1. O desafio da inovação disruptiva
Clayton M. Christensen e Michael Overdorf
São tempos assustadores para os líderes de grandes empresas. Mesmo antes da internet e da globalização, eles não tinham um bom histórico na relação com inovações disruptivas. Entre centenas de lojas de departamentos, por exemplo, apenas uma – a Dayton Hudson – tornou-se líder no segmento de varejo especializado em grandes descontos. Nenhuma das fabricantes de minicomputadores foi bem-sucedida na produção de computadores pessoais. Faculdades de administração e de medicina lutam, em vão, para mudar a grade curricular rapidamente e formar os médicos e administradores que o mercado quer. A lista é longa.
Não é que os gestores de grandes empresas não percebam a chegada das inovações disruptivas; normalmente eles percebem. E têm recursos para enfrentá-las. A maioria das grandes organizações conta com líderes e especialistas talentosos, ótimo portfólio, know-how tecnológico e recursos financeiros. O que falta a esses gestores é o hábito de pensar nas capacidades de sua empresa com o mesmo cuidado com que pensam nas habilidades das pessoas.
Uma das principais características de um grande gestor é a capacidade de identificar a pessoa certa para a tarefa certa e treinar os funcionários para se saírem bem em suas atribuições. Infelizmente, porém, a maioria dos líderes pressupõe que, se o profissional estiver bem sintonizado com sua função, a empresa também estará. Em geral, não é assim. Se dois grupos de pessoas com a mesma qualificação trabalharem em lugares diferentes, os resultados serão bastante diferentes. Isso acontece porque as próprias organizações têm competências distintas, independentemente de seus profissionais e de outros recursos disponíveis. Para ser continuamente bem-sucedido, o gestor precisa ter a habilidade de avaliar não só as pessoas, mas também as capacidades e deficiências da organização.
Este artigo oferece um modelo para ajudar os gestores a entender o que sua empresa é capaz de realizar. Ele mostrará como as dificuldades da empresa se tornam mais nítidas à medida que suas capacidades centrais crescem. Apresentará ainda uma forma de reconhecer diferentes tipos de mudança e formular as respostas organizacionais adequadas para as oportunidades que essas transformações suscitam. E oferecerá um conselho que vai na contramão de boa parte do que prega a cultura empresarial voltada para a eficiência: se uma organização enfrenta um grande desafio – talvez uma inovação disruptiva –, a pior abordagem possível é fazer mudanças drásticas. Ao tentar transformar a empresa, os gestores correm o risco de comprometer as capacidades que a mantêm de pé.
Antes de tomar uma atitude precipitada, os gestores precisam entender exatamente que tipos de mudança a organização é capaz de administrar. Para ajudá-los nessa empreitada, vamos primeiro lançar um olhar sistemático sobre como reconhecer as capacidades essenciais de uma empresa no nível organizacional, depois examinar como essas capacidades mudam à medida que a empresa cresce e amadurece.
Onde estão as capacidades?
Nossa pesquisa sugere que três fatores definem o que uma organização pode ou não realizar: recursos, processos e valores. Ao pensar nos tipos de inovação a serem adotados, o líder precisa avaliar como cada fator pode afetar o potencial de mudança da empresa.
Recursos
Quando alguém pergunta “O que esta empresa é capaz de fazer?”, a maioria dos gestores inevitavelmente procura a resposta nos recursos que ela possui, sejam eles mais tangíveis (pessoas, equipamentos, tecnologias e caixa) ou menos tangíveis (projetos de produtos, conhecimento, marcas e relacionamento com fornecedores, distribuidores e clientes). É claro que dispor de recursos de alta qualidade e em grande número aumenta as chances de uma organização enfrentar a mudança, mas uma simples análise de recursos está longe de ser suficiente.
Processos
O segundo fator que afeta o que uma empresa pode ou não realizar são os processos. Por processo entendemos padrões de interação, coordenação, comunicação e tomada de decisões usados pelos funcionários para transformar recursos em produtos e serviços de valor. Entre os principais exemplos de processos estão os que comandam o desenvolvimento, a produção e a elaboração do orçamento do produto. Alguns processos são formais – bem definidos e documentados. Outros são informais – rotinas ou maneiras de trabalhar que evoluem com o tempo. Os processos formais costumam ser mais visíveis.
Um dos dilemas da gestão é que os processos são naturalmente criados para que os funcionários executem tarefas de forma consistente, dia após dia. Não se espera que eles mudem e, se for preciso mudar, isso deve ser feito por meio de procedimentos fortemente controlados. Quando se usa um processo projetado para executar determinada tarefa, o resultado esperado é um bom desempenho. Mas, quando o processo é usado para realizar uma tarefa muito diferente, a expectativa é de baixa eficiência. Empresas farmacêuticas que focam o desenvolvimento e a obtenção de licença para comercializar medicamentos se mostram ineficientes no desenvolvimento e na aprovação de instrumentos médicos, pois isso envolve formas muito diferentes de trabalho. Na verdade, um processo que cria a competência para executar uma tarefa define também sua ineficiência para executar outras.
As competências mais importantes – e as deficiências concomitantes – não são necessariamente incorporadas aos processos mais visíveis, como logística, desenvolvimento, produção ou atendimento ao cliente. É mais provável que se encontrem em processos menos visíveis, de segundo plano, que apoiam decisões sobre o destino de recursos – por exemplo, aqueles que definem como a pesquisa de mercado é feita, como essa análise se traduz em projeções financeiras, como planos e orçamentos são negociados internamente, etc. É nesses processos que costumam residir as maiores dificuldades de muitas organizações para lidar com as mudanças.
Valores
O terceiro fator que afeta a capacidade de uma organização são seus valores. Às vezes, o conceito “valores corporativos” carrega uma conotação ética: pode-se pensar nos princípios que garantem o bem-estar dos pacientes para a Johnson & Johnson ou nos que influenciam decisões sobre segurança de funcionários da Alcoa. Mas, em nossa estrutura, o termo “valores” tem um significado mais amplo: os valores de uma organização são os padrões que seus profissionais empregam para estabelecer prioridades que lhes permitam julgar se um pedido é válido, se um cliente é importante, se uma ideia de produto é atraente. Decisões de prioridade são tomadas por funcionários de todos os níveis. Nas equipes de vendas, consistem em decisões diárias, locais, sobre quais produtos devem receber destaque para atrair clientes. No nível executivo, geralmente correspondem a decisões sobre investimento em novos produtos, serviços e processos.
Quanto maior e mais complexa a empresa se torna, mais importante é para os gestores do alto escalão treinar funcionários de todos os níveis para tomarem decisões independentes e que estejam de acordo com a orientação estratégica e o modelo de negócios da organização. Uma métrica importante da boa administração é saber se esses valores claros e consistentes permeiam toda a empresa.
Mas valores consistentes e amplamente disseminados também definem o que uma organização não é capaz de fazer. Os valores refletem sua estrutura de custos ou seu modelo de negócios, pois definem as regras que os funcionários precisam seguir para o negócio prosperar. Se, por exemplo, as despesas gerais exigem que a empresa atinja margens de lucro bruto de 40%, então, provavelmente, em algum momento surgiu uma regra ou decisão encorajando executivos de nível intermediário a ignorar ideias que prometem margens de lucro bruto abaixo de 40%. Essa organização não deve ser capaz de comercializar projetos com metas em mercados de margens baixas de lucro – como o do comércio eletrônico. Uma organização com uma estrutura de custos diferente talvez consiga ser bem-sucedida no mesmo projeto.
É claro que empresas diferentes incorporam valores diferentes, mas queremos focar dois conjuntos de valores que parecem evoluir de maneira bem previsível na maioria das organizações. A evolução implacável desses valores é o que torna as empresas cada vez mais ineficientes em abordar a inovação disruptiva com êxito.
Como no exemplo anterior, o primeiro valor define como a empresa julga qual margem de lucro é aceitável. Conforme as empresas acrescentam itens e funções a seus produtos e serviços, tentando atrair clientes de padrão mais elevado, elas geralmente aumentam as despesas gerais. Como resultado, a margem de lucro bruto, que em outro momento parecia bastante atraente, perde valor. A Toyota, por exemplo, entrou no mercado americano com o modelo Corona, que mirava um público de poder aquisitivo mais baixo. À medida que o segmento foi se saturando de modelos semelhantes da Honda, da Mazda e da Nissan, a concorrência forçou uma queda nas margens de lucro da Toyota, que, para aumentá-las, desenvolveu carros mais sofisticados visando o público de classes mais altas. O processo de desenvolvimento de automóveis como o Camry e o Lexus aumentou os custos de operação da Toyota, que decidiu então abandonar o nicho de carros populares. As margens se tornaram inaceitáveis porque a estrutura de custos da fábrica e, consequentemente, seus valores tinham mudado.
Afastando-se desse padrão, a Toyota decidiu apresentar o modelo Echo, na expectativa de voltar a atrair classes mais baixas para um carro de preço acessível. Mas uma coisa é a alta administração da Toyota decidir lançar esse novo modelo; outra, totalmente diferente, é fazer os diversos setores da empresa – entre os quais as concessionárias – acreditarem que vender mais carros com margens de lucro menores é um modo mais eficaz de aumentar o lucro e o patrimônio dos acionistas do que vender mais automóveis como o Camry, o Avalon e o Lexus. Só o tempo dirá se a Toyota é capaz de administrar esse retorno à faixa de público com poder aquisitivo mais baixo. Para garantir o sucesso do Echo, a administração terá que nadar contra uma corrente muito forte – a corrente dos próprios valores corporativos.
O segundo valor está relacionado ao tamanho da oportunidade de negócio. Tendo em vista que o valor de mercado de uma empresa representa o fluxo de caixa descontado de seus lucros futuros, muitos executivos se sentem estimulados não só a manter o crescimento, mas a mantê-lo a uma taxa constante. Para uma empresa avaliada em 40 milhões crescer 25%, por exemplo, precisa de 10 milhões em novos negócios em um ano. Já uma organização avaliada em 40 bilhões precisa realizar 10 bilhões a mais em novos negócios em um ano para crescer na mesma proporção. Por isso, uma oportunidade empolgante para uma pequena empresa pode não interessar a uma companhia de maior porte. Um dos resultados mais amargos do sucesso é que, à medida que as empresas crescem, perdem capacidade de atingir pequenos mercados emergentes. Essa deficiência não é provocada por uma mudança nos recursos internos das empresas – geralmente substanciais –, mas pela evolução dos valores.
O problema é ampliado quando, de uma hora para outra, a empresa sofre um grande crescimento por causa de fusões ou aquisições. Executivos de Wall Street precisam levar em conta esse efeito, por exemplo, ao promover megafusões entre empresas farmacêuticas por si sós gigantescas. Após a fusão, as áreas de pesquisa podem até dispor de mais recursos para investir no desenvolvimento de produtos, mas as áreas comerciais perdem o interesse por praticamente todos os medicamentos, exceto os carros-chefe. Isso constitui uma ineficiência real na gestão da inovação. O problema se repete no setor de alta tecnologia. A Hewlett-Packard decidiu se dividir em duas empresas em parte por ter percebido esse problema.
Migração de capacidades
Nos primeiros estágios de vida de uma pequena empresa, boa parte das atividades se baseia em recursos – sobretudo recursos humanos. A admissão ou dispensa de alguns funcionários-chave pode ter um impacto profundo em seu sucesso. Com o tempo, porém, o foco das capacidades da organização passa a apontar para seus processos e valores. À medida que os profissionais resolvem tarefas recorrentes, os processos se definem. E, à medida que o modelo de negócios se consolida e fica nítido que tipo de negócio deve ser considerado prioridade, os valores se aglutinam. Aliás, muitas empresas jovens, de ascensão meteórica, acabam indo à bancarrota após uma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) fundamentada num único produto de sucesso, porque esse sucesso inicial se baseia em recursos – em geral, os fundadores – e elas não conseguem desenvolver processos capazes de criar uma série de produtos de sucesso.
A Avid Technology, empresa que produz sistemas digitais de edição para televisão, é um ótimo exemplo a ser analisado. A tecnologia criada pela Avid foi bem recebida e acabou com o entediante processo de edição de vídeos. Atreladas a seu produto de maior sucesso, as ações da Avid subiram de 16 dólares a unidade em 1993 (ano da IPO) para 49 em meados de 1995, uma valorização de 210%. No entanto, à medida que a Avid começou a enfrentar o mercado saturado, os estoques cada vez maiores e as contas cada vez mais altas – tudo isso enquanto a concorrência crescia e acionistas entravam com demandas judiciais –, surgiram pressões por se tratar de um negócio baseado em apenas um produto de sucesso. Os clientes adoraram o produto, mas a falta de processos eficazes para o desenvolvimento contínuo de novos produtos e a ineficiência no controle de qualidade, na entrega e no atendimento ao cliente fizeram a empresa ficar para trás, e o valor das ações caiu.
Por outro lado, em empresas bem-sucedidas, como a consultoria McKinsey & Company, os processos e valores tornaram-se tão fortes que não importa quais profissionais são selecionados para uma equipe de projeto. Todo ano, centenas de profissionais com MBA são contratados e quase o mesmo número de pessoas deixa a empresa, mas a McKinsey obtém bons resultados ano após ano porque suas capacidades centrais estão consolidadas em processos e valores, não em recursos.
Quando os processos e valores se formam logo no início ou nos primeiros anos da empresa, normalmente é porque o fundador desempenha um papel crucial: tem opiniões fortes sobre como os funcionários devem trabalhar e sobre quais são as prioridades da organização. Se os julgamentos do fundador falharem, provavelmente a empresa fracassará. Mas, se forem confiáveis, os funcionários atestarão por si mesmos a validade dos métodos de solução de problemas e tomada de decisões do fundador. E assim se definem os processos. Da mesma forma, caso a empresa se torne financeiramente bem-sucedida alocando recursos de acordo com critérios que refletem as prioridades do fundador, seus valores evoluirão em torno desses critérios.
À medida que empresas de sucesso amadurecem, os funcionários começam a se convencer de que os processos e as priorizações, tão bem-sucedidos antes, são a forma certa de executar seu trabalho. Quando isso acontece e os funcionários começam a acompanhar os processos e a decidir prioridades por hipóteses, não por escolha consciente, esses processos e valores passam a fazer parte da cultura da organização. Quando a empresa cresce, aumentando de algumas dezenas para centenas de milhares de funcionários, o grande desafio é fazer todos concordarem sobre o que precisa ser feito e como. Essa é uma tarefa assustadora até para os melhores gestores. Nessas situações, a cultura é uma poderosa ferramenta de gestão. Ela permite que os funcionários ajam de forma autônoma mas consistente.
Portanto, os fatores que definem as capacidades e deficiências de uma organização mudam com o tempo. Começam com os recursos, depois passam para processos e valores visíveis e articulados, e, por fim, migram para a cultura. Administrar a organização pode ser muito simples, desde que ela continue enfrentando os mesmos tipos de problema para os quais seus processos e valores foram projetados. A questão é que, como esses fatores também definem o que uma organização não é capaz de realizar, se a essência dos problemas da empresa muda, os fatores se convertem em deficiências. Quando as capacidades da organização se fundamentam em recursos humanos, é relativamente simples alterá-las para resolver novos problemas. Quando, porém, as capacidades estão nos processos e nos valores, sobretudo quando se entranham na cultura, a mudança pode ser extremamente difícil (veja o quadro O dilema da Digital, na página 16).
Inovação sustentável versus inovação disruptiva
Seja qual for a fonte de suas capacidades, as empresas bem-sucedidas reagem muito bem a mudanças evolucionárias de seus mercados. Em O dilema da inovação, Clayton Christensen chama essa constatação de inovação sustentável. O problema é quando elas querem articular ou iniciar mudanças revolucionárias em seus mercados ou precisam lidar com uma inovação disruptiva.
Tecnologias sustentáveis são inovações que melhoram o desempenho de um produto ou serviço em aspectos que clientes de mercados convencionais já valorizam. A decisão inicial da Compaq de substituir o chip 286 de 16 bits por seu microprocessador Intel 386 de 32 bits foi uma inovação sustentável, assim como a decisão da Merrill Lynch de criar uma conta de investimento especial que permitiu aos clientes gerenciar seus investimentos e também realizar pagamentos e emitir cheques. Essas criações retiveram os melhores clientes dessas empresas, fornecendo-lhes algo superior ao que havia disponível.
Inovações disruptivas, por outro lado, criam mercado ao apresentar um novo tipo de produto ou serviço anteriormente considerado pior, de acordo com avaliações feitas por indicadores de desempenho valorizados por clientes tradicionais. A primeira investida de Charles Schwab como corretor de valores, oferecendo apenas serviços essenciais a preços com descontos para os clientes, foi uma inovação disruptiva em relação aos corretores que prestavam serviço completo a preço fixo, como a Merrill Lynch, embora os melhores clientes da Merrill Lynch quisessem algo além dos serviços oferecidos por Schwab.
Os primeiros computadores pessoais eram uma inovação disruptiva se comparados aos computadores de grande porte e aos minicomputadores. Os PCs não eram poderosos o suficiente para rodar os programas de cálculos da época em que foram introduzidos no mercado. Essas inovações foram disruptivas, embora não atendessem às necessidades da geração seguinte de clientes líderes no mercado. Obviamente, tinham outras qualidades, que puderam ser aplicadas ao novo mercado, e evoluíram tão rápido que acabaram atendendo também às necessidades de clientes tradicionais.
As inovações sustentáveis são quase sempre desenvolvidas e introduzidas por empresas líderes de mercado bastante sólidas, mas essas mesmas empresas nunca introduzem nem lidam bem com inovações disruptivas. Por quê? A resposta está em nosso modelo de recursos-processos-valores. Líderes empresariais estão preparados para desenvolver e introduzir tecnologias sustentáveis. Mês após mês, ano após ano, lançam produtos novos e aprimorados para obter vantagem competitiva. Conseguem isso desenvolvendo processos para estimar o potencial tecnológico de inovações sustentáveis e para avaliar as necessidades de seus clientes. O investimento em tecnologia sustentável também está em consonância com os valores das empresas líderes, pois eles prometem margens mais altas a partir de produtos melhores vendidos para clientes de ponta.
As inovações disruptivas ocorrem de forma tão esporádica que nenhuma empresa dispõe de um processo rotineiro de como abordá-las. Além disso, como os produtos disruptivos quase sempre prometem margens de lucro mais baixas por unidade vendida e não são atraentes para os melhores clientes da empresa, tornam-se inconsistentes com os valores defendidos pela empresa. A Merrill Lynch dispunha dos recursos humanos, do capital e da tecnologia necessários para ser bem-sucedida diante das inovações sustentáveis (conta-corrente especial) e das inovações disruptivas (corretagem com descontos) que enfrentou em sua história recente, mas seus processos e valores apoiaram somente a inovação sustentável: eles se tornaram deficiências quando a empresa precisou entender e enfrentar o serviço de corretagem on-line e com desconto.
A razão para que grandes empresas em geral desistam de mercados emergentes em expansão se deve ao fato de empresas disruptivas, menores, na verdade estarem em melhores condições de conquistar esses mercados. As start-ups não dispõem de recursos, mas isso não importa; seus valores podem abranger pequenos mercados e sua estrutura de custos é capaz de acomodar margens de lucro baixas. Seus processos de pesquisa de mercado e de alocação de recursos permitem que os executivos atuem de forma intuitiva. Suas decisões não precisam ser endossadas por pesquisas e análises detalhadas. Todas essas vantagens se somam à capacidade de adotar e até de iniciar a inovação disruptiva. Mas como uma grande empresa consegue desenvolver essas capacidades?
Criando recursos para enfrentar mudanças
Apesar das crenças disseminadas por programas populares de gestão de mudanças e reengenharia, os processos não são tão flexíveis ou adaptáveis quanto os recursos – e os valores, ainda menos flexíveis que os processos. Por isso, quer a empresa adote inovações sustentáveis ou disruptivas, quando a necessidade de novas capacidades a incita a mudar processos e valores, os executivos devem criar um espaço organizacional que propicie o desenvolvimento dessas capacidades. Isso pode ser feito de três formas:
- criando estruturas organizacionais dentro das fronteiras da empresa, onde novos processos possam ser desenvolvidos;
- formando uma organização independente e elaborando nela os novos processos e valores necessários para resolver o problema; e
- adquirindo uma organização cujos processos e valores estejam em sintonia com as exigências da nova tarefa.
Criando capacidades internamente
Quando as capacidades de uma empresa se baseiam em processos, e quando os novos desafios exigem novos processos – isto é, quando pessoas ou grupos com diferentes competências precisam mudar a forma de interação e passar a agir num ritmo diferente –, os gestores devem selecionar as pessoas relevantes da organização existente e desenhar uma fronteira em torno desse novo grupo. Os limites organizacionais são projetados para facilitar a operação de processos existentes, e muitas vezes isso impede a criação de processos novos. As fronteiras das novas equipes facilitam o desenvolvimento de padrões de trabalho colaborativo, que podem até se tornar novos processos. Em Revolutionizing Product Development (Revolucionando o desenvolvimento de produtos), Steven Wheelwright e Kim Clark referem-se a essas estruturas como “equipes peso pesado”.
Equipes peso pesado se dedicam completamente ao novo desafio; seus membros são alocados no mesmo espaço físico e cada um se encarrega de assumir responsabilidades para o sucesso do projeto. Na Chrysler, por exemplo, historicamente as fronteiras dos grupos da área de desenvolvimento do produto eram definidas por componente – conjunto propulsor, sistemas elétricos, etc. Mas, para acelerar o desenvolvimento do produto, a Chrysler precisava focar não em componentes, mas em tipos de veículo – minivans, carros compactos, jipes e caminhões, por exemplo. Para isso, criou equipes peso pesado. Embora não fossem muito eficientes em focar o projeto por componentes, essas unidades organizacionais auxiliaram na definição de novos processos, que se mostraram mais rápidos e eficientes na integração de vários subsistemas para criar projetos de veículo. Empresas muito diferentes, como a Medtronic (que fabrica marca-passos), a IBM (que produz hardware e software) e a Eli Lilly (cujo carro-chefe é o medicamento Zyprexa), utilizaram equipes peso pesado para criar processos e desenvolver produtos melhores em menos tempo.
Criando capacidades por meio de uma subsidiária
Quando os valores da organização principal não permitem que ela realoque recursos para um novo projeto, a empresa pode criar um novo empreendimento. Não se espera que corporações invistam recursos financeiros e humanos essenciais para criar uma posição forte em pequenos mercados emergentes. Além disso, empresas com estrutura de custos organizada para competir em mercados de produtos sofisticados têm muita dificuldade para serem lucrativas em mercados de produtos mais simples e populares. Atualmente a criação de subsidiárias está em alta entre executivos de empresas mais tradicionais que enfrentam problemas com as vendas pela internet. Mas isso nem sempre é conveniente. Quando uma inovação disruptiva requer que a empresa crie uma estrutura de custos diferente para ser lucrativa e competitiva, ou quando o tamanho da oportunidade é insignificante diante das necessidades de crescimento da organização principal, então – e só então – é necessário criar uma empresa derivada.
A divisão de impressoras a laser da Hewlett-Packard, em Boise, Idaho, foi extremamente bem-sucedida, obtendo grandes lucros e a reputação de fazer um produto de alta qualidade. Infelizmente, seu projeto de impressoras a jato de tinta, que representava uma inovação disruptiva, definhou dentro do negócio principal de impressoras da HP. Embora o processo para desenvolver os dois tipos de impressora fosse basicamente o mesmo, havia uma diferença em relação aos valores. Para prosperar no mercado de impressoras a jato de tinta, a HP precisava aceitar margens de lucro bruto mais baixas e um mercado menor que o das impressoras a laser. Além disso, precisava estar disposta a adotar padrões de desempenho relativamente mais baixos. O negócio de impressoras a jato de tinta só deslanchou quando os executivos da HP decidiram transferir a unidade para uma divisão em Vancouver, no Canadá, com o objetivo de competir com o próprio negócio de impressoras a laser.
Até que ponto deve chegar esse esforço? Nem sempre é necessário haver um novo local físico para a equipe recém-montada. O principal requisito é que o projeto não seja forçado a disputar recursos com os projetos da organização principal. Como vimos, projetos inconsistentes com os valores da empresa principal naturalmente recebem menos prioridade. É mais importante a subsidiária ter independência sobre os critérios de tomada de decisões no processo de alocação de recursos do que estar fisicamente separada da organização principal. O quadro Como ajustar a ferramenta à tarefa, na página 22, mostra em detalhes que formas de estrutura organizacional combinam melhor com diferentes tipos de desafio de inovação.
Para alguns executivos, desenvolver uma nova operação significa, necessariamente, abandonar a antiga, e eles relutam em fazer isso, pois a antiga funciona. Mas, quando uma inovação disruptiva surge no horizonte, os líderes precisam reunir as capacidades necessárias para enfrentar a mudança antes que ela afete o negócio principal. Na verdade, precisam conduzir dois negócios em paralelo – um cujos processos estão voltados para o modelo de negócios existente e outro para o novo modelo. A Merrill Lynch, por exemplo, realizou uma expansão global impressionante de seus serviços financeiros institucionais por meio de uma cuidadosa execução de seus processos existentes de planejamento, aquisição e parcerias. Hoje, porém, com a ameaça da corretagem on-line, a empresa precisa planejar, adquirir e formar parcerias muito rápido. Isso significa que ela deve mudar os processos que funcionaram tão bem no negócio do banco de investimentos tradicional? Visualizando a questão através de nossa lente estrutural, fazer isso seria um desastre. Em vez disso, a Merrill deveria manter os velhos processos no negócio existente (provavelmente ainda há alguns bilhões de dólares a serem obtidos no antigo modelo de negócios!) e criar processos para lidar com o novo tipo de problema.
Um alerta: nos estudos que realizamos sobre esse desafio, nunca vimos uma empresa bem-sucedida realizar, sem a supervisão atenta do CEO, uma mudança que contrariasse seus valores – exatamente por causa do poder que os valores têm de moldar o processo normal de alocação de recursos. Só o CEO pode garantir que a nova organização obterá os recursos necessários e a liberdade de criar processos e valores adequados ao novo empreendimento. Os CEOs que consideram as empresas derivadas uma simples ferramenta para eliminar ameaças disruptivas têm grande probabilidade de fracassar. Não vimos exceção a essa regra.
Criando competências por meio de aquisições
Da mesma forma que executivos inovadores precisam avaliar separadamente as capacidades e deficiências dos recursos, processos e valores da empresa, devem fazer o mesmo diante de aquisições em busca de novas competências. Empresas bem-sucedidas na aquisição de capacidades são as que sabem onde encontrá-las e como assimilá-las. Executivos especialistas em aquisições começam esse processo com as seguintes perguntas: “O que criou o valor pelo qual acabo de pagar? Eu justifiquei o custo da aquisição com base nos recursos envolvidos? Ou grande parte do preço foi gerada pelos processos e valores da empresa?”
Se as competências que serão adquiridas estão entranhadas nos processos e valores da empresa, a última coisa que o responsável pela aquisição deve fazer é integrar a aquisição à organização principal, pois isso acabará com os processos e valores da empresa adquirida. Se os executivos da empresa adquirida forem forçados a adotar o modus operandi do comprador, suas capacidades desaparecerão. A melhor estratégia é permitir que a empresa adquirida continue operando de forma independente e injetar recursos da empresa controladora nos processos e valores dela. Essa é a abordagem que de fato constitui a aquisição de novas capacidades.
No entanto, se os recursos da empresa adquirida são o principal motivo de seu sucesso e de sua aquisição, talvez faça sentido integrá-la à empresa principal. Essencialmente, isso significa inserir pessoas, produtos, tecnologias e clientes nos processos da empresa controladora como forma de alavancar capacidades já existentes.
É mais fácil entender os perigos da fusão da DaimlerChrysler sob essa óptica. A Chrysler dispunha de poucos recursos que podiam ser considerados exclusivos. O sucesso no mercado, à época, era atribuído essencialmente a seus processos – sobretudo aos processos de design de produtos e de integração de esforços dos fornecedores de seus subsistemas. Como a Daimler poderia ajudar a alavancar as capacidades da Chrysler? Wall Street estava pressionando os líderes a unir as organizações para cortar custos. Mas, se as empresas fossem integradas, os processos que tornaram a Chrysler uma aquisição tão atraente provavelmente seriam comprometidos.
A situação lembra a aquisição da empresa de comunicações Rolm pela IBM em 1984. Não havia nada no arsenal de recursos da Rolm que a IBM já não tivesse. Ou melhor, havia: um processo importante para desenvolver e encontrar novos mercados para os produtos PBX. De início, a IBM reconheceu a importância de preservar a cultura informal e pouco convencional da Rolm, que permaneceu em nítido contraste com o estilo metódico da IBM. No entanto, em 1987 a IBM encerrou o status subsidiário da Rolm e decidiu integrá-la a sua estrutura corporativa. Os gestores da IBM logo perceberam que haviam tomado a decisão errada. Quando tentaram impulsionar os recursos – produtos e clientes – da Rolm aplicando os processos desenvolvidos no negócio de grandes computadores, a resposta da Rolm foi péssima. E era impossível para uma empresa cujos valores tinham sido estimulados por margens de lucros de 18% na venda de computadores se animar diante de produtos com margens de lucro muito mais baixas. A integração da Rolm destruiu a fonte de valor original do negócio. Curvando-se ao alvoroço da comunidade investidora interessada em eficiência de lucratividade, a DaimlerChrysler se encontrou à beira do mesmo precipício. Muitas vezes, analistas financeiros parecem muito mais competentes em intuir o valor dos recursos do que o valor dos processos.
Por outro lado, as aquisições da Cisco Systems funcionaram bem porque ela manteve recursos, processos e valores dentro da perspectiva correta. Entre 1993 e 1997, a multinacional adquiriu pequenas empresas com menos de dois anos de existência – organizações em estágios iniciais, cujo valor de mercado tinha sido construído essencialmente sobre seus recursos, sobretudo seus engenheiros e produtos. A Cisco incorporou esses recursos a seus processos de desenvolvimento, logística, manufatura e marketing e se desvencilhou de quaisquer processos e valores emergentes trazidos pela aquisição, pois não fora por isso que as adquirira. Quando passou a ser dona de organizações maiores e mais maduras, principalmente a StrataCom, em 1996, a Cisco decidiu não integrá-la – pelo contrário, manteve a independência dela e injetou recursos significativos na organização da StrataCom para ajudá-la a crescer mais rápido.
Os executivos cuja organização enfrenta mudanças precisam determinar, antes de tudo, se ela dispõe dos recursos necessários para ser bem-sucedida. Depois, devem responder à seguinte pergunta: a organização dispõe dos processos e valores necessários para alcançar o sucesso nessa situação? A maioria dos líderes não tem o instinto de se fazer essa segunda pergunta, pois os processos de execução do trabalho e os valores nos quais os funcionários baseiam suas decisões funcionaram perfeitamente no passado. O que esperamos é que essa estrutura incuta na mente dos executivos a ideia de que as capacidades que tornam sua organização eficiente definem também suas ineficiências. Nesse sentido, vale a pena fazer um exame de consciência para responder honestamente às seguintes questões: os processos que costumavam ser utilizados pela organização para executar o trabalho são adequados à nova situação? Os valores da organização darão alta prioridade a essa iniciativa ou vão impedi-la de progredir?
Se a resposta a essas perguntas for negativa, tudo bem. O passo mais importante para resolver um problema é compreendê-lo. A predisposição para atacar essas questões pode criar equipes que precisam inovar numa trilha cheia de obstáculos, críticas e frustrações. Por vezes, empresas tradicionais têm dificuldade para inovar porque empregam pessoas extremamente competentes e as colocam para trabalhar em estruturas organizacionais cujos processos e valores não foram projetados para a tarefa em questão. Numa era de transformações como a nossa, a grande responsabilidade do líder é garantir que pessoas capazes trabalhem em organizações capazes.
Publicado originalmente em março de 2000.