Prefácio
Raymond A. Moody Jr., médico e doutor em filosofia
Dois anos atrás, recebi um e-mail emocionante de um anestesista do sul da Califórnia. O nome dele era Rajiv Parti, e o propósito do e-mail era me relatar sua intensa experiência de quase morte (EQM).
Costumo receber centenas de mensagens e cartas desse tipo, de pessoas que simplesmente desejam me contar sobre suas experiências, mas essa em particular me chamou a atenção por vários motivos, principalmente pelo fato de ter sido escrito por um médico. Os médicos são tão sujeitos a EQMs quanto a população em geral, mas é comum que as mantenham em segredo por medo de serem ridicularizados por seus pares.
Mas havia outras razões para essa história ser especial. Uma delas era que Raj teve visões de duas de suas vidas passadas. Embora relatos assim não sejam raros, as experiências dele eram diferentes. Ele se viu como um príncipe indiano nos tempos medievais chicoteando impiedosamente os pobres. Também se viu duzentos anos atrás como um produtor de papoulas afegão viciado nos opiáceos extraídos das flores que plantava para sobreviver.
Suas lembranças de existências anteriores eram extremamente detalhadas e forneciam explicações para aspectos de sua personalidade na vida atual que ele queria – precisava – mudar. No e-mail que me enviou, ele escreveu: “Durante essas visões, uma onda de consciência me assolou: se voltasse à vida, eu teria de romper completamente com esses padrões e viver de forma diferente.” Senão, estaria destinado a repeti-los.
Só por esse aspecto – a revelação de vidas passadas durante uma EQM –, a divulgação da história de Raj já acrescenta uma nova dimensão ao estudo das experiências de quase morte. Os elementos presentes em suas lembranças conectam a reencarnação e as EQMs de tal forma que poderá conduzir as pesquisas a novas direções.
Outro aspecto singular de sua experiência foi uma visita ao inferno. São raros os relatos desse tipo. Alguns pesquisadores acreditam que elas são frequentes, mas que há certo temor em relatá-las – como se admitir uma EQM infernal de alguma forma transformasse a pessoa em um ser maligno. Não foi o caso de Raj. Corajoso, ele descreveu sua experiência em detalhes, apresentando-a como uma ferramenta de aprendizado que revelou falhas em seu caráter que precisavam ser corrigidas. Para Raj, a visita a esse domínio inferior enfatizou seu estilo de vida materialista e deu a seu falecido pai uma oportunidade de salvá-lo de cair no inferno, um destino muito pior do que a morte. O fato de ser resgatado pelo pai era especialmente irônico, uma vez que os dois sempre tiveram uma relação bastante turbulenta. Então, no mundo espiritual e à beira do inferno, os dois se uniram como nunca antes, e Raj entendeu a agressividade paterna. Embora vivesse atormentado por essa relação conflituosa, ele passou a compreender por que as coisas haviam dado tão errado, e generosamente perdoou o pai. Raj também aprendeu que os pecados de seu pai não precisam ser revividos por ele, o que mudou a forma como ele interagia com o próprio filho.
Como resultado desses eventos e de outros relatados neste livro, Raj transformou profundamente sua realidade. Muitas pessoas que passam por uma EQM aprendem lições semelhantes e, ao voltarem de sua jornada no mundo espiritual, mudam radicalmente sua maneira de viver. Mas para muitos é difícil permanecer nesse novo caminho. Afinal, eles continuam sendo seres humanos em um mundo humano.
Mas Raj seguiu seu caminho a partir da mensagem que recebeu durante a visão, e fez isso a um grande custo.
Ele abandonou a profissão de anestesista e passou a trabalhar com uma forma de tratamento chamada cura pela consciência. Não é um tipo de cura desenvolvido por ele, mas algo que lhe foi revelado pelos anjos da guarda que o acompanharam em sua EQM e continuam ao seu lado até hoje. Apesar das dificuldades de mudar seu enfoque profissional, Raj se mantém firme na determinação de colocar em prática essa forma de tratamento. Toda a sua filosofia de cura e de vida mudou. Como ele me escreveu naquele primeiro e-mail: “O que faço é pôr um pé na frente do outro e seguir o caminho com fé e confiança – exatamente como fiz durante a EQM, segurando a mão de meu pai.”
Nesse e-mail, ele ainda me escreveu:
Fui informado pelo Ser de Luz de que ainda não havia chegado a minha hora, de que tudo iria dar certo, mas que meu caminho agora seria o da cura. E que teria também de deixar minha profissão e o materialismo para trás. O Ser de Luz me disse: “Agora chegou o momento de praticar a cura da alma, principalmente das doenças da alma, do corpo de energia, da dependência, da depressão, das dores crônicas e do câncer.”
Fui informado de que era por isso que eu tinha sofrido as doenças que se abateram sobre minha personalidade – para poder sentir empatia pelos outros, para sentir como era estar na pele deles.
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Certa vez, tive a oportunidade de participar de uma conferência sobre consciência ao lado de Raj. O organizador pediu que ele contasse sua história. Pouco depois que ele começou a falar, notei que a maioria das pessoas na plateia estava enxugando lágrimas; algumas até soluçavam. Logo em seguida percebi algo que não esperava: havia lágrimas nos meus olhos. Apesar de já ter ouvido dezenas de milhares de casos de EQMs na vida, me senti profundamente tocado pelas palavras de redenção que fluíam de Raj.
No final, ele disse uma coisa tão profunda que tive de conter um soluço:
O futuro ainda está sendo construído, mas eu não sinto medo nenhum dessas mudanças. Sei que não estou sozinho e, mesmo sem saber ainda como será o meu futuro, sei que existe um plano – e que esse plano é bom.
Na minha antiga vida, eu costumava pôr as pessoas para dormir. Agora eu as desperto. E eu também despertei.
A história apresentada neste livro é de transcendência e transformação. Trata-se de uma das mais espantosas e completas experiências de quase morte que já ouvi em praticamente cinquenta anos de investigação desse fenômeno. É uma história forte e marcante mesmo para um pesquisador veterano como eu.
Introdução
O homem congelado
Segundo todos os indicadores, o paciente na mesa de cirurgia estava morto. O coração tinha parado, o corpo estava exangue. Não havia um aparelho ligado para mantê-lo respirando e nenhum oxigênio chegava a seus pulmões. O aparelho de ECC que normalmente soaria em sincronia com o seu coração estava em silêncio, pois não havia batimentos cardíacos. Todos os órgãos tinham parado de funcionar e não havia registro de atividade cerebral na máquina de EEG.
Na verdade, o paciente não estava morto. Encontrava-se em animação suspensa, por meio de um procedimento cirúrgico conhecido como desvio cardiopulmonar com circulação extracorpórea e parada circulatória total por hipotermia, um procedimento que substitui o sangue do paciente por um fluido frio que baixa a temperatura para aproximadamente 10ºC e interrompe todas as funções corporais. Como se estivesse morto, mas não exatamente.
Nesse caso, o propósito da cirurgia era reparar um rompimento na aorta, a principal artéria que sai do coração. É uma cirurgia perigosa, mas não havia muita escolha. Sem ela, a aorta enfraquecida acabaria estourando e provocaria morte instantânea. Se a cirurgia não o matasse, o paciente teria um tempo de vida normal. Era muito ruim passar pela cirurgia, mas sem ela seria pior ainda.
Eu era o anestesista daquele caso. Como chefe do departamento de anestesiologia do Hospital do Coração de Bakersfield, estava preparado para essas cirurgias difíceis e arriscadas. Era meu trabalho administrar o anestésico ao paciente enquanto o cirurgião abria seu peito para expor o coração. Depois da operação, quando o sangue quente voltasse ao corpo do paciente, meu papel era mantê-lo a salvo e profundamente anestesiado enquanto o trazíamos de volta à vida. Enquanto isso, à medida que a solução fria ocupava o sistema circulatório e os sinais vitais do paciente apareciam como linhas horizontais no monitor, eu tinha pouco a fazer além de observar as hábeis mãos do cirurgião realizando o delicado e complexo remendo na rainha de todas as artérias. Eles só tinham sessenta minutos para fazer aquela mágica. Depois desse período, provavelmente o paciente morreria ou sofreria danos neurológicos.
Quando o levamos à sala de cirurgia, o paciente já estava totalmente sedado. Falei com ele por pouco tempo no momento em que o transferíamos para a mesa de operação, mas ele não se mostrou muito interessado na conversa. A sedação e a noção do que estava para acontecer o deixaram em silêncio, com certeza se perguntando se eu não seria a última pessoa que veria. Não dei a ele muito tempo para pensar a respeito. Injetei propofol e outras drogas anestésicas no tubo de soro colocado na veia do braço dele e fiquei observando enquanto adormecia. Após introduzir um tubo endotraqueal em sua laringe, assisti com atenção a seu peito ser aberto e o coração ser preparado para a cirurgia. Logo depois um cirurgião especializado administrou o fluido de perfusão frio, enquanto outro drenava seu sangue com todo o cuidado para um aparelho que o manteria oxigenado e livre de coágulos. Não demorou muito até o paciente se encontrar em animação suspensa e a cirurgia começar.
Eu já havia trabalhado em muitas cirurgias daquelas, e elas sempre me impressionaram. A genialidade da pesquisa que resultou na técnica, a tremenda concentração de cirurgiões capacitados – para mim aquele procedimento levava a medicina a uma nova fronteira.
Olhei para o paciente de meu posto à cabeceira da mesa. Parecia tão morto quanto qualquer paciente morto que eu já tinha visto, no entanto iria voltar à vida e continuar entre os vivos ainda por muitos anos.
Durante a hora seguinte, observei o cirurgião trabalhar com urgência e rapidez, correndo contra o relógio para reparar a artéria danificada. A sala transbordava de ansiedade e tensão, e não só por causa da natureza delicada da operação. Uma boa porcentagem de pacientes que passa por essa cirurgia não sobrevive – não por causa do procedimento, que quase sempre é bem-sucedido, mas porque nem sempre o corpo humano é capaz de voltar da morte. Nessa operação, a frase A cirurgia foi um sucesso, mas o paciente morreu não é considerada uma piada; trata-se de uma realidade de que estamos muito cientes na sala de operação.
Concluída a cirurgia, agimos com grande eficiência para trazer o paciente de volta à vida. Enquanto o sangue era transferido novamente para o corpo dele, ministrei mais anestésicos para que não acordasse antes do tempo. Em seguida o gelo ao redor da cabeça foi removido para que o cérebro pudesse se aquecer. Enquanto o sangue frio amornava devagar, foram acrescentadas plaquetas para aumentar a coagulação e ativadas as pás de cardioversão dos dois lados do músculo cardíaco para que o coração “pegasse no tranco”.
Aquele era o momento em que todos prendíamos a respiração. Se os choques de cardioversão não restaurassem os batimentos, o paciente morreria.
Na terceira tentativa o coração do paciente começou a bater regularmente. Depois de alguns minutos de observação, o cirurgião se aproximou para fazer a sutura. Em seguida o paciente ressuscitado foi levado à unidade de terapia intensiva (UTI) para recuperação.
Fui um dos primeiros a cumprimentá-lo quando ele acordou. Estava grogue, mas sabia onde se encontrava e se sentia feliz por estar ali. Acho que não acreditava que sobreviveria. Quando me viu, abriu um sorriso.
– Eu estava vendo vocês na sala de cirurgia – falou.
Não registrei claramente o que ele disse e devo ter parecido confuso.
– Eu disse que fiquei vendo vocês na sala de cirurgia – repetiu. – Eu estava fora do corpo, flutuando perto do teto.
Como isso pode ser verdade?, perguntei a mim mesmo. Ele estava congelado!
– Isso mesmo – continuou ele. – Vi você na cabeceira da mesa, vi o cirurgião fazendo o remendo na minha artéria, vi aquela enfermeira…
E continuou descrevendo o número de cirurgiões que havia no momento, onde estavam posicionados, o comportamento das enfermeiras e outros acontecimentos que deixavam claro que ele tinha realmente observado a cena de cima.
Eu mal conseguia acreditar no que ele dizia. Durante 25 anos de carreira, tinha atendido centenas de pacientes, muitos deles com o coração quase sem bater quando chegavam à sala de cirurgia. Alguns afirmavam ter visto amigos falecidos durante a parada cardíaca, túneis de luz ou seres brilhantes, mas eu encarava isso como uma espécie de fantasia e os encaminhava ao psiquiatra. Como havia aprendido com um professor da faculdade de medicina: “Se você não consegue tocar, ouvir ou ver em um monitor, mande para o psiquiatra.”
Mas o que tinha acontecido com aquele homem era diferente. Ele estava descrevendo com precisão e grande clareza de detalhes a sala de cirurgia em que eu havia trabalhado – mostrando sinais não só de que estava vivo quando o coração e o cérebro permaneciam inertes, mas também de que estava acordado.
– O seu coração estava parado – falei. – Seu cérebro não tinha nenhuma atividade. Você não poderia ter visto nada. Sua cabeça estava embrulhada em gelo.
O homem congelado me contestou novamente ao descrever detalhes da sala de cirurgia que não havia mencionado antes – informações sobre instrumentos cirúrgicos e comentários sobre coisas que aconteceram durante a operação.
Ele queria continuar falando a respeito, mas o interrompi e receitei uma injeção de Haldol, uma potente droga antipsicótica. O mercado de ações tinha acabado de fechar e eu queria saber como meus investimentos tinham evoluído naquele dia. Claro que não disse isso a ele. Contei uma meia verdade, que tinha outros pacientes para ver, e prometi que voltaria mais tarde para conversar sobre a sua experiência. Cumpri minhas rondas na UTI rapidamente e corri para o Hummer no estacionamento. Dirigir aquele veículo fazia com que eu me sentisse o rei da estrada. Nenhum carro se atrevia a me ultrapassar, e se alguém fizesse isso eu o seguiria tão de perto que poderia ver o medo nos olhos do motorista quando me olhasse pelo retrovisor. Meia hora depois cheguei à entrada da minha mansão em estilo mediterrâneo e corri para o escritório a fim de verificar o mercado de ações.
Pouco tempo depois já tinha esquecido o homem congelado e quaisquer referências de que sua consciência havia saído do corpo.
Não lembro se a história dele fez parte das conversas do jantar em família daquela noite. Provavelmente não. Eu estava um pouco envergonhado de não ter ficado no hospital para ouvi-la por inteiro. No dia seguinte, resolvi não visitá-lo. De qualquer forma, ele já tinha sido transferido para outro setor e não estava mais sob meu encargo. E, afinal de contas, tempo é dinheiro. Eu era materialista nesse nível.
Em poucos dias, ele já tinha se tornado apenas mais uma história.
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No dia seguinte ao Natal de 2010, a curiosa lembrança do homem congelado me assaltou. Aos 53 anos, eu estava numa sala de recuperação do Centro Médico de Los Angeles, na Universidade da Califórnia (UCLA), conversando com um anestesista sobre minha própria experiência de quase morte ocorrida durante uma cirurgia.
O problema é que ele não acreditava em mim, ou simplesmente não se importava. Assim como o homem congelado cuja EQM eu mesmo havia ignorado, eu me aventurara em um mundo espiritual e me sentia mais vivo do que nunca. Não somente eu tinha abandonado completamente meu corpo e meu cérebro para entrar em outro domínio da consciência, como também voltara com uma surpreendente sabedoria. Eu sabia que o lugar que tinha visitado era real, e mais tarde teria provas disso.
Mas, quando tentei falar sobre isso com um colega, pude notar que ele não estava nem um pouco interessado. Na verdade, quando prometeu voltar mais tarde para ouvir a história toda, eu já sabia que o carma – a ideia de que você colhe o que semeou – estava se cumprindo. Assim como eu tinha prometido voltar para ouvir a história do homem congelado, meu colega estava me fazendo a mesma promessa. E, como eu, ele não voltou.
Hoje se tornou minha missão de vida, meu darma, levar ao mundo a mensagem de cura pela consciência, para curar as doenças da alma. Transmito esta mensagem para você por meio deste livro. O sonho da paz espiritual é um sonho comum a todos nós – e eu gostaria de mostrar a você como alcançá-lo.