Apresentação
A ideia deste livro sempre me fascinou. É uma honra ter a oportunidade de assinar a versão brasileira de Cartas a um jovem advogado. Li o similar americano, Letters to a Young Lawyer, escrito por Alan Dershowitz. Dershowitz é, como se sabe, um grande nome do Direito norte-americano. Esteve à frente de alguns casos bastante polêmicos, um deles o famoso julgamento de O. J. Simpson. Foi até encarnado no cinema, em O reverso da fortuna, por conta de outra das personalidades controvertidas que defendeu. Diante do autor da versão americana, minha responsabilidade não era pequena.
Meu primeiro impulso foi começar pelo começo. Cheguei a idealizar todo um capítulo sobre as origens do Direito e o conceito de Justiça. Parei. Cheguei à conclusão de que o livro cumpriria melhor a missão a que se propõe se utilizasse uma linguagem mais coloquial. Minha intenção foi oferecer um pouco de minha experiência pessoal, desde os primeiros tempos de estudante até os dias de hoje. Com base nessas experiências, procurei deixar algumas sugestões, apontar certos caminhos. Tive em mente, todo o tempo, o jovem que um dia imaginou seguir a carreira jurídica. Espero, sinceramente, que este livro seja um estímulo nessa direção.
Busquei incluir capítulos sobre assuntos que se tornaram relevantes ao longo dos anos, como arbitragem e compliance. Discuto ainda tendências do mercado, como a crescente e irreversível participação das mulheres no Direito e a importância do uso de tecnologia na prática profissional. Entrego aos leitores, assim, um livro completo, com a proposta de orientar jovens advogados e estudantes em suas escolhas profissionais.
Hollywood nem sempre é generosa com os advogados. Um exemplo é o filme O advogado do diabo, com Al Pacino, cujo personagem, sócio majoritário de uma banca de advocacia americana, contrata um advogado iniciante, personagem de Keanu Reeves. À medida que o filme se desenrola, constata-se que o personagem de Al Pacino é o próprio diabo. O diabo em pessoa, na pele de um advogado. O cinema em geral capta o que está no imaginário popular. Por que um advogado é escolhido para personificar o próprio demo?
Já discuti o assunto exaustivamente. Minha profissão está longe de ser demoníaca. Felizmente, o filme citado reserva uma espécie de redenção para o jovem advogado vivido por Reeves, apesar de uma sequência final marcada pela ambiguidade. Perto do desfecho, Reeves se recusa a prosseguir com a defesa de um homem que cometeu um crime brutal.
Em outro filme americano, O mentiroso, Jim Carrey interpreta um advogado que tem sua vida virada de cabeça para baixo ao ser obrigado a passar um dia inteiro sem mentir. Novamente, advogados são associados a valores condenáveis e comportamentos duvidosos. No final, uma vez mais, o personagem encontra a redenção. Carrey decide fundar sua carreira em novas bases, sem mentiras ou manipulações.
Por que advogados são associados a vilões com tanta frequência? Uma das razões pode estar no fato de que a advocacia sempre lida com o poder, em suas naturezas mais variadas. O próprio saber jurídico é um poder em si. Em um país como o Brasil, o mero acesso ao conhecimento já é a materialização de algum nível de poder.
Como em toda profissão, no Direto há bons e maus profissionais. Talvez no Brasil, por suas características culturais, os maus advogados tenham recebido maior exposição. São os que fazem uso indevido do conhecimento adquirido. Isso contribui para manchar nossa reputação.
Este livro, que chega às mãos de advogados iniciantes, apaixonados pela profissão como eu, é também uma tentativa de redenção. Por meio dele, gostaria de resgatar a aura que essa carreira já teve um dia e comunicar aos mais jovens o orgulho que tenho por exercer um dos mais nobres ofícios que um ser humano pode exercer.
O mesmo cinema que nem sempre tem sido generoso com a advocacia produziu um filme como O sol é para todos, de 1962. Poucos personagens poderiam ser mais dignos do que Atticus Finch, advogado íntegro que defende um negro acusado de estupro. Foi um filme que certamente influenciou milhões de pessoas a desejar seguir a carreira jurídica. Vivido por Gregory Peck, Atticus Finch foi um grande herói do cinema. Não somos heróis, é verdade. Também não somos o diabo de Al Pacino. Quem somos? Não sei. Não há uma resposta única.
Talvez este livro ajude o leitor a descobrir quem ele deseja ser. Quem sabe o auxilie a reconhecer sua verdadeira vocação, que tipo de inclinação deve orientar sua carreira. O que talvez se possa perseguir é, ao menos, alguma espécie de grandeza. Uma grandeza de outra ordem. Não exatamente a grandeza de uma grande causa humanitária, como salvar a vida de um inocente. O que talvez se possa e deva perseguir é a grandeza de reconhecer que somos feitos da mesma natureza, não importa a profissão. Essa natureza deve vir acompanhada de princípios inegociáveis e de traços que nos tornarão profissionais únicos, à nossa maneira.
O que precisamos descobrir é o que vai nos diferenciar em cada atividade. No meu caso, sou movido pela paixão. Acho que não há advocacia sem paixão, como provavelmente não há jornalismo sem paixão, ou medicina sem paixão, ou teatro sem paixão. É o que me diferencia. Procuro exercer essa paixão em cada gesto, em cada movimento.
A paixão se traduz em alguns princípios, dos quais jamais me desvio. São esses princípios e convicções que procuro descrever aqui, além do relato de algumas experiências de ordem bastante pessoal. É uma conversa despretensiosa, leve, voltada para o jovem profissional do Direito. Se, um dia, este livro for lembrado por alguns desses jovens advogados como um estímulo a seguir essa carreira, terei sido bem-sucedido. Eu terei, a meu modo, colaborado um pouquinho para o desenvolvimento de minha profissão e demonstrado o orgulho que sinto por ela. Espero transmitir um pouco desse orgulho a cada um dos leitores.