma extensão de algo que se move no interior de cada um de nós, numa conciliação entre os lados espiritual e material. Entendendo a posição central que o tema ocupa na sociedade, aparentemente sustentada pela máxima “o trabalho enobrece o homem”, o livro traça um panorama que mostra como a relação entre indivíduo e profissão mudou ao longo do tempo.
Um dos pontos de virada ocorreu no fim da Idade Média, quando o artista veneziano Ticiano (1485-1576) defendeu a remuneração pelo serviço. O pintor “foi um dos pioneiros de uma ideia inovadora e profunda: o trabalho podia e devia ser, ao mesmo tempo, algo que amamos fazer e uma fonte de renda razoável. Essa foi uma noção revolucionária que aos poucos se espalhou pelo mundo”. A esteira das mudanças incluiu outra, a de que podemos nos casar por amor, estabelecendo as bases do mundo moderno.
Mito da vocação
O livro aponta a dificuldade que muitos têm de definir uma meta profissional e atribui esse comportamento – uma mistura de falta de tato com hesitação – ao “mito da vocação”. O termo se refere a uma sensação, cuidadosamente construída ao longo dos anos, que uma espécie de ordem divina nos mostraria o propósito de nossas vidas. Forjado historicamente, o mito está associado à vida de inúmeras personalidades, que parecem cumprir um chamado do destino. Há quem ainda compreenda vocação como a realização de grandes feitos.
Por fim, ela se tornou algo pesado, capaz de esmagar as esperanças de jovens às voltas com o futuro – e, claro, de muitos adultos também, incertos sobre as escolhas do passado. Além disso, reforça uma ideia de passividade, pois a vibrante vocação deveria vir de um momento único de revelação. Um erro. Pouco se fala sobre o desafio que é descobrir a profissão que nos faz feliz e o espaço que queremos ocupar no mercado de trabalho. O silêncio tem um preço: “Não ter vocação passou a ser, além de infortúnio, uma marca de inferioridade. Entramos em pânico por não termos um caminho em mente”. Você já sentiu assim?
A descoberta profissional
O encaixe entre a pessoa e o emprego é um desafio, mais agudo diante de um mundo que se transforma velozmente. Como o livro reforça, essa busca exige reflexão, exploração de possibilidades e ajuda equilibrada. É igualmente importante, por exemplo, reconhecer o que não sabemos. O caminho da consciência é constantemente traído por nossa mente, pois o cérebro é mal equipado para interpretar e entender a si mesmo, o que o leva a imprecisões e a suscetibilidades. E isso deve ser compreendido por quem se propõe a buscar essa persona profissional. “Ao abordar a questão de qual poderia ser o nosso trabalho, deveríamos confiar e acreditar que boa parte de uma resposta sensata já está dentro de nós”, ensina o livro.
É um exercício de paciência, como pressupõe qualquer jornada de autodescoberta. É fundamental conhecer bem o que amamos e a razão disso para vislumbrarmos um plano de carreira. Nesse sentido, pensar na infância pode ser um bom ponto de partida. É bem provável que essas lembranças revelem as sementes do que você deseja plantar – afinal, os ingredientes do caráter e da personalidade, as empolgações e os anseios mais genuínos, foram construídos ali. A investigação do passado, é bom frisar, não implica ignorar o presente. Tanto lá quanto cá, a busca é por uma conexão dos sentimentos que nos movem e nos fazem avançar: “Nossa satisfação merece um exame mais atento para revelar de maneira exata a variedade real de opções diante de nós”.
“Um trabalho para amar” defende que, nesse primeiro momento, não se deve tentar abreviar o processo com conclusões apressadas. Importa menos aqui cravar o desejo de ser “professor” ou “engenheiro”. O foco está em investigar os prazeres de cada emprego, mas também atentarmos para sentimentos desconfortáveis, como a vergonha e a inveja, que têm muito a ensinar: “Cada pessoa que invejamos guarda uma peça do quebra-cabeça que mostra nosso futuro possível”.
Prazer no trabalho: 12 características
Em outro trecho, o livro se dedica a explorar os sinais que revelam o que nos motiva. Os chamados pontos de prazer podem estar presentes em diferentes tipos de emprego. São 12 no total: o prazer de ganhar dinheiro; o prazer da beleza; o prazer da criatividade; o prazer do entendimento; o prazer da expressão pessoal; o prazer da tecnologia; o prazer de ajudar os outros; o prazer de liderar; o prazer de ensinar; o prazer da independência; o prazer da ordem; e o prazer da natureza. “Quando deixamos de nos concentrar em salário e requisitos técnicos, que são aspectos externos, qualquer emprego pode se transformar em uma constelação única de pontos de satisfação”.
Estudar e destrinchar esses comportamentos – o livro apresenta as características de cada prazer citado acima – é parte essencial dessa descoberta. Seguindo a linha de pensamento de “Um trabalho para amar”, devemos nos livrar da ideia de perseguir apenas um tipo específico de emprego e situar uma futura carreira no espaço em que talentos e prazeres atendem às necessidades do mundo. “Quanto mais correta e precisa for a prospecção do que é importante para nós, maiores as chances de descobrir que nossos interesses (e os pontos de prazer associados a eles) estão disponíveis em uma gama de ocupações muito mais ampla do que imaginávamos”.
Ao seguir as dicas e os exercícios propostos, você vai descobrir que o “que realmente amamos não é aquele emprego específico, mas uma série de qualidades que estavam mais visíveis ali do que em outras áreas de atuação”. Essa percepção inaugura um novo olhar para o trabalho. Menos ingênuo e, ainda assim, atrelado ao amor.