Introdução
A primeira negociação
“Quem quer mudar o mundo precisa primeiro mudar a si mesmo.”
– sócrates
Qual é a melhor forma de negociar? Como resolver os conflitos que surgem naturalmente entre colegas e chefes, cônjuges e parceiros, clientes e consumidores, filhos e familiares – aliás, em qualquer interação? Como conseguir o que realmente queremos e, ao mesmo tempo, lidar com as necessidades de outras pessoas em nossa vida? Talvez nenhum outro dilema humano seja mais generalizado e desafiador.
Tenho trabalhado com essa questão durante toda a minha vida profissional. Há cerca de 35 anos, tive o privilégio de escrever com Roger Fisher, meu falecido mentor e colega, Como chegar ao sim. Esse livro ajudou muita gente a negociar com sucesso no trabalho, em casa e na sociedade como um todo. Depois de vender milhões de exemplares em todo o mundo, ele transformou em muitas pessoas a maneira de lidar com as diferenças, contribuindo para o fim da busca de um resultado desigual em que um precisa perder para o outro ganhar e estimulando a abordagem ganha-ganha, em que todas as partes envolvidas saem satisfeitas.
Chegar a acordos convenientes para todos, porém, costuma ser uma tarefa muito árdua. Desde a publicação de Como chegar ao sim, tive a oportunidade de treinar dezenas de milhares de pessoas, em uma ampla variedade de situações, nos métodos de negociação que buscam benefícios para os dois lados. Trabalhei com gestores, advogados, operários de fábrica, professores, diplomatas, pacifistas, parlamentares e autoridades públicas. Muitos desses participantes conseguiram mudar o jogo, indo do ganha-perde para o ganha-ganha, mas outros tiveram dificuldade em dar a virada. Mesmo que tenham aprendido os fundamentos do estilo ganha-ganha de negociar, retrocedem aos métodos destrutivos e desiguais ao enfrentar conflitos, geralmente atribuindo a recaída ao fato de estarem negociando com pessoas difíceis.
Como concentrei meu trabalho justamente nas interações com pessoas difíceis e no enfrentamento de situações desafiadoras, achei que seria capaz de ir além e oferecer novos insights nesse sentido. Escrevi, então, Supere o não – Negociando com pessoas difíceis, e, mais recentemente, outro livro, O poder do não positivo – Como dizer não e ainda chegar ao sim. Os métodos descritos nessas obras também ajudaram muita gente a resolver suas disputas do dia a dia, mas eu sentia que ainda faltava alguma coisa.
Acabei concluindo que meu trabalho ainda precisava abordar de forma específica nossa primeira e mais importante negociação: aquela que realizamos com nós mesmos. Afinal, como esperar chegar ao sim com os outros, principalmente nas situações mais complexas, se não conseguimos, antes, chegar ao sim com nós mesmos?
Nossos piores adversários
Todos nós realizamos diversas negociações diariamente. No sentido mais amplo do termo, negociar é desenvolver qualquer comunicação interpessoal em mão dupla, na tentativa de chegar a um acordo entre as partes. Ano após ano, faço a diferentes públicos a seguinte pergunta: “Com quem você negociou hoje?” As respostas que recebo geralmente começam com “cônjuges” ou “companheiros”; em seguida, “filhos”; depois, “chefes”, “colegas” e “clientes”; e, finalmente, “todo mundo, o tempo todo”. Às vezes, no entanto, alguém responde “Negocio comigo mesmo”, e os demais geralmente dão risada – a risada do reconhecimento.
Negociamos não só para chegar a um acordo, mas também para conseguir o que queremos. Depois de atuar durante décadas na condição de mediador em conflitos difíceis – de brigas de família e rixas em reuniões de conselhos executivos a greves trabalhistas e guerras civis –, descobri que os maiores obstáculos para conseguir o que queremos na vida não são as outras partes, por mais intratáveis que sejam os adversários, mas, sim, nós mesmos.
Nós nos sabotamos reagindo de maneira incompatível com os próprios interesses. Numa disputa de negócios, um sócio chama o outro de mentiroso na imprensa; este, por sua vez, entra com uma ação por difamação, envolvendo ambos em um processo judicial dispendioso. Em uma conversa delicada sobre divórcio, o marido se descontrola, ataca verbalmente a mulher e sai da sala fora de si, comprometendo o próprio interesse expresso de resolver o conflito em termos amigáveis, para o bem da família.
Por trás de nossas reações tempestuosas em momentos de confronto está a mentalidade hostil ganha-perde, com base no pressuposto de que só uma das partes deve sair vitoriosa – nós ou eles –, não ambas. Não importa que sejam gigantes dos negócios lutando pelo controle de um império comercial, crianças engalfinhando-se por um brinquedo ou grupos étnicos brigando por um território, todos parecem partir da premissa de que um lado só vence se o outro perder. Mesmo quando queremos cooperar, receamos que o outro lado tire proveito da situação, explorando-nos. O que sustenta essa mentalidade é o senso de escassez, o medo de que os recursos não sejam suficientes e por isso temos que garantir a nossa parte, mesmo que em prejuízo dos outros. Com frequência, o resultado dessa forma de agir é os dois lados ficarem com menos.
O maior obstáculo ao sucesso, porém, também pode acabar sendo nossa melhor oportunidade. Se aprendermos primeiro a nos influenciar, antes de procurar influenciar os outros, seremos mais capazes de satisfazer as nossas necessidades assim como de atender as necessidades alheias. Em vez de atuarmos como nossos piores adversários, podemos nos tornar nossos maiores aliados. Esse processo de transformação pessoal de oponente em aliado é o que chamo de chegar ao sim com você mesmo.
Seis passos desafiadores
Passei muitos anos estudando o processo de chegar ao sim com você mesmo explorando profundamente minhas vivências pessoais e profissionais, e também observando experiências alheias. Tentei compreender o que nos impede de conseguir o que realmente almejamos e o que nos ajuda a satisfazer as nossas necessidades e também a chegar ao sim com os outros. Reuni o que aprendi em um método de seis passos, sendo que cada um deles trata de um desafio pessoal específico.
Talvez esses seis passos pareçam mero senso comum. Mas, após três décadas e meia como mediador, posso garantir que, na verdade, o método está mais para senso incomum, ou seja, senso comum raramente aplicado. Pode ser que você já conheça alguns ou até todos os passos individualmente. Aqui, porém, eles estão combinados num método integrado que pretende ajudar você a mantê-los sempre em mente e aplicá-los de maneira consistente e eficaz.
Em resumo, os seis passos são os seguintes:
1. Coloque-se no seu lugar. O primeiro passo é compreender a fundo seu adversário mais poderoso: você. É muito comum cair na armadilha de ficar se julgando o tempo todo. O desafio é fazer o oposto e ouvir com empatia suas necessidades básicas, do mesmo modo que você faria com um cliente ou parceiro valioso.
2. Desenvolva sua Batna interior. Quase todos nós tendemos a jogar a culpa pelo conflito em outras pessoas. O desafio é fazer o oposto e tornar-se responsável por sua vida e por seus relacionamentos. Mais especificamente, é desenvolver a Batna interior (Best Alternative To a Negotiated Agreement, ou Melhor Alternativa a um Acordo Negociado) e assumir o compromisso de cuidar de seus interesses, independentemente do que os outros façam ou deixem de fazer.
3. Reenquadre seu panorama. O medo natural da escassez se manifesta em praticamente todo mundo. O desafio é mudar a maneira como você vê a sua vida, criando as próprias fontes de satisfação independentes e autossuficientes. É pensar que a vida está do seu lado, mesmo quando ela parece hostil.
4. Mantenha-se no presente. No calor do conflito, é fácil se perder em ressentimentos do passado ou em preocupações com o futuro. O desafio é fazer o oposto e viver o presente, a única condição em que é possível experimentar a verdadeira satisfação e também mudar a situação para melhor.
5. Respeite os outros. É tentador reagir à rejeição com rejeição, ao ataque pessoal com ataque pessoal, à exclusão com exclusão. O desafio é surpreender os outros com respeito e inclusão, mesmo que se trate de pessoas difíceis.
6. Saiba dar e receber. É muito comum, principalmente quando os recursos são escassos, cair na armadilha do ganha-perde e se concentrar em satisfazer apenas as próprias necessidades. O desafio final é mudar o jogo para o ganha-ganha-ganha, dando antes de receber.
O processo de chegar ao sim com você mesmo deve ser visto como uma jornada circular para o “sim interior”, conforme mostra o diagrama a seguir. Esse sim interior é uma atitude construtiva incondicional de aceitação e respeito – primeiro em relação a si mesmo, depois para com a vida e, finalmente, nas interações com os outros. Você diz sim para si mesmo colocando-se no seu lugar e desenvolvendo sua Batna interior. Diz sim para a vida reenquadrando seu panorama e mantendo-se no presente. Diz sim para os outros respeitando-os e sabendo dar e receber. Cada sim abre caminho para o seguinte. Juntos, esses três sim formam um único sim interior que torna muito mais fácil chegar a um acordo com as outras partes, mesmo nas disputas mais acirradas.
Para ajudar a ilustrar o método do sim interior, usarei não só histórias minhas como também de pessoas que me relataram suas experiências. Considerando que ao longo de minha carreira atuei como mediador e consultor de negociações em alguns dos conflitos mais árduos do mundo, eu me preparei para resistir às pressões ao ser atacado por pessoas poderosas, como presidentes e comandantes guerrilheiros, controlando meus impulsos e respeitando pessoas difíceis de serem respeitadas.
Conforme constatei, os mesmos princípios de negociação que ajudam a chegar ao sim exterior também facilitam a obtenção do sim interior. O que é eficaz na solução de conflitos externos pode funcionar internamente.
Embora às vezes chegar ao sim com você mesmo soe simples, com base em minha experiência pessoal e profissional eu diria que trata-se de uma das metas mais difíceis de serem alcançadas. Afinal, nós, seres humanos, somos criaturas reativas. Nada mais natural que julgar a nós mesmos, culpar os outros, temer a escassez e rejeitar quando somos rejeitados.
Por mais objetivo que possa parecer ouvir a própria voz interior, assumir a responsabilidade pelas próprias necessidades ou respeitar os outros, agir realmente dessa maneira talvez seja mais árduo do que gostaríamos de admitir. Procurei depurar o processo de chegar ao sim com você mesmo resumindo-o em princípios básicos, de modo a facilitar sua aplicação nas circunstâncias mais complexas, especialmente quando as emoções estão à flor da pele.
Quaisquer que sejam as dificuldades, porém, a verdade é que temos capacidade de sobra para superá-las. Dispomos dos melhores instrumentos para realmente alcançar o que queremos da vida. Por meio do aprendizado e da prática, somados à análise de nossas atitudes e à implementação de novos comportamentos, poderemos conseguir resultados que irão superar muito os investimentos em tempo e esforço.
Por experiência própria, posso dizer que chegar ao sim com você mesmo não é apenas a negociação mais desafiadora, mas também a mais recompensadora de todas.
Como usar este livro
Você pode usar o método do sim interior de várias maneiras. Uma delas é rever os seis passos antes de uma conversa ou negociação importante – de preferência, com um dia de antecedência, para se preparar adequadamente, mas, se sua agenda estiver muito apertada, é possível fazer isso em poucos minutos. Esse processo será útil para garantir que, ao interagir com outra pessoa, você não atue como seu pior adversário, mas sim como seu melhor aliado. Aliás, sugiro que, ao ler este livro, você tenha em mente uma situação desafiadora ou um relacionamento problemático com que esteja lidando. Além de aprender e se beneficiar mais com a leitura ao aplicar os seis passos a um caso específico, você também estará em melhores condições para obter acordos mutuamente satisfatórios.
Será muito mais fácil chegar ao sim com você mesmo como forma de preparação para uma negociação real se tiver praticado os seis passos regularmente, com antecedência suficiente. Siga o exemplo dos atletas, que treinam de maneira constante a fim de apresentar o melhor desempenho possível nas competições. Chegar ao sim com você mesmo é uma prática diária, que não deve se restringir a situações especiais.
Todos os dias temos diversas oportunidades de ouvir nossas necessidades básicas, de nos responsabilizar pelo atendimento dessas demandas e de mudar nossa abordagem de ganha-perde para ganha-ganha. Agindo assim, podemos evitar conflitos desnecessários e tornar nossas negociações regulares muito mais tranquilas. Para quem não está acostumado a olhar para o próprio interior, isso pode parecer um pouco cansativo. Tudo bem se precisar ir devagar. Como fã de trilhas e alpinismo, acredito muito em completar longos percursos com pequenos passos.
Essencialmente, Como chegar ao sim com você mesmo propõe um novo estilo de vida e uma nova forma de se relacionar com qualquer pessoa em qualquer situação, pessoal ou profissional. Ao terminar a leitura, você certamente notará uma melhora na sua capacidade de negociar com eficácia. No entanto, este livro foi concebido com um objetivo muito mais amplo: contribuir para que você alcance a satisfação interior e, com isso, torne sua vida melhor, seus relacionamentos mais saudáveis, sua família mais feliz, seu trabalho mais produtivo e o mundo mais pacífico. Meu desejo é ajudá-lo a obter sucesso na disputa mais importante de todas – o jogo da vida.