O poeta gaúcho Allan Dias Castro lança “Voz ao verbo”. No livro, o leitor encontra poemas que calam os medos e dão asas aos sonhos.
Se tivesse seguido o desejo da família, Allan Dias Castro teria se formado em Direito e, quem sabe, garantido o futuro estável ao passar num bom concurso. Seria juiz? Não importa agora. O gaúcho radicado no Rio de Janeiro quis ser poeta na vida. Para isso, embaralhou os planos dos outros em busca do que o movia e o comovia. Fazendo jus à rima: foi caçar a poesia. Já na primeira estrofe de “Onde nasce um poema”, que abre o livro “Voz ao verbo”, ele nos lembra que lá “o arrependimento não volta,/ Porque entende que os erros moram no tempo./ E olhar para a frente é escolher não visitá-los”.
Allan reconstrói sua jornada em verso e prosa. Como sugere o subtítulo do livro – poemas para calar o medo -, as palavras do escritor são lançadas para quebrar barreira, fazer companhia e atiçar a coragem que já habita o corpo-alma de qualquer leitor, distraído ou não. “Meus pais, hoje em dia, vendo minha alegria a cada conquista no caminho que escolhi, sentem-se realizados. Por isso, tenho o prazer de repetir que eu não correspondi às expectativas deles. Fui maluco o suficiente para superá-las”, explica, consciente de que “toda mudança se inicia no impulso de não continuar sendo a mesma pessoa”.
Sonhos elefantes
A semente da mudança está plantada em cada página. Não à toa, a palavra “sonho” aparece um punhado de vezes, reforçando o pacto que deve existir entre nós e eles, os tais sonhos, apesar de todos os percalços. É como Allan escreve: “Alguns sonhos são tão grandes/ Que não cabem nos nossos medos,/ Nos dos outros, muito menos./ Porque são imensos, são sonhos elefantes,/ Que incomodam porque nos fazem não caber/ Nos limites em que vivíamos antes”. É essa dose de loucura, de audácia, de crença em si, de enfrentamento do medo e de busca por movimento que faz “Voz ao verbo” permanecer após a leitura. Até porque, como ele nos ensina, não é possível enjaular sonhos elefantes.
A costura do livro permite conhecer um pouco mais da vida daquele que nos oferece a poesia: da carreira projetada pela família, e devidamente alterada, aos caminhos que o levaram a se equilibrar profissionalmente na escrita. “Se você realmente quer ser escritor, comece lendo”, aconselhou a mãe Ledy Dias Castro, que se tornou a primeira leitora dos textos do filho. Quem escreve convive com o desequilíbrio diuturnamente, porque a palavra, matéria-prima do trabalho, é também labirinto. Por onde seguir? Allan está nele e, de lá, nos diz como essa voz foi conquistada, resgatando os medos adquiridos na infância e na adolescência, tão difíceis de serem quebrados. “O medo de demonstrar fragilidade me tornou hábil em fazer críticas e até em me expressar com agressividade a desconhecidos, mas incapaz de olhar para alguém próximo e dizer ‘Eu te amo’”, reflete ele sobre a própria escrita.
O tempo ajudou a curar certas feridas e, ao pensar sobre as cicatrizes, Allan compreendeu como o medo e a insegurança apenas limitaram seu horizonte. Ele podia mais. Mas para isso era preciso deixar de lado tudo que lhe tornava menor – o medo (olha a palavra aqui de novo) de se expor e de ser frágil, por exemplo. “As pessoas mais fortes/ Não são as que fazem mais força/ Para esconder suas fraquezas./ São as que encontram na vulnerabilidade/ A sua maior defesa”. São frases do poema “Super-herói de verdade”. Escrever sobre esse processo o aproximou dos leitores, numa troca de sentimentos comuns. Quem não tem medo? Quem não tem dúvida?
“Voz ao verbo” mereceu elogios do conterrâneo Luís Fernando Veríssimo, que destaca os muitos livros dentro deste livro: “Quando você menos espera está lendo um trecho de autobiografia, ou se esquivando de um pensamento original sem saber de que lado ele vem, ou cuidando – atenção, um aforismo genial! – onde pisa”. Bráulio Bessa, escritor que carrega o desejo de promover a reflexão e a autoestima, algo também visto em Allan, recorreu à poesia: “Allan Dias acha os versos/Onde a alma faz morada/ Grita o silêncio da vida/ E silencia a zoada/ Pro mundo poder ouvir/ Sua poesia encantada”. A Martha Medeiros coube escrever o prefácio, elogioso como manda a tradição. Nele, ela realça uma característica que certamente será observada por outros leitores atentos em como escritor “abre sua intimidade para que a gente entenda como alcançou a contundência de suas escolhas”. É um belo caminho.
Se gostou da proposta, não deixe também de visitar o canal de Allan no Youtube. Lá você encontra vídeos de poesias faladas, muitas delas grafadas em “Voz ao Verbo”.
Não há jeito melhor para encerrar o post do que com um poema de Allan. Abaixo, “Super-herói de verdade” na íntegra.
“As pessoas mais fortes
Não são as que fazem mais força
Para esconder suas fraquezas.
São as que encontram na vulnerabilidade
A sua maior defesa.
Sempre ouvi que, para encarar este mundo tão duro,
Eu precisava de ideias concretas,
E de um coração de pedra batendo num peito de aço.
Eu tinha que ser firme, consistente,
E se isso não fosse convincente, estaria aí o meu
fracasso.
Se chorar, perdeu.
Engrossa essa voz e diz que não doeu.
Mas quem consegue ser assim tão seguro?
Quem é que nunca teve medo do escuro?
Ou medo de vaia?
É mais fácil tentar apagar o brilho
Daqueles que se expõem quando agem,
Do que perder o medo que a máscara caia
Para encarar a vida com a cara e a coragem.
O corajoso de verdade
Não é o que não tem medo nenhum,
É o que perde apenas um:
O medo da sinceridade.
A gente quer bancar o herói
E não vê que todo o peso de existir
Está nessa fantasia de poder que usa por aí.
Sem notar que ficar preso ao orgulho
É o que não nos deixa voar.
Tem que ser sempre super-mãe, super-mulher,
Super-homem, super-filho.
É preciso assumir que uma hora cansa.
Vamos trocar essa cobrança
De que a gente tem que ser forte o tempo inteiro
E não engolir desaforo
Pelo superpoder de ser feliz
De quem não engole o choro.
Só assim a gente vai poder colocar para fora
Tudo de bom que está aqui dentro.
Porque vem da leveza a força de que é preciso. Aí, de vez em quando, sai até um sorriso”.