Prefácio à edição brasileira
Vivemos um momento crucial de reflexão e mudança. E o autoconhecimento é um elemento necessário para o mergulho introspectivo, fazendo emergir potencialidades e desejos e curando feridas há muito escondidas ou esquecidas dentro de nós. Essa é a proposta trazida por Maureen Murdock em seu livro A jornada da heroína, publicado no Brasil pela Editora Sextante, em 2022, e que ganha ainda mais vitalidade com a presente publicação. Agora temos a oportunidade de aprofundar a vivência do percurso dessa jornada com este livro de atividades.
Enquanto a jornada da heroína constitui uma busca mítica da mulher para curar a ferida profunda de sua natureza feminina, abordando os níveis pessoal, cultural e espiritual, este guia nos revela a experiência prática da autora em suas oficinas, ministradas a mulheres de diversas idades e em inúmeros países, ao longo de décadas.
Maureen Murdock nasceu em Nova York, em 1945. É formada em Psicologia e licenciada em Terapia de Casais e Terapia Familiar, atuando há mais de 30 anos como psicoterapeuta junguiana, escritora, fotógrafa e professora de escrita criativa. Seu trabalho com o feminino é mundialmente reconhecido por sua potência, seu envolvimento e sua intensidade ao abordar aspectos que marcam a psique da mulher.
A jornada da heroína: caderno de atividades propõe exercícios práticos para a busca da plenitude feminina. Proporcionando espaços para meditações, exercícios e perguntas que promovem a autodescoberta, esta obra pode ser usada tanto individualmente como em grupo, com o objetivo de abrir novos caminhos na busca da compreensão, da serenidade e do encontro com nós mesmas.
De acordo com a própria Maureen Murdock, foi em 1981 que ela entrevistou pela primeira vez o mitólogo Joseph Campbell (1904-1987), autor de O herói de mil faces (1949), obra célebre que aponta aspectos recorrentes na composição de mitos pertencentes às mais diversas épocas e culturas espalhadas pelos mais diversos pontos do globo. Em seu estudo, Campbell introduz a jornada do herói, o chamado monomito, cujo percurso cíclico divide-se em 17 passos que seguem modelos arquetípicos junguianos, bem como elementos freudianos relativos ao inconsciente. Entretanto, antes mesmo da entrevista a Campbell, Maureen Murdock já havia criado o conceito do que seria a jornada da heroína, deslocando o foco proposto por Campbell para dar atenção especial ao percurso feminino de uma heroína.
A proposição e a atuação de Maureen Murdock no âmbito da Psicologia estão imbuídas da Segunda Onda feminista. Vale recordar que o livro de Simone de Beauvoir, O segundo sexo (1949), constitui a referência que impulsiona essa Segunda Onda, pautando discussões basilares, como o questionamento das desigualdades econômicas e sociais arraigadas numa cultura androcêntrica, que desrespeita direitos fundamentais das mulheres com base em argumentações sexistas e em defesa do patriarcalismo.
Desse modo, o contexto em que se insere o trabalho de Maureen Murdock corresponde à efervescência e à necessidade premente de ajudar as mulheres em seu processo de conscientização quanto à validade de suas escolhas: como se dá a rejeição do feminino, a identificação com a figura paterna e o consequente distanciamento da figura feminina, e o que provoca a ruptura entre mãe e filha. Segundo Murdock, o percurso que a mulher deve realizar para alcançar o autoconhecimento é doloroso e introspectivo: trata-se da “descida para a Deusa”, uma metáfora para um encontro com o lado sombrio que cada mulher guarda em seu interior.
A autora parte da importância de conhecermos os padrões míticos que marcam a cultura e a vida em nossa sociedade, para então compreendermos o significado do nosso mito pessoal, que se caracteriza, entre outros aspectos, por sua mutabilidade, pois ele vai sendo redesenhado e reconstruído inúmeras vezes, de acordo com as circunstâncias que se apresentam em nossa vida.
Conhecer os mitos antigos e novos, analisar questões religiosas, econômicas, culturais, de gênero e de diversidade, constitui parte importante no aprendizado dentro da jornada arquetípica, pois, nos termos de Murdock, esses elementos auxiliam a mulher a alcançar o sentido de clareza e a compreender sua missão de vida, algo que tem repercussões inclusive na preservação do equilíbrio da vida na Terra.
A heroína deve empreender uma jornada espiritual e psicológica que resulta na integração completa com todas as partes de sua natureza. Assim, mitos, contos de fadas, narrativas tradicionais e contemporâneas formam um arcabouço de experiências arquetípicas que apontam para a busca da identidade feminina posicionada no âmago de uma cultura androcêntrica. A separação do feminino e o enfrentamento dos mitos da inferioridade feminina, da dependência e do amor romântico compõem o desafio pessoal da heroína. Ao vestir a armadura para enfrentar, de igual para igual, o mundo dos homens em sua batalha por sucesso e poder, ela se depara com sua própria aridez espiritual, já que sua vida acaba se concentrando no fazer, não no ser.
A inexorável sensação de perda a induz às próximas etapas: iniciação e descida. Nesse período de interiorização e busca das partes perdidas de si mesma, a heroína anseia por se reconectar com o feminino e curar a ruptura entre mãe e filha, bem como as partes feridas de seu masculino interior. Por fim, a integração e o equilíbrio de todos os aspectos de si própria terminam por viabilizar o chamado casamento sagrado.
Os capítulos deste livro incluem perguntas para reflexão, exercícios de imaginação ativa, produção de texto escrito e obras de arte e trabalhos com sonhos para trazer clareza e compreensão à busca. Finalmente, as habilidades aprendidas nessa jornada arquetípica preparam a mulher para trabalhar em prol de trazer consciência aos outros e preservar o equilíbrio da vida.
Seguindo o estilo de A jornada da heroína, este livro de atividades foge do tradicional e do palpável para perscrutar o intangível e o subjetivo, o mistério desafiador que constitui a psique feminina.
Mais uma vez, Murdock também nos expõe sua história, suas feridas e a trilha norteadora de seu processo de cura mediante o seu reencontro introspectivo com a natureza feminina, a restauração do equilíbrio e a reintegração com a essência do feminino.
Com uma leitura fácil, fluida e agradável, a obra estimula o árduo trabalho de autoconhecimento através da expressão escrita e visual, que se alimenta de imagens guiadas, sensações e relatos provocados por sonhos, memórias e percursos criativos.
O interesse despertado pela jornada da heroína não se restringe somente a mulheres ou a profissionais da área de Psicanálise: como se sabe, já há alguns anos a jornada vem servindo de referência para a construção de narrativas literárias e audiovisuais, semeando a imaginação de roteiristas e estudiosos da Comunicação e da Literatura, como é o meu caso específico. Meus trabalhos acadêmicos sobre a jornada da heroína concebida por Maureen Murdock versam sobre a compreensão, a reflexão e a aplicação da temática feminina, valorizando o tema do protagonismo da mulher e suas especificidades no entrelaçamento dos fios que tecem as narrativas contemporâneas.
Quanto à forma adotada, a presente tradução busca preservar o estilo e o sabor do texto da autora, mantendo a sintaxe e as escolhas lexicais o mais próximas possível do original. Mais uma vez, agradeço à Editora Sextante a oportunidade de traduzir e prefaciar este trabalho, que desde já se apresenta como uma obra de cunho multidisciplinar e cuja rede semântica estende-se em complexas ramificações, associando-se a áreas pertinentes à Psicologia, às Artes, à Sociedade, ao Feminismo, à Literatura, à Comunicação, entre outras.
Neste livro, encontraremos atividades, provocações e reflexões observadas e elaboradas por Maureen Murdock ao longo de sua experiência como psicóloga junguiana. E assim temos a oportunidade de nos juntar a ela no desafio de disponibilizar às mulheres a perspectiva da transformação gerada pelo autoconhecimento e pela consciência do eu, o qual se permite fluir através de um percurso cultural e espiritual rumo à preservação dos valores femininos, à cura das feridas ocasionadas por exigências e padrões dos valores masculinos e, por fim, à reconexão com a natureza feminina e à sua totalidade.
Sandra Trabucco Valenzuela,
Ph.D. pela Universidade de São Paulo (USP)
Pós-doutora em Literatura Comparada também pela USP
Introdução
A tarefa da mulher contemporânea é curar a ferida do feminino que existe no fundo de si mesma e da cultura.
– Maureen Murdock, A jornada da heroína
A maioria de nós passa a vida inteira tentando encontrar o sentido da própria existência. Buscamos sentido ao contar a história sobre como e onde crescemos, quem eram nossos pais, como as pessoas importantes na nossa vida nos influenciaram, quais desafios e obstáculos enfrentamos e como lidamos com a vitória e o fracasso. A história que contamos a nós mesmas e aos outros nos proporciona um senso de identidade. Ela nos ajuda a organizar nossa vida de modo a atribuir-lhe sentido e direção.
Na idade adulta, procuramos mapas ou diretrizes que nos deem pistas sobre nosso desenvolvimento ao longo das etapas da vida. Analisamos como os acontecimentos da primeira infância e da adolescência influenciam as escolhas que fazemos na vida adulta, na meia-idade e na terceira idade. Procuramos à nossa volta mentores que estejam navegando de forma consciente sua própria jornada. Buscamos um senso de pertencimento dentro de nossa comunidade; nos perguntamos sobre nosso propósito e como nos encaixamos no quadro mais amplo e inclusive se existe, de fato, um quadro mais amplo.
Nosso mito pessoal – ou nossa história – nos oferece uma maneira de entender nossas origens, quem somos, onde é o nosso lugar e se nossa vida tem sentido. Se pudermos ter consciência de nossa própria história na medida em que ela se desenrola, teremos mais chance de entendê-la e de fazer amizade com nossa própria vida. Os padrões míticos oferecem diretrizes ou mapas. Um mito pessoal é uma constelação de crenças, sentimentos e imagens organizada em torno de um tema central, e aborda um dos domínios dentro dos quais a mitologia tradicionalmente funciona. São eles:
- Significado: o desejo de compreender o mundo natural de uma forma significativa;
- Mapa: a busca de um caminho traçado através das sucessivas épocas da vida humana;
- Tribo: a necessidade de estabelecer um contexto de segurança e relações gratificantes dentro de uma comunidade; e
- Lugar: o anseio por conhecer o próprio papel na vasta maravilha e no mistério do universo.
Um mito pessoal pergunta por que estou aqui, como traço meu caminho pela vida, a que tribo pertenço e onde me encaixo no esquema mais amplo das coisas. Um mito pessoal não é um roteiro definido no qual representamos um papel; nosso mito pessoal evolui ao longo do tempo. D. Stephenson Bond escreve: “Durante uma vida inteira, vivenciamos não um mito pessoal, mas a morte e o renascimento de um mito pessoal. Nós nos encaixamos no mito e nos perdemos dele várias vezes ao longo da vida. A experiência central permanece, mas durante uma vida inteira deve ser trabalhada e retrabalhada.”
Gênero, cultura, classe econômica e crenças religiosas formam nossa mitologia pessoal e os símbolos e ritos que levam nosso mito adiante. Em uma época em que os mitos culturais sobre mulheres e homens estão sendo desafiados em todas as frentes e há um impulso político e religioso para retornar aos roteiros do passado, muitas pessoas estão buscando uma compreensão mais profunda sobre a própria história. Portanto, é importante para nós buscarmos sabedoria e inspiração nos mitos antigos e explorar os seus padrões para encontrar uma direção possível.
Pode-se perceber a própria vida como uma história desdobrando-se em uma série de experiências em espiral, cada uma delas contendo a forma trifásica de separação/provação – processo de aprendizagem/retorno.
– Linda Sussman
O padrão mítico que exploraremos neste livro é a jornada da heroína, a busca por curar a ferida profunda de nossa natureza feminina em níveis pessoal, cultural e espiritual. Como mulheres, fazemos uma jornada psicoespiritual para nos tornarmos plenas, integrando todas as partes de nossa natureza. Às vezes, essa jornada é consciente, mas em muitos casos não é.
Escrevi A jornada da heroína em 1990 para descrever as etapas da experiência feminina em sua busca mítica. Eu passara anos estudando e trabalhando com Joseph Campbell; seu trabalho sobre a jornada do herói inspirou meu desejo de escrever algo que fosse específico à jornada feminina. Desde então, tenho recebido milhares de cartas de mulheres (e de alguns homens) de todo o mundo pedindo orientações para tornar a própria jornada consciente. Por isso escrevi este livro de atividades.
Essa jornada começa com uma separação inicial do feminino quando a heroína se afasta da mãe e busca uma identidade em uma cultura definida pelo masculino. Ela desenvolve habilidades masculinas e encontra aliados para ajudá-la a construir seu nicho em um ambiente competitivo, orientado à produtividade. Ela veste sua armadura, pega sua espada, escolhe seu corcel mais veloz e parte para a batalha. Ao longo do percurso, ela percorre o caminho das provações, enfrentando desafios para superar os mitos da inferioridade feminina, da dependência e do amor romântico à medida que luta pela ilusória dádiva do sucesso prometida pela cultura – que pode ser uma titulação acadêmica, um cargo de liderança, um relacionamento, dinheiro, poder político.
Depois de alcançar o sucesso num mundo masculino ou de sangrar tentando alcançá-lo, a heroína experimenta um profundo sentimento de aridez espiritual. Ela conseguiu tudo aquilo a que se propôs e agora procura o próximo obstáculo para saltar, a próxima promoção, o próximo relacionamento, preenchendo cada momento livre com o fazer. Ela começa então a se perguntar: “Para que serve tudo isso? Consegui tudo o que planejei e me sinto vazia. O que eu perdi?” O que ela pode ter perdido é um relacionamento profundo consigo mesma.
Durante a parte seguinte da jornada, a heroína passa por uma iniciação e pela descida para a Deusa para reconquistar as profundezas de sua alma feminina perdida. Essa etapa pode envolver um período aparentemente interminável durante o qual ela enfrenta luto e raiva, procura os pedaços perdidos de si mesma e encontra o feminino sombrio. Pode levar semanas, meses ou anos, e para muitas pode envolver um período de isolamento voluntário (um período de silêncio), durante o qual elas aprendem a ouvir profundamente a própria alma. A heroína anseia por se reconectar com a sua natureza feminina e curar a ruptura mãe/filha, a ferida que ocorreu com a rejeição inicial do feminino. Isso pode ou não envolver uma cura real do relacionamento entre uma mulher e sua mãe. Uma cura ocorre, no entanto, dentro da própria pessoa quando ela começa a nutrir seu corpo e sua alma e a recuperar seus sentimentos, sua intuição, sua sexualidade, sua criatividade e seu bom humor.
Ela então começa a identificar as partes renegadas e feridas de sua natureza masculina e finalmente aprende a integrar e equilibrar todos os aspectos de seu ser. Nesse processo, a heroína se torna uma guerreira espiritual. Ela precisa aprender a delicada arte do equilíbrio e ter paciência para que ocorra a lenta e sutil integração dos aspectos femininos e masculinos de si mesma. Primeiro, ela anseia por perder seu eu feminino e se fundir com o masculino; porém, uma vez que faz isso, ela começa a perceber que essa não é nem a resposta nem o fim. Ela não precisa abrir mão do que aprendeu ao longo de sua busca heroica, mas deve aprender a ver suas habilidades e seus sucessos não tanto como o objetivo, mas como parte de sua jornada como um todo. Ela então começará a usar essas habilidades para trabalhar em direção à busca maior, que é trazer consciência aos outros de modo a preservar o equilíbrio da vida na Terra.
Essa jornada, como a jornada do herói traçada por Joseph Campbell em O herói de mil faces, descreve o processo de individuação. A individuação refere-se ao processo permanente de nos tornarmos o ser humano completo que fomos destinados a ser. Ela revela nossa natureza especial, individual.2 Campbell explorou esse processo a partir das etapas do mito do herói, ou seja, a jornada de um homem (ou mulher) que foi capaz de lutar para superar suas limitações históricas, pessoais e locais, emergindo para uma nova forma humana. O herói responde a um chamado à aventura, cruza o limiar de reinos desconhecidos, encontra aliados ou guias sobrenaturais que o ajudam em sua jornada, e enfrenta adversários ou guardiões do limiar que tentam impedir seu progresso. O herói então experimenta uma iniciação no ventre da baleia, uma série de provas que testam suas habilidades e sua determinação antes que ele possa encontrar o tesouro ou a dádiva que procura. Ele encontra, então, uma parceira misteriosa na forma de uma Deusa, assume um casamento sagrado e embarca numa viagem de retorno através do limiar para trazer de volta ao povo o tesouro que ele encontrou. A jornada desse herói é uma busca pela alma e se repete em mitologias e contos de fadas do mundo todo.
A principal função da mitologia e do rito sempre foi fornecer os símbolos que levam o espírito humano adiante, em contraposição àquelas outras constantes fantasias humanas que tendem a retê-lo.
– Joseph Campbell, Mitologia primitiva
Essa é a conhecida história do cavaleiro que descobre que o rei está em apuros, afia sua espada, monta seu corcel e sai em busca de tesouros ou conhecimentos perdidos para recuperar o reino. Ao longo do caminho, ele vence os ogros pela esperteza, mata dragões, encontra um tesouro e se apaixona por uma bela donzela. Ele faz seu caminho de volta ao reino com a dádiva de seu sucesso, resgata o rei e, se tiver sorte, pode passar um fim de semana na cama com sua amada antes de partir para matar outro dragão. Variações desse padrão de busca heroica foram vividas por inúmeros homens e mulheres de todas as culturas e usadas como modelo por roteiristas e romancistas para dar sentido à vida de seus personagens. Entretanto, esse padrão não descreve adequadamente a jornada da mulher, porque nossa tarefa neste momento é curar a ferida profunda do feminino dentro de nós mesmas e de nossa cultura.
Sou uma típica “filha do pai” – uma mulher que se identificou principalmente com a figura paterna, rejeitando muitas vezes sua mãe; uma mulher que buscou atenção e aprovação não apenas de seu pai, mas também da cultura em geral, aspirando ao sucesso segundo valores masculinos. A jornada da heroína é descrita do ponto de vista da “filha do pai”. Embora nem todas as mulheres que leem este livro sejam “filhas do pai” em relação a seu próprio genitor, concordo com a analista junguiana Marion Woodman quando escreve que a maioria de nós somos filhas do pai em relação à cultura predominantemente masculina em que vivemos.
O modelo aqui apresentado não se encaixa necessariamente à experiência de todas as mulheres de todas as idades nem está limitado apenas às mulheres. Ele aborda as jornadas de ambos os sexos e descreve a experiência de muitas pessoas que se esforçam para contribuir ativamente com o mundo, mas que também temem o que nossa sociedade orientada para o progresso fez à psique humana e ao equilíbrio ecológico do planeta. O movimento através dessas etapas não é linear; ele é cíclico e muito provavelmente se repetirá várias vezes durante a vida de uma pessoa. Você também pode se encontrar trabalhando em mais de um estágio de desenvolvimento de cada vez. A jornada da heroína é um ciclo contínuo de desenvolvimento, crescimento e aprendizado. Você pode descobrir que algumas partes se aplicam a você e outras não. Use a jornada em parte ou em sua totalidade como um modelo para seu próprio desenvolvimento.
Porém, antes de começarmos a explorar em profundidade as etapas da jornada da heroína, devemos abordar as definições de heroísmo, que mudam constantemente, e a forma como os mitos culturais influenciaram nossas percepções sobre nós mesmas como mulheres. O papel da heroína implicava a realização de tarefas grandiosas que podiam colocar em risco nossa segurança, nossa saúde e nossos relacionamentos (pense em Joana d’Arc e Florence Nightingale). Mulheres que foram capazes de “fazer tudo”, de “ser tudo para todas as pessoas”, foram admiradas e aplaudidas, ou até recompensadas financeiramente. O foco delas estava nas realizações e no serviço – quanto mais elas faziam, quanto mais tarefas riscavam de sua lista, mais sentiam que mereciam ser valorizadas. O modelo da mulher trajando roupas modernas, equilibrando sua pasta de trabalho e a mamadeira de leite em pó em tribunais e salas de reuniões espalhadas pelo país, tornou-se o objetivo de muitas jovens mulheres, particularmente nas décadas de 1970 e 1980. Uma mulher que não alcançasse esse tipo de reconhecimento exterior e sucesso muitas vezes experimentava uma profunda sensação de perda ou mesmo de fracasso.
O mito da inferioridade e da dependência feminina dos anos 1950 e início dos anos 1960 foi substituído pelo mito da supermulher das décadas de 1980 e 1990. Aquelas mulheres que buscavam a igualdade política, econômica e espiritual com os homens nas universidades, nos negócios e no lar sentiram uma euforia inicial ao alcançar seus êxitos diários, mas enfim começaram a experimentar um cansaço em seu coração. O esgotamento e o divórcio tiveram um impacto em sua saúde, e a luta pela realização individual perdeu seu fascínio. Com essa mudança, a definição de heroína exigiu também uma modificação: daquela que se esforçava para satisfazer as exigências da cacofonia das vozes externas à que passou a aprender a equilibrar a vida pessoal, familiar e profissional e dar ouvidos à tranquila voz interior.
Como usar este livro
Este livro de atividades foi escrito para guiar você através das diferentes etapas da jornada da heroína. Ele funcionará muito como as oficinas que realizei com mulheres entre 13 e 86 anos, em toda a América do Norte, Europa e México. Pode ser usado em grupo ou apenas por você. Juntas, exploraremos todas as etapas da jornada e veremos os mitos e contos de fadas que as ilustram. Os capítulos incluem questionamentos a serem considerados por você sobre seu desenvolvimento como mulher, bem como exercícios de imaginação ativa, escrita e arte que trarão clareza e compreensão à sua jornada. Pode ser útil providenciar um diário ou caderno especial para registrar seus sonhos e fazer os exercícios de escrita e de arte.
Você pode achar útil ler o livro inteiro primeiro para entender o caminho da jornada da heroína e depois voltar para explorar os exercícios em profundidade. Ou pode escolher se concentrar em um capítulo de cada vez e trabalhar nos seus respectivos exercícios até concluí-los. Leve o tempo que for necessário em cada atividade. Faça-as no seu próprio ritmo e escolha um horário em que não será interrompida – talvez seja interessante programar o mesmo horário a cada semana.
Você verá que o material sugerido nos exercícios serve como um trampolim para evocar mais memórias, sonhos e insights. Será fácil se sentir sobrecarregada. Você pode querer deixar o livro por um tempo e retomá-lo mais tarde. O movimento através das etapas – e também através dos exercícios – é cíclico. Muitas questões serão examinadas em diferentes níveis ao longo da obra.
Trabalhe com os exercícios em sequência ou escolha, de cada capítulo, aqueles que julgar mais interessantes ou desafiadores. A maioria de nós acredita que nossos maiores insights surgem quando fazemos as tarefas mais árduas. Você receberá sugestões sobre rituais que talvez queira criar para aprofundar o processo.
De acordo com a minha experiência, as pessoas que frequentam as oficinas da jornada da heroína se irritam, julgam e sentem raiva no terceiro dia, ou em qualquer que seja o dia em que começamos a descida. Ao trabalhar com o material da descida, no Capítulo 3, talvez você sinta vontade de fechar o livro e interromper o processo. Não faça isso. Seja gentil com você mesma e respire fundo. Prepare uma xícara de chá ou dê uma caminhada. Apoie-se com amor e compaixão. Nunca se julgue. Seja paciente com seu processo e assuma o compromisso de trabalhar as questões inerentes à descida em seu próprio ritmo. Ao fazer isso, eu prometo que você encurtará sua permanência no mundo inferior!
Despertar exige que uma mulher reaja conscientemente, aceite o convite para recriar a si mesma e empreenda esse desafio, não importa quão assustada ou inadequada ela possa se sentir. Assim, cada chamado ao despertar exige não apenas ser ouvido, mas que a mulher encontre a coragem de confiar nesse chamado e afirmá-lo sempre que ele surgir, onde quer que ele a leve, e por mais que ele desafie sua maneira de estar no mundo.
– Kathleen Noble