Introdução
Eis um mapa-múndi diferente daqueles aos quais estávamos habituados. Nele o Brasil surge imenso, o maior país do planisfério. Por contraste, os vastos territórios do norte, sempre dominantes nos mapas tradicionais, agora aparecem raquíticos, como que espremidos.
Este mapa projeta em termos visuais aquilo que a combinação de luz, água e ar gera na Terra. Exibe o tamanho do que faz a natureza: energia e vida, em todas as suas formas possíveis. O Brasil aparece imenso por ser o território no qual mais se produz vida em todo o planeta. No auge do verão no país, no mês de janeiro retratado, tal produção atinge o máximo – enquanto no inverno do norte acontece o contrário.
O mapa não foi traçado para alegrar os brasileiros, mas para deixar evidente um potencial econômico – algo ainda mais espantoso do que as diferenças nas proporções territoriais. A associação entre produção natural e produção material humana soa estranha, porque modifica uma noção secular.
A maior parte de nós está muito pouco acostumada a pensar no crescimento econômico como algo vinculado ao estado das condições naturais. E muita gente pensa o contrário disso, ou seja, que a conservação da natureza é um entrave ao desenvolvimento. Nada de estranho nessa associação: pelos últimos séculos, o homem só fez produzir imaginando-se como opositor da natureza. Daí que essa concepção tenha se entranhado profundamente em nossa cultura.
Mas tal oposição entre “natureza” e “desenvolvimento” está sendo reavaliada – e o mapa é uma das expressões desse novo procedimento. Seu título original é “Produtividade Primária Bruta”. A primeira palavra, “produtividade”, é um termo que vem do campo da economia. Em estado de dicionário, tem a seguinte acepção: “É a relação entre os meios, os recursos utilizados e a produção final. É o resultado da capacidade de produzir, de gerar um produto, fruto do trabalho, associado à técnica e ao capital empregado.”
O choque de sentido entre o emprego do termo na imagem e na tradição lexicográfica é imenso. No mapa, o sujeito produtor vem a ser a natureza. Na definição tradicional da economia, a natureza simplesmente fica fora do valor produtivo: o trabalho, a técnica e o capital – a atividade humana em oposição ao estado natural – geram um produto; a natureza não passa de um elemento passivo, a matéria-prima (“os recursos utilizados”, no verbete do dicionário).
Pois bem. Este livro é um convite para conviver com a concepção de produção econômica que funciona A PARTIR da natureza, algo que exige novos conceitos. São eles que estão por trás do mapa, permitindo formular uma visão que leva em conta o que ocorre na natureza não apenas como algo que tem valor, mas como o próprio centro de criação de valor na economia.
Embora os conceitos sejam novos, essa não é uma economia que vai começar – e este não é um livro de idealismos. A economia cuja produtividade está relacionada à natureza, no setor privado, já domina mercados relevantes por causa de sua competitividade e eficiência – os exemplos reais ocupam a maior parte do texto. Não se restringe ao mercado: metas relacionadas à natureza estão no centro do planejamento estratégico governamental de grandes economias.
Assim está sendo criado o sólido suporte real que liga a noção central de produção natural com a geração de riqueza econômica. Essa coincidência entre novos conceitos e uma realidade transformada é aqui denominada Paraíso Restaurável.
Como se verá ao final da leitura, o Brasil já possui bases reais importantíssimas para dar o passo na direção da liderança nessa nova economia, especialmente no campo da energia. Essas bases reais são construções seculares de empreendedores e trabalhadores, resultam de políticas e instituições herdadas da história, além de uma cultura própria que permitiu tudo isso. Mas não foram construídas com vistas a essa nova economia, embora tudo tenha sido estruturado no território da natureza produtiva.
O que existe foi construído com a noção tradicional, que opõe “natureza” a “desenvolvimento”. Ignorando a riqueza do mapa, pensada como obstáculo. Por isso, sem mudar conceitos, não se chega lá. Só com uma reviravolta de ideias é possível saber como e por que o Brasil pode ter futuro numa economia renovada pelo aproveitamento da produtividade natural.
Para revirar os conceitos, o livro começa com a análise de duas noções que relacionam humano e natureza de maneira oposta à dominante atual: o Paraíso bíblico e a Terra Sem Mal, dos Tupi-Guarani. O encontro dessas duas correntes marca também o surgimento do ponto territorial nomeado “Brasil” e uma civilização.
Essa imersão no passado local não tem nada de exotismo. A recuperação de noções históricas como essas está acontecendo por toda parte em que o novo norte econômico se instala. Por isso os casos nacionais mais importantes de mudança – Alemanha (e União Europeia), China e Estados Unidos – são mostrados inclusive com as noções culturais nacionais transcendentes que foram consideradas relevantes para justificar (ou recusar) a transformação em cada um.
Essa recombinação ganhou contornos muito maiores com a irrupção de um fenômeno multissecular. Desde a peste negra, no século XIV, nenhum evento ambiental tivera o condão de derrubar a economia do mundo. A gripe espanhola de 1918 não teve esse impacto; nem mesmo as primeiras zoonoses contemporâneas da nova economia (HIV/aids, Ebola, Sars, etc.) chegaram a tanto. O novo coronavírus (SARS-CoV-2) levou menos de dois meses para passar de um obscuro ponto de origem ambiental – um pangolim ou uma fuga de material em laboratório são os símbolos atribuídos como mito de origem – para a humanidade e o globo terrestre, provocando uma recessão mundial no caminho de sua devastação.
O impacto econômico dessa primeira onda foi muito mais pesado na economia tradicional que nos setores que se organizam a partir de novos conceitos. E isso coloca a pergunta: haverá força de recuperação para as formas mais antigas ou uma mudança ainda mais irreversível começa a se esboçar?
A dúvida torna maior a necessidade de entender a noção de natureza como valor – e o valor de uma nova noção para o Brasil, nos moldes de um Paraíso Restaurável. Na hipótese de sobrevivência das formas antigas, haveria apenas um susto na pasmaceira nacional; no segundo caso, haveria a necessidade de restaurar – mas também um futuro tão promissor como o tamanho da imagem nacional no mapa. Para restaurar, no entanto, é preciso começar pelo conhecimento do original.