Prólogo
Quando comecei a carreira como engenheiro florestal, eu sabia tanto sobre a vida secreta das árvores quanto um açougueiro sabe sobre os sentimentos dos animais. A silvicultura moderna é uma ciência que estuda os métodos naturais e artificiais de regeneração dos povoamentos florestais, mas na prática busca a produção de madeira, ou seja, derruba árvores para aproveitar os troncos e, em seguida, plantar novas mudas no lugar. Ao ler qualquer periódico especializado, logo se tem a impressão de que o bem-estar da floresta só interessa na medida em que é necessário para sua administração operacional otimizada. Aos poucos essa rotina distorce sua visão das árvores. Todos os dias eu avaliava centenas de abetos, faias, carvalhos e pinheiros para saber se podiam ir para a serraria e descobrir seu valor de mercado, e isso só serviu para estreitar minha percepção do assunto.
Há cerca de 20 anos, comecei a oferecer treinamento de sobrevivência e excursões na floresta. Mais tarde, também passei a cuidar das áreas de reserva e a administrar funerais naturais – prática em que as cinzas do corpo humano são enterradas em urnas biodegradáveis ao pé das árvores. Conversando com muitos visitantes, mudei minha forma de enxergar a floresta. As árvores tortas, retorcidas, que antes eu considerava de menor valor, deixavam os visitantes fascinados. Aprendi com eles a não prestar atenção só nos troncos e em sua qualidade, mas também em raízes anormais, padrões de crescimento diferentes e camadas de musgo na casca das árvores.
Meu amor pela natureza se manifestou desde que eu tinha apenas 6 anos, mas com essa mudança de perspectiva voltou a ganhar força. De repente, descobri inúmeras belezas que eu mal conseguia explicar a mim mesmo. Na mesma época, a Universidade Técnica da Renânia do Norte-Vestfália em Aachen começou a realizar pesquisas na nossa reserva que responderam a muitas perguntas e suscitaram tantas outras. Minha vida como engenheiro florestal se tornou mais e mais empolgante, e cada dia na floresta passou a ser uma viagem de descobertas.
Tudo isso me fez começar a pensar em maneiras inovadoras de realizar a gestão florestal. Quando você sabe que as árvores sentem dor, têm memória, vivem com seus familiares, não consegue simplesmente cortá-las e matá-las com máquinas grandes e furiosas. Por isso essas máquinas foram banidas da nossa reserva há duas décadas, e, quando troncos são retirados de lá, os lenhadores entram na floresta a cavalo e se locomovem com cuidado. Uma floresta mais saudável, talvez até mais feliz, é mais produtiva, e isso significa aumento de receita. Esse argumento convenceu meu empregador, o município de Hümmel, e hoje este vilarejo na região montanhosa de Eifel, no oeste da Alemanha, não considera nenhuma outra forma de gestão florestal. Com isso, as árvores respiram aliviadas e revelam mais segredos, sobretudo os grupos que vivem totalmente em paz nas áreas de proteção recém-criadas. Sempre terei o que aprender com elas, e só o que descobri até agora sob esse dossel de folhas já é muito mais do que eu teria sonhado no começo da minha jornada.
Neste livro, quero dividir com você a alegria que as árvores podem proporcionar e ajudar a fazer com que, em seu próximo passeio pela floresta, você descubra pequenas e grandes belezas.
1. Amizades
Há alguns anos, encontrei pedras estranhas cobertas de musgo em uma das antigas matas de faia da nossa reserva. Tinham um formato curioso, levemente curvado, com reentrâncias. Quando levantei um pouco da camada de musgo, descobri que, na verdade, eram cascas de árvore. Ou seja, não eram pedras, mas madeira velha. Em solo úmido a madeira de faia apodrece em poucos anos, por isso fiquei surpreso ao constatar como aqueles pedaços eram duros.
O que me espantou de verdade, porém, foi perceber que era impossível erguê-los. Pareciam presos ao solo. Com cuidado, usei um canivete para raspar um pouco da casca e revelei uma camada verde. Essa cor só aparece quando há clorofila, que existe nas folhas frescas e é armazenada nos troncos das árvores vivas. Os pedaços de madeira não estavam mortos. Logo depois notei que as outras “pedras” formavam um círculo de 1,5m de diâmetro, e uma imagem lógica surgiu na minha cabeça: eram os restos de um tronco de árvore gigantesco e ancestral.
Só havia vestígios de suas bordas externas. Toda a parte interna já havia virado húmus – um claro indício de que o tronco provavelmente foi derrubado há 400 ou 500 anos. Mas como aquelas sobras ficaram tanto tempo vivas? Afinal, suas células precisam receber nutrientes (na forma de açúcar), respirar e crescer pelo menos um pouco. Sem folhas isso é impossível, pois elas não conseguiriam realizar a fotossíntese. Nenhum ser vivo deste planeta aguenta séculos de jejum, e isso também vale para restos de árvores – ao menos para troncos abandonados à própria sorte.
No entanto, estava claro que aquele exemplar provava o contrário. Através das raízes, recebia ajuda das árvores vizinhas. Pode ser apenas uma ligação remota por meio de redes de fungos que recobrem as pontas das raízes e promovem a troca de nutrientes entre os exemplares, mas também há casos em que as raízes em si estão conectadas. Eu não quis realizar escavações no local com receio de danificar o velho tronco, por isso não consegui descobrir qual era o caso, mas uma coisa era certa: as faias vizinhas mantinham o resto de tronco vivo bombeando uma solução de açúcar para o que restava da árvore.
Às vezes, vemos em barrancos como as raízes das árvores são emaranhadas. Nas encostas, a terra é levada pela água da chuva e deixa à mostra a rede subterrânea de raízes. Cientistas em Harz, uma cadeia de montanhas ao norte da Alemanha, descobriram que a maioria dos indivíduos de uma espécie e de uma população é interligada por um sistema entremeado de raízes. É normal que elas troquem nutrientes e ajudem as vizinhas em casos de emergência, e isso nos faz concluir que as florestas são superorganismos – formações semelhantes, por exemplo, a um formigueiro.
Também podemos nos perguntar se as raízes das árvores simplesmente não cresceriam de forma aleatória e se conectariam ao encontrar outras da mesma espécie. Segundo essa hipótese, a partir desse acaso não teriam outra escolha a não ser trocar nutrientes, formar uma suposta comunidade e ter uma relação na qual ocasionalmente forneceriam e receberiam nutrientes. Nesse caso, a bela imagem de que as árvores se ajudam de maneira ativa seria desfeita pelo princípio do acaso, embora mesmo esses mecanismos fortuitos ofereçam vantagens para o ecossistema da floresta. Mas a natureza não funciona de forma tão simples.1 De acordo com Massimo Maffei, as plantas e, portanto, as árvores conhecem muito bem as diferenças entre suas raízes e as de outras espécies e até as de outros exemplares da mesma espécie.
Por que as árvores são seres tão sociais? Por que compartilham seus nutrientes com outras da mesma espécie e, com isso, ajudam suas concorrentes? Os motivos são os mesmos que movem as sociedades humanas: trabalhando juntas elas são mais fortes. Uma única árvore não forma uma floresta, não produz um microclima equilibrado; fica exposta, desprotegida contra o vento e as intempéries. Por outro lado, muitas árvores juntas criam um ecossistema que atenua o excesso de calor e de frio, armazena um grande volume de água e aumenta a umidade atmosférica – ambiente no qual as árvores conseguem viver protegidas e durar bastante tempo.
Para alcançar esse ponto, a comunidade precisa sobreviver a qualquer custo. Se todos os espécimes só cuidassem de si, grande parte morreria cedo demais. As mortes constantes criariam lacunas no dossel verde. Com isso, as tempestades penetrariam a floresta com mais facilidade e poderiam derrubar outras árvores. O calor do verão ressecaria o solo. Todos os espécimes sofreriam.
Assim, cada árvore é valiosa para a comunidade e deve ser mantida viva o máximo de tempo possível. Mesmo os espécimes doentes recebem ajuda e nutrientes até ficarem curados. E uma árvore que no passado auxiliou outra pode no futuro precisar de uma mãozinha. Quando as enormes faias se comportam dessa forma, me fazem lembrar de uma manada de elefantes. A manada também cuida de seus membros, ajuda os indivíduos doentes e fracos e reluta até em deixar os mortos para trás.
Todas as árvores fazem parte dessa comunidade, mas dentro dela existem níveis de distinção. Assim, enquanto a maioria dos tocos de árvores cortadas apodrece e vira húmus, desaparecendo em algumas décadas (para árvores, pouquíssimo tempo), somente alguns espécimes são mantidos vivos através dos séculos, como a “pedra com musgo” com a qual deparei na floresta. E por que elas se diferenciam dessa forma? As árvores se organizam em uma sociedade de classes? Parece que sim, mas a expressão “classe” não é a mais exata. Acima de tudo, a decisão de ajudar as colegas depende muito mais do nível de proximidade ou talvez até de afinidade entre os exemplares envolvidos.
É possível compreender isso olhando para a copa das árvores. Uma árvore normal estende seus galhos até alcançar a altura da ponta dos galhos de uma vizinha do mesmo tamanho. Não vai além disso porque o espaço (e o local de melhor incidência de luz) já está ocupado. Depois, fortalece os galhos que expandiu, e a impressão é de que existe uma verdadeira briga lá em cima. No entanto, desde o início um par de árvores amigas de verdade cuida para que nenhum galho grosso demais se estenda na direção da outra. Elas não desejam tirar nada uma da outra, por isso só engrossam os galhos e os esticam na direção das “não amigas”. Esses pares de árvores mantêm uma ligação tão íntima pelas raízes que às vezes até morrem juntos.
Geralmente, esse tipo de amizade que proporciona alimentação até a restos de árvores só existe em florestas naturais. Talvez todas as espécies façam isso, pois, além das faias, já encontrei tocos de carvalhos, pinheiros, abetos e douglásias mantidos vivos por outros espécimes próximos. Já as florestas plantadas (como é o caso da maioria das florestas de coníferas da Europa Central) se comportam de maneira mais individualista, como veremos no Capítulo 27.
Como são plantadas, suas raízes são danificadas de forma permanente e parecem nunca se encontrar para formar as redes. Em geral, as árvores plantadas se comportam como indivíduos solitários, por isso enfrentam muitas dificuldades e na maioria dos casos nem envelhecem – dependendo da espécie, seus troncos são considerados maduros para serem derrubados aos 100 anos.