8 SPOILERS QUE EU PRECISO DAR ANTES DE VOCÊ COMEÇAR ESTA LEITURA
1. Um livro contra o machismo não é um livro contra os homens
Este livro não pretende culpar ninguém. Este livro pretende identificar problemas da nossa sociedade, convidar os leitores (sejam eles homens ou mulheres) a pensar sobre eles e tentar buscar novos caminhos. Sim, é preciso que os homens mudem muitos comportamentos. Mas as mulheres também precisam fazer um trabalho de autoanálise bem profundo. Se organizar direitinho, todo mundo muda.
2. Este livro não destruirá o machismo que há dentro de você
Este livro é um guia prático. E assim como ninguém compra um guia de viagem de Buenos Aires achando que conhecerá a cidade com sua simples leitura, certamente nenhum de nós resolverá o próprio machismo interior com estas 144 páginas. Aqui nós tentamos identificar comportamentos, gatilhos e problemas. Depois, cabe a cada um de nós (inclusive a mim) refletir, fazer a autocrítica diária e seguir lendo mais, debatendo mais, refletindo mais.
3. Este livro não é um tratado profundo sobre o assunto
É um livro pequenininho, né, gente? A intenção dele é apenas começar a conversa. É por isso que no final de cada capítulo eu sugiro outras leituras, filmes para assistir, podcasts para escutar. Aliás, eu já tinha a ideia de escrever um livro antimachismo há alguns anos. Mas depois de ler o maravilhoso Pequeno manual antirracista, da minha querida amiga e colega Djamila Ribeiro (que participou do meu livro Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas), me dei conta de que era mais útil (e urgente) escrever algo simples e direto, em vez de um longo e profundo livro sobre o tema. Não tem jeito: não há tratamento milagroso para uma doença tão grave quanto o machismo. O tratamento é lento e pode dar bastante trabalho.
4. Eu também sou machista
Quando contei sobre o livro que estava escrevendo para o filho de um amigo, que tem 11 anos, ele me perguntou: “Mas pessoas que não são machistas também podem ler esse livro?” Eu achei uma gracinha a pergunta e a vontade dele de se afirmar como alguém que acredita na igualdade. Mas respondi: “Sabe, querido? Acho que todos nós somos pelo menos um pouco machistas. Assim como todos somos pelo menos um pouco racistas e homofóbicos. O mundo no qual vivemos é assim, então todos somos contaminados e, por isso, precisamos nos esforçar todos os dias para mudar.”
5. O machismo é a água, nós somos os peixes do aquário
A primeira vez que ouvi essa frase foi quando entrevistei a atriz e comediante Júlia Rabello no meu podcast. E ela tem toda razão. Não adianta acharmos que somos desconstruídos ou que os machistas são os outros – somos todos atingidos. O primeiro passo é reconhecer que o problema existe e que todos nós precisamos mudar em alguma medida.
6. Este é um livro sobre a regra, não sobre as exceções
Enquanto escrevia este livro, reparei numa coisa muito interessante. Sempre que eu dizia a algum homem que estava escrevendo um livro sobre desconstrução do machismo, ouvia coisas como “Mas você tem que lembrar que nem todo homem é assim” ou “Mas você precisa escrever que há exceções”. Então, gente, este é um livro sobre a regra, não sobre a exceção. E, acredite em mim, há muito mais de regra em todos nós do que de exceção. Peço ao leitor, especialmente ao leitor homem, que “baixe a guarda” para ler estas páginas. Se não nos perguntarmos “Será que eu sou assim?” ou “Será que eu faço isso?”, a leitura pode ser uma perda de tempo.
7. Assumir o próprio machismo (e lutar contra ele) é um ato de coragem
Ninguém gosta da ideia de se assumir machista. Mas esse primeiro passo é absolutamente fundamental para que consigamos mexer com as nossas estruturas. Reconhecer que estamos impregnados pelo machismo não é uma vergonha. Vergonha é não se esforçar para mudar esse cenário. E se você está lendo este livro (que não pretende apontar o dedo na cara de ninguém, mas apenas abrir nossos olhos para muita coisa que costuma passar batida), você já se dispôs a tentar mudar – e isso é lindo.
8. “Desconstrução” é a nossa palavra-chave
Imaginemos uma enorme parede de peças de Lego dentro da nossa cabeça. Cada peça foi colocada ali em um momento da nossa vida. Quando vimos nossa mãe tirar a mesa enquanto nosso pai permanecia sentado, quando normalizamos o fato de quase todos os presidentes e primeiros-ministros do mundo serem homens, quando vimos o jornal falando sobre a roupa da vítima de um estupro ou sobre quanto álcool ela havia consumido, quando vimos filmes em que princesas precisam ser salvas por príncipes e mais uma quantidade imensurável de coisas desse tipo. A parede de Lego precisa parar de crescer. Mais do que isso: precisamos remover essas peças de machismo que estão dentro da gente, buscando todos os dias desconstruir essa parede. Lembrem-se: são peças de Lego, não são blocos de concreto fixados com cimento. Dá para remover as peças. Nem sempre é fácil. Mas dá para mudar.
Sejam muito bem-vindos.
“O mundo já não é mais tão machista assim… As coisas estão melhorando. Né?”
O FAMOSO PATRIARCADO
Eu tenho muito medo dessa ideia de que “as coisas estão melhorando”. Esse meu medo se deve a duas coisas: a primeira é uma minimização do tamanho do problema que ainda existe e a segunda é a ideia de que as coisas melhoraram por si mesmas, naturalmente. Porque isso não é verdade. Como eu mesma já escrevi num outro texto, não são as coisas que estão melhorando, somos nós que estamos lutando.
Situar a existência de um problema não é nada divertido. Ninguém gosta de problemas. Mas precisamos assumir: o mundo é machista, sim; o mundo é desigual, sim; as mulheres são exploradas, sim; os homens também são vítimas do machismo, sim. Precisamos partir disso para começar a tentar desatar esses nós que amarram a nossa sociedade e que não tornam a vida de ninguém melhor.
A palavra “patriarca” é definida pelo dicionário Houaiss como “o chefe da família”. Como sabemos, o chefe da família, historicamente, era um homem. Portanto, a noção de sociedade patriarcal é aquela que gira em torno dos interesses da figura masculina, subordinando os interesses femininos ao poder conferido aos homens por essa estrutura social.
É importante dizer que quando falamos que estamos inseridos numa sociedade patriarcal, não se trata de uma opinião, mas de um fato. Estudos afirmam que já havia registros do patriarcado cerca de 3 mil anos antes de Cristo – e que o fato de essa estrutura já existir há tanto tempo faz com que muitas mulheres acabem cooperando com a manutenção desse sistema, já que nem questionam o lugar que devem ocupar, por serem diariamente convencidas da sua posição de inferioridade. Ou seja, ninguém “inventou” essa história de sociedade patriarcal agora.
É claro que a intensidade da opressão feminina varia muito ao redor do mundo, em virtude de questões culturais, religiosas e, consequentemente, jurídicas também. Mas, independentemente de onde estejamos no globo terrestre, é inegável que vivemos em sociedades patriarcais.
Um exemplo bem claro e recente dessa questão no Brasil é o fato de que até muito recentemente o nosso Código Civil falava em “pátrio poder” dentro das relações familiares. Em outras palavras, o poder de decisão nas famílias pertencia ao pai. Era apenas na ausência da figura masculina que a mãe tinha o poder de decisão. Foi só em 2002 que a expressão “pátrio poder” foi substituída por “poder familiar”, afirmando assim que a autoridade da mãe e a do pai são equivalentes no seio das famílias.
Gostaria de ressaltar que essa alteração da lei aconteceu há menos de duas décadas. Harry Potter é mais antigo do que a instituição do poder familiar no Brasil. É muito grave que tenhamos permanecido até 2002 com uma referência totalmente machista vigente em nosso ordenamento jurídico. Além disso, devemos pensar no fato de que uma mudança na lei não promove imediatamente a mudança da mentalidade da população. Ainda há muitos caminhos a percorrer.
Gosto muito de uma tirinha da Mafalda na qual um homem bate na porta da casa de sua família, ela abre e então ele diz: “Olá, menina, o chefe da família está?” Mafalda prontamente responde: “Nessa família não há chefes, somos uma cooperativa.” Questionemos a sociedade patriarcal, como faz a Mafalda. Como dizem por aí, “Lute como uma garota”.
O machismo não é um problema apenas para as mulheres. E isso será dito muitas vezes ao longo deste pequeno livro. O machismo oprime as mulheres, mas oprime os homens também. O machismo dita regras comportamentais muito rígidas para todos, independentemente do gênero. O machismo não aceita a diversidade, nem respeita nenhum tipo de existência que fuja ao estereótipo que ele prega como sendo o correto.
Tentar enfrentar o machismo é buscar um mundo no qual todos nós possamos nos sentir mais confortáveis e mais respeitados. Declarar-se “antimachista” é o ato de se colocar em frente à tal parede de Lego que mencionei nos spoilers sobre o livro (se você não leu, trate de voltar lá e conferir) e começar a tentar desencaixar peças, uma por uma.
Ser antimachista significa abraçar essa luta no seu dia a dia, mas também significa estar disposto a ajudar outras pessoas a desconstruírem o machismo que há dentro delas – e esse, definitivamente, é um grande desafio. Ser antimachista pode gerar desconforto, saias justas e outros aborrecimentos. Mas não tem jeito, mudar o mundo realmente dá trabalho.
Sonho com o dia em que não seja necessário explicar para as pessoas que feminismo não é o contrário de machismo, mas essa ainda é uma confusão muito frequente. O machismo prega a superioridade dos homens, enquanto o feminismo não prega a superioridade das mulheres, mas a luta por igualdade de gênero. São coisas muito diferentes.
Custo a crer que, sabendo que a luta feminista é pura e simplesmente a luta por justiça, alguém diga que não concorda com a causa. Custo a crer que alguém olhe para um menino e uma menina de 5 anos que estudam numa mesma sala de aula e diga que acha justo que no futuro a menina enfrente muito mais barreiras na sua vida profissional, receba salários mais baixos e seja a única responsável por todas as tarefas domésticas em sua casa no fim do dia. Se nós não achamos que isso seja correto e se desejamos que esse cenário mude, acredito que sejamos todos feministas.
O feminismo se baseia, essencialmente, em duas palavras: igualdade e liberdade. A liberdade, nesse caso, deve ser interpretada principalmente como a liberdade de escolha. Ou seja, o feminismo defende a ideia de que toda mulher deve ser livre para tomar suas próprias decisões.
Muita gente acha que o feminismo prega a ideia de que toda mulher tem que ser superindependente, investindo suas energias na carreira e não se sujeitando às pressões sociais de casar e ter filhos. Isso não é verdade. O feminismo defende o direito de cada mulher ser exatamente aquilo que ela tiver vontade.
Se uma mulher optar por não trabalhar fora de casa, dependendo financeiramente de outra pessoa, para se dedicar integralmente aos filhos e à casa, o feminismo ficará feliz com essa decisão, desde que tenha sido uma escolha da mulher e não uma imposição da lei, do marido ou da sociedade. Se outra mulher optar por nunca se casar e não ter filhos, o feminismo ficará igualmente feliz pelo exercício da sua liberdade.
Repito: o feminismo é a luta global por oportunidades iguais para pessoas de todos os gêneros e pela liberdade de escolha da mulher ao longo da sua vida, nos mais diversos assuntos. Qualquer pessoa que concorde com essas duas ideias concorda, basicamente, com a noção de feminismo.
Dentro do feminismo existem muitas correntes, o que é natural em qualquer movimento que lute por mudanças, já que há diversos caminhos possíveis. Algumas dessas vertentes são o feminismo neoliberal, o feminismo marxista, o feminismo radical, entre outras.
Existe também o feminismo interseccional, que prega a necessidade de levar todos os tipos de mulheres em consideração, para fazermos uma luta justa. Frequentemente, em debates feministas, só são levados em conta os problemas vividos por mulheres brancas privilegiadas (que são importantes e válidos, mas não podem ser tratados como os únicos que existem ou como os prioritários).
A ideia de interseccionalidade, que se originou dos debates do feminismo negro, representa a inclusão das questões que afetam as mulheres negras, as mulheres LGBTQIA+, as mulheres que vivem em regiões periféricas, as mulheres indígenas e tantas outras. Trata-se de olhar para as questões de gênero de uma maneira global e inclusiva, em vez de nos deixarmos guiar pelo individualismo.
As lutas feminista (pela igualdade e pela liberdade) e antimachista (pela identificação e o combate a estruturas e instituições injustas) são lutas constantes e que geram muito desgaste em quem as abraça. Mas trata-se de uma verdadeira escolha: diante da percepção de que o mundo é injusto, você opta por simplesmente anuir com isso ou por combater, um pouquinho a cada dia, essas injustiças.
Certa vez postei no meu Instagram algo curioso que aconteceu comigo. Meu pai me pediu ajuda para resgatar um eletrodoméstico com os pontos do cartão de crédito. Num dado momento, ele disse: “Olha, acho que esse mixer aqui é bom. É igual ao que a sua mãe tinha antes. Não. Espera. Isso foi machista. É igual ao que eu e sua mãe tínhamos antes.” Fiquei muito contente com a identificação, o reconhecimento e a retratação dele, tudo em menos de 10 segundos.
E o fato de ver meu pai, com mais de 70 anos, se esforçando pra mudar só fez com que eu me sentisse mais motivada a também me corrigir a cada vez que digo uma bobagem, bem como a escrever cada vez mais e a seguir dando cabeçadas, comprando brigas e tentando mudar uma pequena frase por dia. Cansa, mas vale muito a pena.