A BUSCA DA SIMPLICIDADE
Allan Dias Castro
Uma simplicidade difícil de alcançar. Foi esse o diferencial na fala da Monja Coen que me fez buscar suas palestras na internet e em seguida seus livros publicados. Quanto mais eu consumia seu conteúdo, maior era a sensação de proximidade com aquela figura tão perspicaz, embora nunca houvéssemos trocado nem uma palavra.
Eu só fui conhecê-la pessoalmente anos depois, em dezembro de 2019, durante um retiro promovido pelo Instituto Hermógenes, em Mendes, no estado do Rio de Janeiro. Fui convidado pelo Thiago Leão, meu professor de yoga e querido amigo, a falar alguns poemas durante esse encontro que contou com a presença da Monja. Durante os três dias de atividades, percebi que o poder de conexão que ela tem nos seus vídeos se intensifica presencialmente, pois aquela simplicidade que enxergo em suas palavras a acompanha também em seus gestos. Passei a admirá-la ainda mais.
Por coincidência, voltamos de Mendes até o Rio de Janeiro no mesmo carro, e pelo meu hábito de ouvir mais do que falar (que é uma verdadeira dádiva nesses momentos de troca com pessoas que emanam conhecimento), pude usufruir de mais algumas horas de inspiração com a presença da Monja. Confesso que já nesse momento nasceu a ideia de quem sabe um dia fazermos uma parceria literária. Acabei não tocando no assunto, mas voltei para casa com a sensação de que nos encontraríamos novamente.
Veio o ano de 2020, pandemia, isolamento, planos interrompidos. Em abril, perdi meu pai. A sensação de urgência trazida pela finitude me visitou com força: a vida não dura para sempre, é durante. Eu precisava superar esse corte brusco com o passado que uma perda dessa magnitude traz buscando um ponto de vista que contemplasse o privilégio que é estar vivo. Certamente esse caminho foi facilitado pelo fato de sentimentos como a dor, a saudade e a incerteza estarem misturados antagonicamente à beleza de uma vida chegando – minha esposa, Ana, estava grávida da nossa filha, Serena. Eu não tinha outra opção a não ser transpor o luto focando em continuidade.
A vontade de um novo livro surgiu desse ímpeto de, mais do que estar, me sentir vivo novamente ao dividir com as pessoas meus textos e poemas. Sim, tudo que escrevo é a resposta para a pergunta: “O que eu tenho a oferecer?” Foi então que o desejo de convidar a Monja Coen para oferecermos algo juntos aos nossos leitores pareceu mais oportuno do que nunca.
Aquela mesma sensação de finitude que me fez perceber que cada dia é uma oportunidade também fez aflorar a clareza de que não podemos deixar algo bom sufocado pela dúvida, afinal, a chance que a gente tem é essa. Lembro que no dia 6 de junho de 2020 escrevi para a Monja sugerindo iniciarmos essa parceria. Já no dia 7, obtive retorno positivo. Uma felicidade indescritível me abraçou. Porém havia uma fila de livros a serem escritos pela Monja, já contratados. Mas não desanimei. Percebi nesse processo uma boa oportunidade para desfocar minha ansiedade que estava a mil com a chegada próxima da minha filha.
Assim, a vida foi seguindo seu fluxo. Serena chegou cheia de saúde e sorrisos. Os meses foram passando, a Monja seguiu cumprindo sua agenda, acertamos a ideia e as datas com a Sextante, e já em fevereiro de 2021 tivemos um encontro virtual para, enfim, iniciarmos nossa escrita. Lá estava a Monja, com todo o seu conhecimento e a sua generosidade, agora ao meu lado, trazendo vivências pessoais e ensinamentos tão valiosos. Todas as vezes que sua vasta experiência me intimidou, foquei em não comparar trajetórias e me ative ao que faço, que é poesia.
Segui botando em prática o costume de escrever o que sinto, buscando na sinceridade meu único norte e na simplicidade (inspirada naquela que admiro na Monja) o meu caminho para chegar até os leitores e dividir o que acredito. A cada troca de e-mails uma alegria imensa foi tomando conta de mim por ver algo tão verdadeiro ganhando vida.
Os tópicos abordados andam lado a lado com os sentimentos que nos visitaram com mais intensidade nesse período de quarentena, mas não se limitam a essa fase, porque são assuntos ligados à nossa essência. Os 11 temas e 22 poemas aqui selecionados são, portanto, atemporais.
Escolhi 12 poesias inéditas e 10 compiladas dos meus livros anteriores para ganharem vida nova a partir dos comentários da Monja. Após cada poema há um texto em que conto a fase específica da minha vida em que o criei ou algum fato que serviu como ponto de partida, contextualizando os versos e revelando de onde veio a inspiração para escrevê-los. E assim seguimos a cada página, entre frases, poesias, inspirações, citações e histórias bastante pessoais.
A ideia foi trazer não tutoriais de sobrevivência em meio ao caos ou fórmulas para a felicidade (elas existem?), mas apenas o equilíbrio de quem oferece o que precisa. Pelo fato de não ter ficado estagnado na dor, este livro já me ajudou de várias formas durante seu processo de criação. Posso dizer que fui da tempestade à calmaria enquanto escrevíamos esses textos, sem obviamente estacionar novamente na ilusão de permanência.
Acredito que nenhuma transformação significativa seja fácil, e o ser humano que eu era quando pensei em realizar um livro com a Monja mudou muito durante todo o processo até aqui. É essa possibilidade de se manter em movimento que oferecemos aos leitores.
Em um período de tantas perdas e inseguranças, meu desejo é que as pessoas também encontrem neste livro o abraço que as espera depois do medo. E já que a vida é um mergulho profundo, para que possamos perceber através de palavras e gestos simples a imensidão de estarmos vivos, deixo este convite: vamos mergulhar?
UM TANTO DE VERSO E PROSA
Monja Coen
O jovem de cabelos longos, barba e bigode foi chamado ao palco improvisado em um convento católico, em Mendes, no Rio de Janeiro.
Era Allan.
Declamou poesias suas.
Quais? Não saberia dizer.
Mas foi um momento mágico e de grande sabedoria.
Forte, seguro, verdadeiro, sincero.
Nós dois estávamos participando de um encontro de yoga organizado por Thiago Leão, neto do professor Hermógenes. Muitas vezes encontrei Thiago junto ao seu avô. Era o atendente perfeito. Carinhoso e suave, tinha o hábito de tocar meus calcanhares sempre que me cumprimentava – o que me deixava pouco confortável.
Hábitos da Índia, de respeito aos mais velhos, aos professores.
Hoje Thiago é um dos sucessores do professor Hermógenes e cuida do Instituto Hermógenes. Uma vez por ano fazia um retiro em Mendes, e esta era a terceira vez que me convidava.
Alegremente fui.
Entre asanas (posturas de yoga), palestras, caminhadas meditativas, dei algumas instruções sobre o Zen e a meditação. Yoga de Cristo, yoga de Buda.
Famílias participavam com filhos adolescentes e crianças. Encontro simples e profundo, ocupando quadras de esportes, piscinas, salões de reuniões, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus.
E o jovem Allan com poesias existenciais.
Pareciam poemas Zen.
Alegrei-me ao ouvi-lo.
Minha mãe foi poetisa e declamadora. Dava aulas de declamação desde antes de eu nascer. Acostumei-me aos versos sobre a vida, a morte, o amor, os sentidos que podemos dar à existência, os abusos, o racismo e outras questões. Cenário da minha infância e adolescência que me levou a ser jornalista e depois sair pelo mundo à procura da verdade e do caminho.
Vaguei até encontrar o zen-budismo em Los Angeles.
Tornei-me monja, passei doze anos em treinamento no Japão e agora, com 74 anos de idade, aprecio o entardecer de outono, com certa alegria de estar encontrando seres capazes de amar, de escrever, de poetar.
Uma grande alegria poder escrever depois de ler os poemas de Allan. Fomos fazendo os textos, pouco a pouco. Ele me enviava algumas poesias e eu proseava.
Assim construímos face a face este livro.
Allan, órfão de pai, se torna pai.
Aprecia a vida e o amor
Questiona, cresce e no yoga de Cristo encontra o yoga de Buda.
Estamos juntos.
Transmitindo um ao outro e de nós a todos vocês um tanto de verso e prosa para refletir e viver com mais plenitude.
Que todos os seres possam despertar.
Mãos em prece.