Jogue limpo, mas vença | Sextante

Jogue limpo, mas vença

Michael Dell

A jornada do fundador da Dell

A jornada do fundador da Dell

 

“Um livro para empreendedores, líderes e sonhadores.” – Satya Nadella, CEO da Microsoft

“Ácido e divertido, para ler como um suspense e roendo as unhas.” – The Economist

Como a curiosidade e bons valores são essenciais na vida e nos negócios.” – Walter Isaacson

 

Mais do que um simples autorretrato, este livro apresenta os princípios que nortearam o caminho de Michael Dell: a importância de manter viva a curiosidade, de estar aberto a mudanças e de acreditar no potencial das pessoas e da tecnologia.

  

Pela primeira vez, Michael Dell revela os altos e baixos de sua empresa e relembra os três desafios decisivos que enfrentou: criar o negócio, fazê-lo crescer e transformá-lo.

O livro começa em um momento crítico, quando, depois de quase 30 anos de sucesso, Dell se vê em uma luta pela sobrevivência da companhia e pela preservação de seu legado – ao mesmo tempo que amadurece como líder.

Num relato vertiginoso, ele narra as tensas negociações da histórica fusão que marcou a indústria de tecnologia. E, voltando ao passado, percorre a evolução da Dell desde as origens, em 1984, quando ainda era estudante de Medicina e montava computadores escondido dos pais no alojamento da faculdade.

Michael fala de vitórias, mas também de vulnerabilidades. De mentores que lhe mostraram como transformar sua paixão em negócio; de competidores que se tornaram amigos, inimigos ou ambos; de tubarões que rondavam em busca de sangue.

 

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Ficha técnica
Lançamento 10/05/2022
Título original Play Nice But Win
Tradução Ivanir Calado
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 320
Peso 300 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-364-0
EAN 9786555643640
Preço R$ 59,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-65-5564-365-7
Preço R$ 39,99
Ficha técnica audiolivro
ISBN 9786555644869
Duração 11h 20min
Locutor Luciano Ruperti
Lançamento 10/05/2022
Título original Play Nice But Win
Tradução Ivanir Calado
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 320
Peso 300 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-364-0
EAN 9786555643640
Preço R$ 59,90

E-book

eISBN 978-65-5564-365-7
Preço R$ 39,99

Audiolivro

ISBN 9786555644869
Duração 11h 20min
Locutor Luciano Ruperti
Preço US$7,99

Leia um trecho do livro

PARTE I
Do capital aberto ao capital fechado

 

VENTOS CONTRÁRIOS

 

Era uma linda noite de primavera naquela quarta-feira, 29 de maio de 2013, e eu estava sentado à mesa de jantar de Carl Icahn. Enquanto eu comia o bolo de carne preparado pela esposa dele, Carl tentava tomar a minha empresa.

Um momento totalmente surreal, em muitos sentidos.

Naquela noite de maio, a empresa que tinha o meu nome, com o E inclinado, quase escapou das minhas mãos. Eu ainda não sabia, mas estava bem na metade da linha do tempo de um drama de nove meses envolvendo a empresa de computadores pessoais que criei em 1984, no alojamento para calouros da Universidade do Texas.

Mas naquela noite houve uma mudança que faria com que eu também mudasse.

Eu gostaria de contar essa e outras histórias.

__________

 

O ano de 2005 começou cheio de promessas para a Dell Inc. Exceto pelo pequeno revés causado pelo estouro da bolha das pontocom cinco anos antes – uma correção de mercado que afetou não somente a nossa, mas também outras empresas de tecnologia –, a Dell havia desfrutado um crescimento quase ininterrupto de receita, lucros e fluxo de caixa durante duas décadas. Em janeiro de 2005, nossa participação nas vendas de PCs era de robustos 18,2%. Em fevereiro, a Fortune nos citou como a empresa mais admirada dos Estados Unidos. Segundo a revista, a Dell “prosperava num ramo que tecnicamente pode ser considerado o que se encontra em pior estado na União. Seus lucros nesse mercado de margem reduzida cresceram 15% em 2004, um feito que para a Dell parece ser tediosamente rotineiro. É a primeira fabricante de PCs a alcançar o título de Mais Admirada dos Estados Unidos desde que a fabricante original do PC, a IBM, saiu de cena, em 1986”.

Mas em setembro os ventos haviam começado a mudar. E muito. Ainda que nossos lucros tivessem crescido 28% no segundo trimestre, a receita total estava várias centenas de milhões de dólares abaixo das projeções. Como publicou o The New York Times, a Dell “se via diante da mesma questão enfrentada por outras empresas de tecnologia maduras e bem-sucedidas na década de 1990: como aumentar a receita quando já se é tão grande?”. Para complicar, os computadores pessoais e os laptops, que representavam cerca de 60% das nossas vendas, não geravam mais os altíssimos lucros de antes. À medida que os preços caíam, precisávamos vender um número muito maior de PCs apenas para manter a receita do ano anterior.

Entrevistado pelo Times, nosso CEO, Kevin Rollins, se culpou pelo déficit. “Para ser franco”, disse ele, “executamos mal a gestão geral dos preços” – sobretudo das máquinas vendidas diretamente para os consumidores.

Você leu certo, não foi um erro de digitação. Naquele outono, Kevin Rollins era o CEO da Dell Inc., não eu. Kevin havia assumido o cargo em julho de 2004 – embora “assumir” não seja exatamente a palavra certa. Eu permaneci como presidente do conselho, e nós dois continuamos comandando a empresa juntos, como vínhamos fazendo havia uma década. Pouca coisa mudou de fato, a não ser nossos títulos.

Assim, se alguém tinha culpa por aquela perda de receita, não era só ele. Mas no final de 2005 estava bastante claro que o mau desempenho não era uma anomalia: a Dell enfrentava sérios ventos contrários. Para começo de conversa, nossos concorrentes se mostravam mais espertos. Empresas como Hewlett Packard, Acer e Lenovo, que havíamos derrotado fragorosamente com nosso modelo de fabricação sob encomenda, descobriram como copiar muitas das nossas inovações na cadeia de suprimentos. Ao mesmo tempo, nossa fabricação, tão eficaz em abordar as muitas combinações dos computadores desktop, perdeu vantagem conforme a indústria passava dos desktops para os notebooks, mais difíceis de customizar. Os consumidores começavam a se concentrar mais em serviços e soluções à medida que o valor se deslocava do produto fundamental – o PC e os periféricos – para softwares, servidores e data centers.

Demoramos um pouco mais do que gostaríamos para entender tudo isso.

A Dell tinha um ponto positivo que estava sutilmente se transformando em negativo: durante alguns anos, colocamos o lucro à frente do crescimento e da participação de mercado, e o sucesso de uma empresa depende do equilíbrio entre esses três fatores. Nossos lucros eram robustos nos anos 2000, mas nossa fatia de mercado estava em franca erosão. E isso pode ter graves consequências.

Precisávamos desenvolver novas capacidades e investir em novas áreas, e rápido.

Em 2007 voltei a assumir o cargo de CEO – um movimento ao mesmo tempo simbólico e prático –, e embarcamos numa grande maratona de fusões e aquisições, a começar pela compra da empresa de armazenamento de dados EqualLogic, por 1,4 bilhão de dólares. A crise financeira de 2008 levou a um adiamento temporário dos nossos planos, mas no ano seguinte reiniciamos o programa com a aquisição da Perot Systems (por 3,9 bilhões de dólares) e, em 2010, de empresas de armazenamento, administração de sistemas, nuvem e software, como a Compellent, a Boomi, a Exanet, a InSite One, a KACE, a Ocarina Networks e a Scalent.

Em 2011, para completar nossa capacidade produtiva, compramos a Secureworks, a RNA Networks e a Force10 Networks. E em 2012 fizemos mais aquisições fundamentais em software e segurança, entre elas a Quest Software, a SonicWALL e a Credant Technologies. No ano fiscal de 2012, a Dell alcançou números recordes de receita, ganhos, rendimento operacional, fluxo de caixa e lucro por ação.

Talvez fosse a calmaria antes da tempestade.

Nem tudo ia bem na Dell. Tínhamos tentado entrar nos mercados de smartphones e tablets, sem sucesso. Chegamos a lançar o que ficou conhecido na época como “phablet” – um dispositivo Android de cinco polegadas chamado Streak. Não causou impacto (a começar pelo fato de que a maior parte do lucro foi para a Google).

Em 2012, as vendas de PCs tinham caído dois dígitos e continuávamos a perder participação de mercado. No fim do ano, com o enorme peso do fracasso do Windows 8 nos afundando ainda mais, nossa fatia havia sido reduzida a 10,5% – e os lucros também estavam em queda livre. Nosso valor de mercado estava abaixo de 20 bilhões de dólares.

No fim do ano, o preço das nossas ações chegaria à insignificância: menos de 9 dólares, uma queda substancial se pensarmos que entre 2009 e 2011 valiam entre 15 e 16 dólares. A sabedoria convencional, amplifica[1]da pela internet e por vários veículos de mídia, garantia que o PC estava condenado, o que significava que a Dell seguia o mesmo caminho.

Nossos acionistas estavam infelizes – inclusive eu.

Apesar do nosso sucesso espetacular ao longo dos anos – qualquer um que tivesse segurado as ações da Dell desde o início da capitalização obtivera uma rentabilidade de 13.500%, 27 vezes maior que os 500% do S&P 500 no mesmo período –, nossos acionistas estavam preocupados com o futuro da empresa. Ainda assim, eu tinha todo o apoio deles, a ponto de em julho de 2012 me reelegerem CEO e presidente da Dell com mais de 96% dos votos.

Qual era minha missão? Tentar tranquilizá-los. “Não somos mais uma empresa de PCs”, afirmei ao editor-chefe da Fortune, Andy Serwer, em julho de 2012. Estávamos na conferência Brainstorm Tech, organizada pela revista, em Aspen. Mas era difícil convencê-lo. “Vocês não são mais uma empresa de PCs agora ou não querem ser uma empresa de PCs no futuro?”, perguntou Andy.

Lembrei a ele que nos últimos cinco anos tínhamos feito uma mudança coordenada nos negócios, migrando para soluções de TI de ponta a ponta: um conjunto completo de recursos para os clientes, de data centers a sistemas de segurança, administração de sistemas, armazenamento, servidores e soluções de rede.

Contei a Andy que a Dell agora atuava em quatro frentes. Primeiro havia o negócio voltado para o cliente, que estava se transformando em decorrência de tudo que vinha acontecendo em termos de mobilidade e virtualização. Isso criava novas necessidades em questões de segurança.

Em seguida, vinha o data center empresarial. Lembrei a Andy que tínhamos um negócio importante na área de armazenamento e rede, alimentado por todas as aquisições que fizéramos: em torno de 25 nos últimos três ou quatro anos. Disse, para o caso de alguém ter esquecido, que cerca de um terço dos servidores nos Estados Unidos era fabricado pela Dell. A infraestrutura virtual e de nuvem tinha se tornado muito relevante para nós.

E havia o negócio de software, centrado na gestão de sistemas e segurança de TI. Contei que gerenciávamos algo em torno de 29 bilhões de incidentes de segurança por dia, protegendo dezenas de trilhões de dólares de ativos para os maiores bancos e serviços financeiros do mundo.

Lembrei Andy de que, dos 110 mil colaboradores da Dell, quase metade – 45 mil – se ocupava do nosso quarto negócio: ajudar empresas a capturar valor a partir das necessidades de TI.

Portanto, estamos no meio de alguns desafios gigantescos, eu disse a Andy. Como conectar aplicações mais antigas a aplicações em nuvem? Como garantir e modernizar ambientes de TI levando-os dos mainframes para as plataformas X86? Como colocá-los na Dell Cloud de modo mais eficiente?

A Dell (e me enchi de orgulho ao dizer isto) era uma empresa muito diferente daquela de quatro ou cinco anos antes.

Aparentemente, Andy achou minha fala um tanto confusa.

– Estou errado ou não ouvi você mencionar os PCs em todo esse pequeno discurso? – perguntou.

Havia um telão atrás de nós. Andy projetou nele uma pergunta:

– No ano passado, os desktops e laptops representaram 54% da receita da Dell, abaixo dos 61% de 2008. Qual será o tamanho do negócio de PCs em cinco anos?

As respostas possíveis eram: (a) 50% a 54% (mais ou menos o mesmo que hoje); (b) 40% a 50%; e (c) 39% ou menos. A opção C recebeu de longe o maior número de votos.

A resposta correta era A.

Eu disse a Andy que, apesar de respeitar sua pesquisa, um modo mais efetivo de pensar na questão dos PCs em comparação com outros negócios era em termos de receita e lucro. Digamos (eu disse) que você venda 1 bilhão de dólares em PCs e 1 bilhão de dólares em softwares: essas duas transações teriam características muito diferentes em relação a fluxo de caixa livre e margem de lucro. Aí residiam alguns dos problemas de enxergar a Dell estritamente do ponto de vista da receita. Nosso mix de produtos vinha mudando nitidamente, repeti.

Eu esperava que a mensagem estivesse ficando clara e acreditava de modo passional em tudo o que havia dito a Andy. Nos dias, semanas e meses seguintes, porém, a mídia especializada continuou batendo na tecla de que a Dell era sinônimo de PC e que o PC estava morrendo.

O preço das nossas ações não parava de cair.

Parte de mim sofria vendo as ações despencarem. A empresa tinha meu nome. Depois da minha família, ela significava tudo para mim. Mas meu lado mais sábio enxergava ali uma oportunidade. Em 2010, comprei um grande lote de ações da Dell no mercado aberto, confiando em que o preço iria subir. (Existem regras muito rígidas que estabelecem quando e como alguém de dentro, como eu, pode comprar ou vender ações da própria empresa: depois, mas não logo depois, de os ganhos trimestrais serem anunciados. Desnecessário dizer que segui essas regras.) Mas também me ocorreu que se eu – com a ajuda de outras pessoas, claro – pudesse comprar de volta todas as ações, nossa transformação como empresa poderia prosseguir sem a pressão dos relatórios trimestrais. Tornar-se uma empresa de capital fechado abriria a possibilidade de acelerar drasticamente o crescimento e permitiria à Dell causar um impacto muito maior no mundo.

Outros tiveram a mesma ideia.

Em 2010, numa conferência na Sanford Bernstein, um analista chamado Toni Sacconaghi me perguntou se eu já havia pensado em fechar o capital da empresa.

– Sim – respondi.

Meu monossílabo pairou no ar. Houve alguns risos na sala.

Sacconaghi sorriu.

– Foi mais sucinto do que eu esperava – disse ele. – Qual seria o evento capaz de levá-lo a considerar essa hipótese mais seriamente?

– Sem comentários – respondi, sentindo que talvez já tivesse falado de[1]mais. Sorri de volta.

Avancemos dois anos. No fim de maio de 2012, um mês e meio antes da conferência em Aspen, tive um encontro na nossa sede em Round Rock, no Texas, com vários executivos da Southeastern Asset Management, uma empresa de Memphis que era a segunda maior acionista da Dell (com cerca de 130 milhões de ações) depois de minha esposa, Susan, e de mim. Essas reuniões aconteciam com regularidade logo após o anúncio dos nossos resultados trimestrais, mas essa foi diferente porque, no meio das falas costumeiras sobre números e projeções, o executivo-chefe de investimentos da Southeastern, Staley Cates, disse que achava que deveríamos fechar o capital da empresa.

– Pode me falar mais sobre isso? – pedi.

– Vamos conversar mais tarde – disse Cates.

Para ser sincero, essa fala me deixou nervoso. O que me preocupava não era a ideia de fechar o capital em si, mas o fato de nosso segundo maior acionista levantar essa possibilidade. Eu não tinha a menor ideia do que Cates pretendia. Claro que ele queria aumentar o preço de suas ações, mas será que o desejo dele era que eu comprasse sua participação? Ou me ajudar a fechar o capital? Fui até o outro lado do prédio e conversei com Larry Tu, nosso consultor geral, e Brian Gladden, diretor financeiro.

– O que devemos fazer? – perguntei.

– Pergunte a ele como isso funcionaria – respondeu Brian. – Pergunte se ele tem um modelo financeiro que gostaria de compartilhar.

Foi o que fiz, e Cates me enviou uma planilha simples que detalhava sua ideia. Mandei a planilha para Gladden, e Brian a enviou para um banqueiro ligado a um grande banco de investimentos. O banqueiro analisou o modelo e disse que não se sustentava.

– É complicada demais, prevê muitos empréstimos, não vai dar certo – disse ele. – Esqueçam.

Esquecemos. Então aconteceu algo muito interessante.

 

__________

 

Enquanto eu tirava o microfone, atrás do palco, depois da sessão de perguntas e respostas em Aspen, um sujeito (alguns anos mais novo do que eu, aparentando boa forma física) se apresentou. Disse que seu nome era Egon Durban e que trabalhava na Silver Lake Partners.

– Adoraria conversar com você sobre uma ideia minha – disse ele. – Tenho uma casa no Havaí perto da sua, será que podemos nos encontrar qualquer hora dessas?

Pessoas se aproximam de mim o tempo todo e procuro ser educado, mas… Se aquele tal Egon Durban fosse de uma empresa da qual eu nunca tivesse ouvido falar, eu diria: “Claro, ligue para o meu escritório”, e nunca mais conversaríamos. Mas a Silver Lake era uma grande firma de private equity (investimentos em empresas não listadas na bolsa) com um ótimo histórico e profundo conhecimento de tecnologia (eu tinha investido no primeiro fundo criado por ela, em 1999). Por esse motivo, dei meu e-mail a Durban. Quando pesquisei sobre ele, vi que era um dos quatro sócios-gerentes da Silver Lake.

Na tarde de 16 de julho de 2012, Durban me escreveu reiterando o convite para um encontro. Encaminhei o e-mail para a minha secretária de longa data, Stephanie Durante, pedindo que ela marcasse com Egon Durban para 10 de agosto, num café à beira-mar perto da minha casa em Big Island, no Havaí.

Eu não tinha ideia do assunto. Será que a Silver Lake desejava comprar uma de nossas empresas? Ou nos vender alguma deles? Talvez ele quisesse que eu investisse num novo fundo. Poderia ser meia dúzia de coisas diferentes.

Era um dia lindo no Havaí – bem, os dias são sempre lindos no Havaí – quando nos encontramos, uma sexta-feira. Eu me sentia especialmente feliz por estar lá naquele momento. Costumo dizer, de brincadeira, que agosto na minha cidade natal, Austin, no Texas, é como a faixa FM no rádio: vai de 88 a 108 Fahrenheit (de 30 a 40 graus Celsius). Naquela manhã, em Big Island, uma brisa fresca soprava do mar; a temperatura era perfeita, 26 graus. Durban e eu poderíamos conversar no café, mas por que alguém ficaria num lugar fechado num dia assim?

– Vamos dar uma volta – sugeri.

Costumo pensar melhor enquanto estou andando, e o cenário era inspirador. Havia uma trilha ao longo da orla, e ondas límpidas, de um azul- -esverdeado, quebravam na areia.

– Qual é o negócio? – perguntei logo que começamos a andar.

– Analisamos a sua empresa e achamos que vocês deveriam pensar em fechar o capital.

– Humm! – falei, como se fosse a primeira vez que a ideia me ocorria. Eu havia pensado nisso muitas vezes, especialmente depois que o excesso de poupança em todo o mundo, que se seguiu ao estouro da bolha das pontocom em 2000, derrubara as taxas de juros, o que sempre é positivo quando se está captando dinheiro para fazer aquisições.

– E talvez possamos ajudar.

Fale mais – era o que a minha expressão indicava. Eu estava bancando o ingênuo porque queria que ele revelasse o plano, se acaso tivesse algum.

– Humm – falei de novo. – É mesmo?

– É.

– Bem, talvez você possa começar explicando por que acha que a ideia é boa.

 

__________

 

Caminhamos e conversamos por um tempo. Foi uma espécie de diálogo socrático: eu fazia uma série de perguntas sobre como a ideia funcionaria (e o que poderia dar errado) e Durban respondia com clareza e sinceridade, examinando meticulosamente cada possibilidade. Gostei dele no mesmo instante. Ele me pareceu muito inteligente, assertivo e ousado. Sabia por que queria falar comigo, acreditava com convicção em sua tese e não estava tentando me vender nada. Não dizia “Nós, da Silver Lake, estamos prontos para nos comprometer com esse negócio”. Eles tinham uma hipótese. Durban e eu estávamos ali para examiná-la.

A primeira coisa que ele disse foi que, com base na palestra que eu havia dado na conferência Fortune Brainstorm, além da pesquisa que sua em[1]presa havia feito a partir de informações públicas, a Silver Lake tinha uma percepção aguçada da estratégia de transformação da Dell. Eles sabiam por que vínhamos adquirindo todas aquelas empresas. Durban disse que ele e seus sócios nunca acreditaram nem por um minuto que o PC estava condenado – na opinião deles, os computadores pessoais e os periféricos poderiam seguir como parte importante da nossa receita ao mesmo tempo que estendíamos a empresa em novas direções. E estavam confiantes nessas novas direções.

– Por isso – disse Durban – achamos que a Dell está significativamente subvalorizada.

– Concordo.

Eu poderia dizer muito mais. Diante de tudo que vínhamos fazendo para reinventar a empresa nos últimos cinco anos e de quanto falamos sobre isso, eu me sentia abandonado pelos acionistas. Mas essa era uma reação emocional, de modo que não respondi nada naquele momento.

E também, continuou Durban, havia o fato de a Dell ter muito dinheiro em caixa. Eu tinha plena consciência disso, claro, e sabia dos inconvenientes. Por um lado, é bom que empresas de tecnologia não estejam endividadas demais. Ter uma liquidez considerável é uma coisa boa. No entanto, segundo uma perspectiva financeira de estrutura de capital, se uma empresa tem muito caixa, seu valor não pode aumentar tanto porque, de certa forma, é esmagado pelo peso do dinheiro vivo. O dinheiro vivo não se valoriza. Se, por outro lado, você usa o dinheiro para recomprar ações, esses papéis podem se valorizar bem mais. Isso envolve riscos: os preços das ações sempre podem cair, afetados por todo tipo de imprevistos. Porém, se a empresa gera alto fluxo de caixa com consistência, fazer recompras pode ser uma estratégia muito interessante.

A compra do controle acionário pode ser algo muito, muito bom, afirmou Durban, sobretudo com as ações da Dell naquele nível historicamente baixo.

Como se fosse a cereja do bolo, as taxas de juros estavam muito baixas na época. A força dos ganhos da Dell deixaria os bancos ansiosos para nos emprestar dinheiro – de repente Durban estava dizendo “nos” emprestar – e as taxas reduzidas tornariam o empréstimo indolor.

Se falávamos da compra de todas as ações da Dell, precisaríamos de um bom montante de dinheiro – por volta de 25 bilhões de dólares. Mesmo assim, Durban me assegurou que, juntando a Silver Lake e eu, além de talvez duas outras partes interessadas, poderíamos facilmente levantar todo o capital necessário e tomar emprestado o que faltasse. Uma compra alavanca[1]da seria preferível, porque todas as partes precisariam colocar muito menos dinheiro – e, dada a lucratividade comprovada da Dell, poderiam pagar a dívida com mais rapidez.

Perguntei como ele imaginava que seria a divisão entre os empréstimos e o capital próprio. Ele fez um cálculo aproximado. E então uma ideia me ocorreu:

– Uau – eu disse –, essa é uma transação grande. Vocês já fizeram algo desse porte?

Durban disse que não, mas que se sentiam plenamente confiantes e preparados para elevar o nível do jogo. Fiquei intrigado com essa abordagem vinda de uma grande firma de private equity. Eu sabia que, se houvesse um fechamento de capital, não partiria de banqueiros de investimentos, mas de uma empresa como a Silver Lake, e pelas mãos de alguém como Egon Durban. Em essência, os banqueiros de investimentos são intermediários. As empresas de private equity, como Blackstone, Apollo, TPG, a KKR e Silver Lake, investem o próprio dinheiro. Durban estava falando em colocar o capital da Silver Lake – boa parte dele – e queria fazer isso porque achava que sua empresa teria um retorno substancial.

Isso é capitalismo no sentido mais puro.

Tudo que Durban estava dizendo fazia sentido para mim. Simpatizei com ele e gostava da Silver Lake. E sabia, no íntimo, que era hora de fazer uma grande mudança. Mas havia uma quantia enorme em jogo, tão grande que eu não podia fazer (ou dizer) nada de maneira precipitada. Tão grande que eu precisava investigar todos os caminhos possíveis: fechar o capital era a decisão final a ser analisada. E Durban não esperava que eu reagisse de modo impulsivo. Assim, quando avisei que pensaria na proposta e entraria em contato, ele respondeu que entendia perfeitamente. Nos despedimos e cada um foi aproveitar em separado o restante do dia lindo.

 

__________

 

Eu tinha outro vizinho no Havaí cuja casa podia ver da minha: George Roberts, o “R” da KKR – Kohlberg Kravis Roberts, a empresa de investimentos global. George e seu coCEO, Henry Kravis, eram primos que tinham crescido juntos e formavam uma dupla de estadistas venerandos do negócio de private equity. Haviam criado uma empresa moderna e estavam entre os pioneiros da compra alavancada: foram fundamentais na história da aquisição do controle societário da RJR Nabisco, que deu origem ao filme Selvagens em Wall Street – baseado no livro Barbarians at the Gate: The fall of RJR Nabisco, de Bryan Burrough e John Helyar, lançado em 2009.

Fui ver George e levei meu laptop. Abri o computador e mostrei a ele alguns fatos e números sobre a Dell, apenas informações públicas.

– Você acha possível fecharmos o capital? – perguntei.

George examinou os dados, depois fez algumas perguntas.

– Sim, muito possível – disse. – Gostaríamos até de ajudá-lo a fazer isso.

Isso é interessante, pensei. Agora eu tinha duas pessoas importantes na área de private equity me dizendo que fechar o capital não era apenas possível, mas muito possível. E esses eram apenas meus vizinhos no Havaí! Não procurei mais ninguém – não falei com Steve Schwarzman, da Blackstone, nem com David Rubinstein, da Carlyle, nem com David Bonderman, da TPG.

Logo percebi que a pessoa com quem eu precisava falar primeiro era Larry Tu.

Voltei para Austin em 14 de agosto e me reuni com Larry. Com expressão séria, ele me disse que se eu ia embarcar no processo de tentar fechar o capital da empresa, deveria tomar várias providências. Primeiro eu teria que contratar meus próprios advogados. Para não criar conflito de interesses, a empresa não poderia me representar num esforço que talvez mudasse a própria essência da Dell como corporação – um esforço que o conselho ou os acionistas da Dell, ou ambos, poderiam aprovar ou não.

E segundo, claro, eu precisaria contar ao conselho o que me propunha fazer. Imediatamente.

Quanto à primeira parte, liguei para Marty Lipton, o sócio-fundador da firma de advocacia Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, um dos maiores especialistas do mundo em transações corporativas complexas.

– O que devo fazer? – perguntei.

– A primeira coisa é conversar com seu conselho – disse Marty.

– Ok, entendi.

– A segunda é fazer absolutamente tudo seguindo as regras. Vou colocá-lo em contato com Steve Rosenblum, aqui do escritório. Ele conhece esse pro[1]cesso como ninguém.

Em seguida, telefonei para Alex Mandl (presidente da gigante de segurança digital holandesa Gemalto e principal diretor independente no conselho da Dell) e expus minha ideia. Descrevi a proposta de Staley Cates em junho e meus encontros com Durban e Roberts. Disse que ainda estava na fase de análise, não havia decidido se queria avançar, mas, se avançasse, estaria disposto a me associar com a parte que oferecesse o melhor acordo possível para os acionistas. Disse também que precisaria ter acesso a determinadas informações de propriedade da empresa para avaliar a viabilidade de fechar o capital da Dell. Alex respondeu que teria que perguntar tudo isso ao conselho.

As coisas estavam começando a acelerar. Não seria fácil reunir os 12 membros do conselho (inclusive eu) – pessoas que comandavam grandes empresas em todo o mundo – em uma reunião presencial em pouco tempo. Assim, em 17 de agosto o conselho fez uma teleconferência, e eu, totalmente preparado por Steve Rosemblum, contei aos membros o que tinha dito a Alex. E mais:

  • Que o motivo fundamental do meu desejo de examinar uma proposta de adquirir a empresa era a crença em que a Dell poderia ser mais bem administrada como uma companhia de capital fechado, sem as pressões que uma empresa de capital aberto sofre pelo desempenho de curto prazo e outras desvantagens. (Transformar uma organização é um processo incerto, que envolve volatilidade financeira. E os investidores públicos não gostam de incerteza ou volatilidade.)
  • Que eu havia tido conversas preliminares com George Roberts, da KKR, e Egon Durban, da Silver Lake. Com base exclusivamente em informações públicas, os dois acreditavam na viabilidade de fazer uma oferta atraente para a empresa e para os acionistas.
  • Que numa conversa algumas semanas antes com Staley Cates, da Southeastern Asset Management (SEAM), ele dera a entender que a SEAM poderia ter interesse em se juntar a mim em uma proposta para adquirir a empresa.
  • Que eu não tinha feito nenhum acordo ou arranjo com a Silver Lake, a KKR ou a Southeastern; que havia falado com eles separadamente; e que não dera nenhuma informação confidencial a eles.
  • Que eu não tinha contratado um banco de investimentos e que avisaria ao conselho antes de fazer isso.
  • Que tinha pedido à Wachtell, Lipton, Rosen & Katz que me representasse juridicamente nessa questão.
  • Que não iria em frente sem o conhecimento pleno do conselho e sua aprovação para conduzir outras conversas e usar informações da em[1]presa para explorar a possibilidade de fazer uma proposta.
  • Que eu sabia que qualquer transação deveria ser a um preço justo e ter a maior precificação razoavelmente alcançável para os acionistas – e que esse preço estaria sujeito em última instância a uma verificação de mercado.
  • Que eu reconhecia que qualquer proposta minha seria revisada e negociada pelos diretores independentes, ou por uma comissão especial, e estaria sujeita à aprovação deles. Que qualquer processo seria deter[1]minado pelos diretores independentes ou pela comissão especial, os quais teriam advogados próprios e um banco independente.
  • Que meu passo seguinte, com a permissão do conselho, seria trabalhar com consultores e sócios potenciais em uma proposta.
  • Que Larry Tu seria assessor do conselho para assuntos de confidencialidade, negociações e outras questões legais.

 

Avisei que não avançaria nas discussões com nenhuma outra parte externa a não ser que tivesse a aprovação dos diretores independentes.

Alex disse que o conselho precisaria conversar sobre todos esses aspectos sem a minha presença.

Saí da teleconferência.

Depois da reunião, Mandl me ligou e avisou que o conselho estava preparado para considerar a possibilidade de fechar o capital – ou qualquer alternativa estratégica que pudesse tirar a Dell das dificuldades em que se encontrava. E que, com esse objetivo, eles me davam sinal verde para explorar uma possível proposta. Liguei para Egon Durban e George Roberts e contei isso a eles – separadamente. Nenhum dos dois fazia a mínima ideia de que eu havia falado com o outro.

Não liguei para Staley Cates.

Existem regras muito específicas sobre as atitudes que os investidores e os donos de empresas podem tomar ou não. Se um grande investidor sozinho numa sala diz “Hum, talvez fechemos o capital desta empresa”, ele está falando consigo mesmo – e só. Mas se eu, como o maior acionista da Dell, e a Southeastern, como a segunda maior acionista, nos reuníssemos e abordássemos esse assunto, poderíamos ser considerados um grupo, o que exigiria um pedido à SEC (a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos). Esse pedido seria aberto à informação, e a notícia do potencial negócio se tornaria de domínio público. E se a notícia vazasse antes de a transação ser assinada e anunciada, reduziria as chances de ela acontecer de fato.

Nem a Silver Lake nem a KKR – por definição, empresas de private equity – tinham ações da Dell Inc., uma empresa de capital aberto.

Nós (isto é, apenas eu e minha equipe jurídica da Wachtell Lipton) concordamos que, se chegássemos a assinar e anunciar uma transação de fechamento de capital, procuraríamos a Southeastern para saber se ainda estavam interessados no negócio.

Em 20 de agosto, o conselho fez outra teleconferência, da qual não participei. Durante a reunião, por recomendação de Alex Mandl, foi formada uma comissão especial de quatro pessoas para avaliar todas as possibilidades. Fariam parte dela o próprio Alex e outros três membros independentes do conselho: Laura Conigliaro, diretora da empresa de serviços profissionais Genpact, Janet Clark, diretora financeira da Marathon Oil Corporation, e Ken Duberstein, ex-chefe de gabinete da Casa Branca durante o governo Reagan.

Segundo o formulário de referência que a Dell entregaria à SEC, “o conselho delegou à comissão especial autoridade plena e exclusiva para (1) considerar qualquer proposta de adquirir a empresa envolvendo o Sr. Dell e quaisquer propostas alternativas vindas de outras partes; (2) contratar consultores jurídicos e financeiros para a comissão especial; (3) fazer uma recomendação ao conselho com relação a qualquer dessas transações propostas; e (4) avaliar, revisar e considerar alternativas estratégicas potenciais que possam estar disponíveis para a empresa. O conselho decidiu não recomendar nenhuma transação atual de fechamento de capital ou alternativa a alguma transação desse tipo sem a recomendação favorável da comissão especial. Subsequentemente, a comissão especial nomeou o Sr. Mandl como seu presidente”.

No dia seguinte, 21 de agosto, foram divulgados nossos números do segundo trimestre do ano fiscal de 2013 (o ano fiscal termina no último dia de janeiro, de modo que a maior parte do ano fiscal de 2013 ocorreu no ano calendário de 2012). Não eram fantásticos. A receita da Dell no segundo trimestre foi de 14,5 bilhões de dólares, aproximadamente 300 milhões a menos do que tínhamos projetado no início de julho e cerca de 800 milhões abaixo das projeções no início de junho. Portanto, reduzimos as expectativas de lucro por ação em nosso ano fiscal de 2013 de 2,13 dólares para 1,70 dólar. Atribuímos a perspectiva mais baixa ao ambiente econômico incerto, à dinâmica competitiva com outras empresas e ao declínio na demanda do negócio de EUC – end-user computing (computação do usuário final), como desktops, laptops, monitores e outros periféricos.

Você pode imaginar o que houve com o preço das nossas ações. (Curiosamente, tivemos a reunião trimestral com a Southeastern Asset Manage[1]ment no dia seguinte ao relatório, e Staley Cates não fez nenhuma menção a fechar o capital da empresa. Fiquei perplexo por algum tempo com essa atitude dele.)

Enquanto isso, tanto o conselho como a comissão especial passaram a se reunir a portas fechadas. Foram muitas reuniões, e portas fechadas significa que o público (inclusive os acionistas da Dell) não tinha ideia de que essas reuniões estavam acontecendo e que as portas estavam fechadas para mim. Nenhum acesso ao fundador e CEO. Era como se houvesse uma placa na porta da sala do conselho dizendo: Michael, mantenha distância. Eu sabia das reuniões, mas não sabia quando eram e muito menos o que acontecia nelas. Só ficava imaginando que diabos estariam discutindo e por que tudo demorava tanto. Duas grandes empresas de private equity demonstraram ansiedade para entrar nesse negócio comi[1]go. Eu tinha certeza de que outras também estariam aguardando uma resposta. Quão complicado poderia ser?

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Michael Dell

Sobre o autor

Michael Dell

MICHAEL DELL é fundador e CEO da Dell Technologies e membro honorário do Conselho da Fundação do Fórum Econômico Mundial. Em 1999, ele e a esposa criaram a Fundação Michael e Susan Dell, dedicada a transformar a vida de crianças que vivem em situação de pobreza nos grandes centros urbanos.

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