Parte 1
Conceitos básicos do espiritismo
Espíritos
Nós, espíritas, acreditamos que somos todos seres espirituais, espíritos. E o que são os espíritos? Espírito é o que somos. Nossa essência. Nossa inteligência, nosso entendimento, nosso discernimento, nosso caráter.
Cada espírito é único, individual, e todos nós percorremos um caminho evolutivo. A cada vivência ganhamos experiência e conhecimento. Estamos sempre nos aprimorando intelectual e moralmente.
Morte, desencarne ou passagem?
Vários espíritas usam mais o termo passagem que morte. É que morte, para alguns, traz uma sensação de fim, enquanto passagem dá uma noção de continuidade.
O espiritismo não entende a morte como o fim da vida. É o fim apenas de uma experiência com determinado corpo. Nesse sentido, seria mesmo mais adequado dizer passagem. Passagem deste modo de viver para outro, sem o corpo físico.
Outro termo que frequentemente se usa no espiritismo quando falamos de morte é desencarne.
Desencarne, para mim, lembra tirar a carne, acho meio feio!
Mas nós, espíritas, o usamos para expressar o momento em que o corpo espiritual deixa o corpo físico e se vai, para continuar a viver como espírito, preparando-se para uma próxima encarnação.
Na terra fica o corpo material, que se transformará novamente em outros elementos químicos, compondo outros corpos orgânicos. Já o espírito continua o seu desenvolvimento.
Neste livro, ainda que prefira o termo morte a passagem ou desencarne, lanço mão de todos eles. Quando me refiro ao processo de voltar ao corpo, uso as palavras reencarnar e encarnar, que me parecem adequadas. Feias, mas adequadas.
Encarnação
Não apenas os espíritas, mas a maioria da humanidade acredita que reencarnamos, ou seja, que, após a morte, voltaremos novamente a um corpo para novas experiências, inúmeras vezes. O objetivo dessa volta é nos dar novas chances de aprendizado, do qual precisamos para a nossa evolução. A cada nova volta, viremos numa situação diferente, mas sempre útil e necessária ao estágio evolutivo no qual estivermos: voltaremos ricos ou pobres, doentes ou saudáveis, numa grande metrópole ou num vilarejo, para servir ou ser servidos, poderosos ou não, como homens ou mulheres. Essa variedade de experiências é que vai nos ensinar e dar a amplitude de conhecimento de que necessitamos. É por meio dessa diversidade de situações – e por nosso esforço e vontade – que vamos compreender como nos livrar das más tendências que adquirimos ao longo de nossas idas e vindas.
Lidaremos com a inveja, o orgulho, o ódio, a incompreensão, o preconceito, o egoísmo, o ciúme, a agressividade, o sectarismo, a xenofobia e o medo. Lidaremos com tudo isso e muito mais. E lidaremos com esses sentimentos em nós mesmos e nos outros em relação a nós. Assim aprenderemos o valor do amor, da fraternidade, do perdão, da delicadeza, da compreensão, da empatia, da modéstia, da solidariedade e do servir. Tudo aos poucos, mas sempre. Tarefa para um tempão! Aprendizado de montão!
Livre-arbítrio e causa e efeito
Esses são alguns dos conceitos mais interessantes e importantes do espiritismo.
Livre-arbítrio, Maria, significa que temos livre escolha. Podemos fazer o que quisermos. Tudo mesmo. E arcaremos com as consequências – as benesses e mazelas – dessas escolhas. Posso roubar? Posso. Posso ajudar? Também posso. Mas nada passa sem uma consequência. Se eu roubar, minha vida será mais difícil. Se eu ajudar, ela será mais fácil. Essa é a consequência. Pura lógica. Façamos o que quisermos – isso é livre-arbítrio – e, inexoravelmente, arquemos com as consequências de todas as nossas ações – isso é causa e efeito.
Uma analogia: podemos comer muito? Muita gordura, muito açúcar e muito sal? Podemos ser absolutamente sedentários? Yes, we can. Podemos tudo isso. A pergunta agora passa a ser outra: agindo assim, seremos saudáveis? Dizem a ciência e a experiência que não. Agindo assim, seremos obesos, quase certamente teremos pressão alta, provavelmente seremos diabéticos, acumularemos gordura no fígado, sofreremos de alguma doença cardiovascular, sobrecarregaremos os rins e as articulações e desenvolveremos outras tantas doenças. Mas, se quisermos, podemos agir como descrito? Podemos. Podemos tudo, mas as consequências para a saúde virão. O livre-arbítrio nos permite a ação, e a “causa e efeito” nos dá a consequência disso, positiva ou negativa. Assim é com tudo na vida.
O livre-arbítrio nos leva a outros raciocínios inerentes ao espiritismo:
Deus não pune nem premia. Nós é que nos punimos ou nos premiamos. Nós é que desenhamos nossa vida melhor ou pior conforme nossos atos. O que erroneamente interpretamos por punição é apenas o efeito de uma causa.
Somos senhores de nosso destino. Pelo livre-arbítrio, eu herdo hoje meu passado. Pelo livre-arbítrio, eu desenho hoje meu futuro. Eu sou o arquiteto da minha vida. Se ajo bem, terei um futuro (e um presente) melhor. O contrário também é verdadeiro.
Não há injustiça. Se um sofre e outro não, isso é consequência do que se faz e se fez. Cada um tem sua trajetória, e o modo como a estamos vivendo neste momento diz muito do que somos e, sobretudo, do que fomos. É aquele “a cada um segundo suas obras”. Se sofremos, é porque ainda temos que melhorar aquele comportamento que, no passado, deixou a desejar.
Para cada um, a lição necessária para melhorar, a fim de, por assim dizer, passar de ano. Isso nos ajuda a entender por que aparentemente alguns sofrem muito e outros, nada. É que os do segundo time já passaram por experiências pelas quais os do primeiro ainda não passaram ou não quiseram enfrentar de forma honesta e adequada. Estes ainda têm trabalho por fazer.
Responsabilidade e culpa
O espiritismo enfatiza o conceito de responsabilidade. E refuta o de culpa.
A culpa é pesada, punitiva, derruba a gente. Atribui enorme peso ao erro e cria a absurda noção da impossibilidade de recuperação. Embute o conceito do mal. Destrói.
A responsabilidade é serena e equilibrada. Traz a noção de maturidade, os conceitos de compartilhamento e de bem viver em sociedade, de humanidade, de respeito e de amor.
O espiritismo admite que erramos e erraremos por um bom tempo. E entende o erro como algo normal. Talvez indesejável, mas normal. Sabe que o erro é inerente ao espírito imperfeito ainda em aprendizado e que é assim que aprendemos e nos aperfeiçoamos. Compreende que nosso aprendizado consiste exatamente em corrigir nossos erros. Não folga com eles, mas também não faz da culpa um tormento improdutivo.
Se não aprendermos com o erro e não modificarmos nosso modo de agir, sofreremos. A dor é um alarme, um alerta para que possamos nos cuidar e sair do erro. É como a febre, que nos indica que algo em nosso organismo está em desordem. A febre nos alerta, ajuda na percepção, mas cabe a nós o ato de nos tratar para sair dela. O mesmo vale para o sofrimento.
Então, o sofrimento, a angústia e a dor, nada disso é punição, e sim lógica, consequência natural e inexorável do erro. É ensino. A dor servirá de alerta para que possamos mudar de comportamento e corrigir nosso modo de ser. Esse é o processo de aprendizado e evolução. E isso se faz por meio de vivências em distintas encarnações.
Justiça
Você verá, Maria, que muitas vezes, ao longo do livro, faço menção a justiça. Quando falo de justiça, ou justo, não estou falando de julgamento, de certo ou errado, do bem ou do mal. Não! Nada tão pesado ou maniqueísta. Não estou falando de culpa ou punição. Longe disso.
Quando estiver lendo este livro, procure interpretar justiça como algo justo, adequado, correto, e não como algo punitivo.
Quando falo em justiça, estou me referindo à justiça divina – a justiça como entendida pelo espiritismo. Justiça em seu mais elevado significado: algo lógico, perfeito, equilibrado e coerente. Algo correto. Devido.
É importante compreender esse conceito de justiça para que possamos raciocinar com isenção, lógica e humildade e entender, por exemplo, que a morte de um jovem saudável e bom possa ser algo justo.
Reforma íntima
Mais um conceito-chave do espiritismo. Em minha opinião, o mais bacana. Reforma íntima, Maria, significa empenhar-se na melhora de si mesmo. Significa estudar nosso modo de pensar, falar e agir e descobrir como podemos nos -aprimorar.
O que em nós não está legal? O que está em desarmonia? O que agride o outro e a nós mesmos? O que nos faz mal? E, sobretudo, como podemos nos aperfeiçoar nesses pontos que identificamos? Isso é reforma íntima. É o esforço da própria vontade (livre-arbítrio) reformando nosso caráter. Nós mesmos nos tornando melhores. Aliás, quem, senão nós, tem o poder de nos modificar? Um conceito poderoso e bem bacana, não é mesmo?
A reforma íntima tem tudo a ver com o “Conhece-te a ti mesmo”. Esta é a chave do progresso pessoal: o autoconhecimento aliado ao compromisso com a própria melhora.
Uma curiosidade, Maria: muita gente que começa no espiritismo não segue adiante justamente por conta da reforma íntima. É que dá um pouco de trabalho. Exige que o sujeito esteja disposto a encarar, com honestidade, as suas dificuldades e os seus problemas. Exige que a pessoa tenha a humildade e a maturidade de reconhecer onde erra. E isso é difícil! O ego às vezes fala mais alto. O sujeito não quer assumir que não é tudo isso que quer fazer crer.
A reforma íntima exige atenção, disposição, coragem e humildade para reconhecer suas falhas, seus pontos fracos e, igualmente importante, agir sobre eles. Nem todos estamos dispostos a isso. Muita gente prefere pagar para ser perdoado ou para conquistar uma chamada “graça”. É muito mais cômodo. Não exige esforço. Como se Deus fosse se impressionar com dinheiro ou com uma promessa, ou ainda com certo número de repetições de uma frase decorada.
É uma pena que muita gente ainda não esteja compromissada com a sua melhora, com a sua reforma íntima.
Uma pena por dois motivos. Primeiro, porque esse é, na minha opinião, o único caminho para a paz na Terra. A paz interior leva à paz na humanidade. Quando cada um cuidar de si, de sua melhora, de se corrigir e de ser uma pessoa melhor para com os demais, pronto, tudo estará resolvido.
Segundo, porque as recompensas emocionais para aquele que se dedica à reforma íntima são enormes! Quando começamos a modificar comportamentos que nos fazem mal, que nos tiram o sossego, que nos afastam dos outros, do bem e da felicidade, o alívio e a sensação de liberdade são indescritíveis! A gente percebe que na verdade é dono do próprio nariz. Que, querendo, consegue-se ser uma pessoa muito melhor. E isso traz uma segurança, uma paz e uma felicidade fantásticas. Isso nos aproxima das pessoas e, mais importante, nos aproxima de nós mesmos. Ou melhor, nos aproxima de Deus.
Valores
Quais são os valores do espiritismo?
São os valores universais de toda a humanidade.
Se quisermos resumir em uma palavra, é o amor.
- Amor a Deus
- Amor a si próprio
- Amor ao próximo
- Amor à paz
- Amor ao aprendizado
- Amor à evolução
Lema
Não estou certo se podemos dizer que o espiritismo tem um lema, Maria. Mas, se tiver, é este:
Fora da caridade não há salvação.
Veja que interessante: o espiritismo não diz que fora do espiritismo não há salvação, pois acredita que qualquer religião ou filosofia pode ser muito boa e adequada.
Tampouco diz que fora da verdade não há salvação, pois quem pode dizer onde está a verdade?
Diz apenas que é preciso caridade – que pode ser entendida como o amor em ação –, um princípio básico, um valor universal que pode ser vivido por qualquer pessoa, em qualquer religião ou sem religião alguma.
Em outras palavras, o que o espiritismo prega é a prática da caridade, do bem, da fraternidade e da harmonia entre as pessoas. Nada sectário, pelo contrário.