Prefácio
O objetivo deste livro é ajudar você a se expressar de maneira verdadeira, mantendo o respeito por si mesmo e pelo outro. Thomas d’Ansembourg sugere que você mergulhe em um diálogo interior bastante franco, a fim de melhorar seus relacionamentos e deixar de lado alguns hábitos que limitam suas escolhas.
O método proposto pelo autor questiona os condicionamentos inconscientes que costumamos ter.
Essa é uma tarefa árdua, porque, para chegar a enunciar de modo claro o que existe dentro de nós, é necessário nos desvencilharmos desses condicionamentos. A empreitada é revolucionária, pois durante o percurso descobrimos que nos mostrar com clareza expõe nossa vulnerabilidade e revela nosso orgulho. É também perturbadora, já que traz à tona nossa tendência a deixar tudo como está, receosos de incomodar os outros e de que os outros nos incomodem se ousarmos ser sinceros. Além disso, é ao mesmo tempo provocante e estimulante, pois convida cada um de nós a trabalhar a própria mudança, em vez de esperar que o outro mude.
Compreendi todo o potencial da Comunicação Não Violenta durante uma expedição pelo deserto do Saara, na qual atuei como consultor psicológico. Por sugestão de Thomas d’Ansembourg, concordei com a participação de alguns jovens do centro para menores desabrigados em que ele trabalhava.
Apesar de eu ter aceitado o convite, quase me arrependi quando um dos jovens ameaçou um adulto com uma faca. A quilômetros de distância de qualquer área urbana, fiquei bastante assustado com aquela demonstração de violência. É claro que eu não queria que nenhuma das pessoas que trabalhavam comigo corresse o risco de ser agredida, então na época não vi outra solução a não ser mandar os encrenqueiros de volta para casa o mais rápido possível. Na verdade, aquele foi um jeito fácil de me livrar do problema.
Comuniquei minha decisão a Thomas. Sem rejeitar minha proposta, ele me pediu algumas horas para conversar com a equipe. Para minha surpresa, ao final das discussões, a paz voltou a reinar entre a equipe e os jovens. Fiquei impressionado com a paciência de Thomas e me dei conta de que a técnica de Comunicação Não Violenta que ele aplicava merecia ser estudada.
Foi depois desse episódio que Thomas d’Ansembourg passou a participar de meus grupos de trabalho como assistente.
Estamos habituados a avaliar, a julgar e a rotular os outros sem lhes revelar nossos próprios sentimentos. De fato, quem pode se vangloriar de tentar apresentar um inventário dos sentimentos que geram nossos julgamentos antes de enunciá-los? Quem se dá ao trabalho de identificar e enumerar nossas necessidades reprimidas ou as palavras que pronunciamos? Quem tenta fazer pedidos realistas e negociáveis nos relacionamentos?
Embora todas as nossas necessidades sejam justas, nem todas podem ser satisfeitas. É preciso encontrar um meio-termo, e é aí que a Comunicação Não Violenta se mostra mais eficaz.
Essa técnica faria milagres na política. Ela deveria ser ensinada até aos alunos do ensino fundamental, pois os ajudaria a se expressarem com mais clareza. Os casais são alguns dos que mais se beneficiam desse trabalho terapêutico e conseguem resolver muitos de seus conflitos, curando feridas dolorosas e superando obstáculos que prejudicam uma convivência tranquila com o parceiro. A Comunicação Não Violenta nos oferece a possibilidade de compreender nossos problemas, de modo a encontrar um efeito prático no cotidiano.
Em geral os princípios de todos os métodos de comunicação são fáceis, a prática é que costuma oferecer algumas dificuldades. Portanto este livro pode ser visto como um verdadeiro manual de referência. Ele revela todo o talento do autor para entender a complexidade dos sentimentos e das necessidades de cada um de nós.
Thomas d’Ansembourg compreendeu que, para se comunicarem de maneira adequada e verdadeira, as pessoas precisam renunciar às relações de poder e pôr em xeque a própria verdade.
Assisti à transformação pessoal de Thomas em poucos anos: de rapaz gentil com medo de assumir compromissos a marido amoroso e pai devotado. Eu o vi abandonar progressivamente suas funções de advogado e de consultor a fim de permanecer fiel a si mesmo e ajudar outras pessoas a obter o sucesso que ele alcançara. Com alegria, identifico toda a sua sabedoria neste livro, nos lembrando de que é possível conviver em harmonia com o outro sem deixar de ser quem somos.
Guy Corneau,
psicanalista e escritor canadense
Introdução
“Não tenho esperança de conseguir sair sozinho de minha solidão.
A pedra não espera ser algo mais que pedra, mas, ao colaborar
com seus semelhantes, agrupa-se e se torna Templo.”
ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY,
escritor francês, autor de O Pequeno Príncipe
Eu era um advogado gentil, educado, deprimido e desmotivado. Hoje, entusiasmado, apresento conferências e seminários, além de atuar como consultor. No passado fui um solteirão que morria de medo de assumir compromissos afetivos e preenchia a vida solitária participando de diversas atividades. Hoje sou um homem casado e feliz com a família que formei. Vivia tentando disfarçar minha tristeza, mas hoje sou uma pessoa alegre e plenamente confiante.
Com o passar do tempo, tomei consciência de que eu tinha o hábito de ignorar minhas próprias necessidades, o que só me fazia mal, e para anular essa autoagressão eu acabava atacando os outros.
Passei a aceitar que tenho carências e que preciso reconhecê-las, diferenciá-las, estabelecer prioridades entre elas e resolvê-las sozinho, em vez de reclamar que ninguém pode supri-las.
Reuni, então, toda a energia que costumava dedicar às queixas, à revolta e à nostalgia e a canalizei no intuito de promover minha transformação interior e melhorar meus relacionamentos com as pessoas à minha volta. Essa autoconscientização também me ajudou a compreender e aceitar que o outro tem suas próprias necessidades e que eu não sou o único capaz de satisfazê-las.
Se cada um de nós resolvesse observar a própria violência, aquela que exerce inconsciente e muito sutilmente contra si próprio e contra os outros – mesmo que pense que esteja agindo com as melhores intenções do mundo –, e tentasse compreender como ela se manifesta, tenho certeza de que nos esforçaríamos para impedir que ela viesse à tona. Todos poderiam então contribuir para criar relações humanas mais satisfatórias, tornando-se ao mesmo tempo mais livres e mais responsáveis.
O psicólogo americano Marshall Rosenberg dá a esse processo o nome de Comunicação Não Violenta (CNV). A violência é, na verdade, um efeito da ausência de consciência, por isso prefiro a denominação Comunicação Consciente e Não Violenta. Se fôssemos mais conscientes, encontraríamos com mais facilidade ocasiões para exprimir nossa força sem agredir o outro. Acredito que a violência surge no momento em que é usada não com o objetivo de criar, estimular ou proteger, mas sim para exercer pressão, seja sobre nós mesmos ou sobre os outros. Essa pressão pode ser afetiva, psicológica, moral, hierárquica ou institucional. Por isso, a violência sutil é infinitamente mais comum do que aquela manifestada por meio de agressões físicas ou verbais.
Se essa violência não é designada como tal, isso se deve ao fato de ela se manifestar nas palavras empregadas inconscientemente todos os dias. Portanto, depende apenas de nós trocar palavras que ferem, dividem, opõem, separam, julgam, rotulam ou condenam por termos que unem, propõem, reconciliam e estimulam. Assim, precisamos trabalhar nossa consciência e nossa linguagem, para livrá-las do que interfere na comunicação e nos leva a agir de maneira agressiva e violenta no dia a dia.
Os princípios da Comunicação Não Violenta há séculos fazem parte do inconsciente coletivo, mas muitas pessoas ainda se perguntam como colocá-la em prática. Por outro lado, os conflitos de comunicação são articulados em um nível consciente.
O processo da comunicação não violenta nos estimula a parar e refletir sempre que reagimos fortemente a alguma coisa ou situação. Ele é composto por quatro fases: a Observação (fase 1) invariavelmente nos suscita algum Sentimento (fase 2), que por sua vez corresponde a uma Necessidade (fase 3), que nos convida a formular um Pedido (fase 4).
Esse método é fundamentado na constatação de que nos sentimos melhor quando identificamos o que desperta nossa reação, quando compreendemos tanto nossos sentimentos quanto nossas necessidades e quando conseguimos formular pedidos negociáveis, seguros de poder aceitar a reação do outro, não importa qual seja ela. Também nos sentimos melhor quando identificamos claramente aquilo a que o outro se refere ou reage, quando compreendemos bem seus sentimentos e suas necessidades e entendemos que um pedido negociável nos permite discordar e buscar, em conjunto, uma solução que atenda às necessidades de ambos, e não às de um em detrimento das do outro. Por essa razão, a Comunicação Não Violenta possibilita que você aprofunde os relacionamentos conservando o respeito por si próprio, pelo outro e pelo mundo ao redor.
De fato, a tecnologia aumentou a velocidade com que as pessoas se comunicam umas com as outras. Mas a verdade é que a qualidade dessa comunicação não melhorou e muitas se tornaram mais solitárias e se queixam de serem incompreendidas e de não encontrarem sentido na vida.
Estamos fartos de sermos incapazes de nos expressar com sinceridade e desejamos ser entendidos com maior facilidade. Embora a troca de informações seja maior hoje em dia, ainda precisamos evoluir muito nos quesitos expressão e escuta. Da impotência resultante dessas tentativas surgem inúmeros medos: fundamentalismos, nacionalismos, racismos, extremismos de toda espécie.
Por causa do uso desenfreado da tecnologia, em particular nos meios de comunicação, do acesso ao mundo virtual, acabamos desenvolvendo um medo de perder algo íntimo e verdadeiro, tão precioso que faz qualquer outra busca correr o risco de se revelar desesperada. Sentimos falta do encontro real entre seres humanos, sem manipulações, sem máscaras, que não seja contaminado por nossos medos, hábitos e clichês, que não carregue o peso de nossos condicionamentos e que nos tire do isolamento de nossos universos virtuais.
Parece haver nesse mundo um novo continente a ser conquistado, mal explorado até hoje e que desperta medo em muita gente: a relação verdadeira entre pessoas livres e responsáveis.
Se essa relação assusta é por temermos nos perder nela. Mas, no fundo, já estamos abrindo mão de nós mesmos para estar com o outro, anulando nossos sentimentos e necessidades.
Minha proposta neste livro é explorar uma trilha para as relações verdadeiras entre seres livres e responsáveis, sob a seguinte perspectiva: como ser você mesmo sem deixar de estar com o outro e como estar com o outro sem deixar de ser você mesmo.