Mitologia | Sextante

Mitologia

Edith Hamilton

Contos imortais de deuses e heróis

Contos imortais de deuses e heróis

 

Mitologia é um livro clássico que encanta gerações há 80 anos.

“Ninguém nos mostrou mais vividamente a grandeza dos mitos do que Edith Hamilton.” – The New York Times 

Mitologia dá vida aos principais mitos gregos, romanos e nórdicos, que são a pedra angular da cultura ocidental.

Neste livro clássico que encantou gerações, conhecemos as histórias de deuses e heróis que inspiram a criatividade humana desde a antiguidade até o presente.

 

 

Em uma narrativa detalhada e envolvente, acompanhamos o drama da Guerra de Troia e as andanças de Odisseu. Ouvimos as histórias de Jasão e o Velocino de Ouro, Cupido e Psiquê e o poderoso Rei Midas.

Descobrimos as origens dos nomes das constelações. Testemunhamos os trabalhos de Hércules e os esforços de Odin para evitar o Ragnarok.

E, fundamentalmente, reconhecemos nessas histórias pontos de referência para incontáveis obras de arte, literárias e culturais de nosso tempo – do Complexo de Édipo de Freud ao ciclo de óperas do Anel do Nibelungo, de Richard Wagner.

A voz vívida com que Edith Hamilton narra os contos clássicos – respeitando o estilo de seus autores originais – torna Mitologia ao mesmo tempo um guia de referência para estudiosos e um livro delicioso para ser apreciado por leitores de todas as idades.

Compartilhe: Email
Ficha técnica
Lançamento 16/08/2022
Título original Leadership Mastery
Tradução Paulo Afonso
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 416
Peso 250 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-407-4
EAN 9786555644074
Preço R$ 69,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-65-5564-408-1
Preço R$ 44,99
Ficha técnica audiolivro
ISBN 9786555645521
Duração 16h 19min
Locutor Elaine Correia
Lançamento 16/08/2022
Título original Leadership Mastery
Tradução Paulo Afonso
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 416
Peso 250 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-407-4
EAN 9786555644074
Preço R$ 69,90

E-book

eISBN 978-65-5564-408-1
Preço R$ 44,99

Audiolivro

ISBN 9786555645521
Duração 16h 19min
Locutor Elaine Correia
Preço US$ 7,99

Leia um trecho do livro

Prefácio

 

Um livro sobre mitologia precisa recorrer a fontes muito distintas. Mil e duzentos anos separam os primeiros dos últimos autores por meio dos quais os mitos chegaram até nós, e há histórias tão diferentes entre si quanto Cinderela e Rei Lear. Na verdade, juntar todas elas num único livro é, em certa medida, comparável a reunir todas as histórias da literatura inglesa – desde Chaucer até as baladas, passando por Shakespeare, Marlowe, Swift, Defoe, Dryden, Pope e assim por diante, até terminar, digamos, com Tennyson e Browning; ou mesmo, para deixar a comparação ainda mais verdadeira, com Kipling e Galsworthy. A coleção inglesa seria maior, mas conteria materiais igualmente díspares. Na verdade, Chaucer se parece mais com Galsworthy, e as baladas com Kipling, do que Homero com Luciano de Samósata ou Ésquilo com Ovídio.

Diante desse problema, decidi logo de início descartar qualquer ideia de unificar as histórias. Fazer isso seria como reescrever Rei Lear no mesmo nível de Cinderela, por assim dizer – uma vez que o procedimento contrário seria obviamente impossível –, ou então contar, à minha maneira, histórias que não eram minhas e que já foram contadas por grandes autores de modos que eles julgaram adequados. Não quero dizer com isso, é claro, que o estilo de um grande autor possa ser reproduzido nem que eu devesse tentar realizar tal façanha. Minha intenção foi apenas distinguir para o leitor os diferentes autores que trouxeram o conhecimento dos mitos até nós. Por exemplo, Hesíodo é um escritor conhecido pela simplicidade e pela religiosidade; é ingênuo, infantil até, por vezes, cru e sempre muito devoto. Muitas das histórias deste livro foram contadas apenas por ele. Ao seu lado, há histórias contadas apenas por Ovídio, sutil, refinado, artificial, pretensioso e absolutamente cético. Meu esforço foi fazer o leitor perceber alguma diferença entre escritores tão distintos. Afinal, quando alguém pega um livro como este, não se importa se o autor recontou as histórias de modo mais divertido, e sim quanto conseguiu aproximá-lo do original.

Espero que aqueles que não conhecem os clássicos obtenham, assim, não só um conhecimento em relação aos mitos, mas também uma noção de como eram os escritores responsáveis por eternizá-los.

 

Introdução à

mitologia clássica

 

Outrora, a raça helênica se distinguia dos bárbaros por ter a mente mais arguta e mais livre de tolice.

Heródoto I:60

 

Há uma crença geral de que as mitologias grega e romana nos mostrariam como pensava e o que sentia a raça humana em tempos imemoriais. Segundo essa visão, por meio delas seria possível reconstruir o fio desde o homem primitivo, que convivia com a natureza em grande proximidade, até o homem civilizado, que vive muito distante dela. O verdadeiro atrativo dos mitos é que eles nos conduzem de volta a um tempo em que o mundo era recente e as pessoas tinham uma conexão com a terra, as árvores, os mares, as flores e as montanhas, diferente de qualquer coisa que possamos sentir hoje. Somos levados a entender que, quando as histórias estavam sendo elaboradas, a distinção entre o real e o irreal ainda era pequena. A imaginação era algo vivo, pujante e sem o contraponto da razão, de tal forma que qualquer pessoa poderia ver por entre as árvores da floresta uma ninfa em fuga ou, ao se curvar para beber de um lago de água límpida, avistar nas profundezas o rosto de uma náiade.

A perspectiva de voltar no tempo até esse estado deleitável é ressaltada por praticamente todo autor que aborde a mitologia clássica, em especial os poetas. Nesse tempo infinitamente remoto, os humanos primitivos podiam

Ver Proteu surgir do mar;

Ou ouvir o velho Tritão sua concha soar.

E por um instante podemos captar, por meio dos mitos criados à época, um vislumbre desse mundo tão estranho quanto belo.

No entanto, basta uma rápida consideração sobre os costumes dos povos não civilizados de qualquer parte e qualquer era para furar essa bolha romântica. Não há dúvida de que o homem primitivo, seja na atual Nova Guiné, seja nas selvas pré-históricas de milênios atrás, não é nem nunca foi uma criatura que povoa seu mundo com criações radiantes e lindas visões. Horrores espreitavam nas florestas, não ninfas e náiades. Lá vivia o Terror, com sua companheira íntima, a Magia, e sua defesa mais comum, o Sacrifício Humano. O principal recurso humano na tentativa de escapar da ira de quaisquer divindades que pudessem estar à solta consistia em algum rito mágico, desprovido de sentido mas carregado de poder, ou em alguma oferenda feita à custa de dor e tristeza.

 

A mitologia dos gregos

 

Esse quadro sombrio não poderia estar mais distante das histórias da mitologia clássica. Os gregos não contribuem muito para o estudo de como o homem dos tempos primitivos via o ambiente à sua volta. É digno de nota o tratamento breve dos mitos gregos por parte dos antropólogos.

É claro que os gregos também tinham suas raízes no lodo primordial. É claro que eles também, um dia, levaram uma vida selvagem, feia e brutal. Mas o que seus mitos mostram é quão alto eles tinham se alçado acima da sujeira e da violência ancestrais no momento em que passamos a ter qualquer conhecimento a seu respeito. Só é possível encontrar, nas histórias, uns poucos indícios dessa época.

Não sabemos quando essas histórias foram contadas pela primeira vez em sua forma atual, mas é certo que a vida primitiva já tinha sido deixada para trás havia muito. Os mitos, tais como os conhecemos hoje, são uma criação de grandes poetas. O primeiro registro escrito da Grécia é a Ilíada. A mitologia grega nasce com Homero, que, acredita-se, viveu não menos que mil anos antes de Cristo. A Ilíada é, ou contém, a mais antiga literatura grega, e é escrita numa linguagem rica, bela e sutil, decerto precedida por séculos de esforço humano para se expressar com clareza e beleza, prova indiscutível de civilização. As histórias da mitologia grega não lançam uma luz esclarecedora sobre o que era a humanidade antiga. Elas lançam, isso sim, farta luz sobre como eram os antigos gregos, uma questão aparentemente mais importante para nós, que somos seus descendentes dos pontos de vista intelectual, artístico e também político. Nada que aprendamos a seu respeito nos é estranho.

Muitas vezes se fala sobre “o milagre grego”. O que essa expressão tenta transmitir é o renascimento do mundo ocorrido com o despertar da Grécia. “As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas.” Algo desse tipo aconteceu na Grécia.

Por que isso aconteceu, ou quando, não temos a menor ideia. Tudo que sabemos é que, nos primeiros poetas gregos, surgiu um ponto de vista novo, jamais sonhado no mundo anterior a eles, mas que nunca desapareceria do mundo posterior. Quando a Grécia se destacou, a humanidade se tornou o centro do Universo, a coisa mais importante nele contida. Essa foi uma revolução do pensamento. Até então, os seres humanos pouco significavam. Foi na Grécia que eles se deram conta, pela primeira vez, do que era a raça humana.

Os gregos criaram seus deuses à própria imagem. Isso nunca antes havia passado pela mente humana. Até então, os deuses não tinham qualquer semelhança com a realidade. Eram diferentes de qualquer criatura viva. No Egito eram um colosso gigantesco, imóvel, ao qual nem mesmo a imaginação era capaz de atribuir movimento, tão fixo na pedra quanto as gigantescas colunas dos templos, uma representação da forma humana tornada propositalmente não humana. Ou então uma figura rígida, uma mulher com cabeça de gato a sugerir uma crueldade inflexível e desumana. Ou ainda uma esfinge monstruosa e cheia de mistério, alheia a tudo que vive. Na Mesopotâmia, eram baixos-relevos de formas animalescas diferentes de qualquer animal conhecido até então, homens com cabeça de pássaro e leões com cabeça de touro, ambos dotados de asas de águia, criações de artistas desejosos de produzir algo jamais visto a não ser na própria mente, a verdadeira consumação da irrealidade.

Esses eram o tipo de deuses que o mundo anterior aos gregos venerava. Mas basta imaginar ao seu lado qualquer estátua grega de um deus, tão normal e natural em toda a sua beleza humana, para perceber que uma nova ideia surgira no mundo. Com a sua chegada, o Universo se tornou racional. O apóstolo Paulo disse que era preciso entender o invisível por meio do visível. Esse não é um conceito hebraico, mas grego. No mundo antigo, somente na Grécia as pessoas se preocupavam com o visível; elas encontravam a satisfação de seus desejos no que era de fato o mundo à sua volta. O escultor observava os atletas disputando os jogos e sentia que nada que pudesse imaginar seria tão belo quanto aqueles corpos jovens e fortes. Então esculpia sua estátua de Apolo. O contador de histórias encontrava Hermes entre as pessoas por quem passava na rua. Ele via o deus “como um rapaz naquela idade em que a juventude é mais bela”, como diz Homero. Os artistas e poetas gregos se deram conta do esplendor que um homem podia ser: ereto, forte, veloz. Ele era a personificação da sua busca por beleza. Esses artistas e poetas não tinham desejo algum de criar uma fantasia forjada na própria mente. Toda a arte e todo o pensamento da Grécia giravam em torno dos seres humanos.

Deuses humanos naturalmente faziam do céu um lugar agradável e familiar. Os gregos se sentiam em casa ali. Sabiam exatamente o que seus divinos habitantes lá faziam, o que comiam e bebiam, onde faziam seus banquetes e como se divertiam. É claro que os deuses deveriam ser temidos, pois eram muito poderosos e muito perigosos quando zangados, mas, com o devido cuidado, um humano podia se sentir razoavelmente à vontade em sua companhia. Era, inclusive, perfeitamente livre para rir deles. Ao tentar esconder da esposa seus casos de amor e ser descoberto, Zeus era uma grande fonte de graça. Os gregos se divertiam com ele e o apreciavam ainda mais por causa disso. Hera era aquele personagem clássico da comédia, a típica esposa enciumada, e seus truques engenhosos para constranger o marido e punir as rivais, longe de desagradar aos gregos, divertiam-nos tanto quanto as versões modernas de Hera nos divertem hoje. Essas histórias geravam um sentimento de amizade. Rir diante de uma esfinge egípcia ou de um monstro alado assírio era algo inconcebível, mas no Olimpo o riso era perfeitamente natural e tornava os deuses simpáticos.

Também na Terra as divindades eram extrema e humanamente atraentes. Na forma de lindos rapazes e moças, povoavam os bosques, as florestas, os rios e o mar, em harmonia com a formosa terra e com as águas cintilantes.

Esse é o milagre da mitologia grega: um mundo humanizado, homens libertados do medo paralisante de um Desconhecido onipotente. As terríveis incompreensões veneradas em outras partes e os espíritos pavorosos que povoavam terra, ar e mar foram banidos da Grécia. Dizer que os homens que criaram os mitos não tinham apreço pelo irracional e amavam os fatos pode parecer estranho, mas é verdade, por mais extravagantes e fantásticas que sejam algumas de suas histórias. Qualquer um que as leia com atenção descobre que até mesmo aquelas que fazem menos sentido ocorrem num mundo de essência racional e prática. Hércules, cuja vida foi um grande combate contra monstros absurdos, sempre foi apresentado como um nativo de Tebas. O local exato em que Afrodite nasceu da espuma podia ser visitado por qualquer turista da Antiguidade: ficava no litoral da ilha de Citera. O garanhão alado Pégaso, depois de passar o dia voando, ia dormir todas as noites num confortável estábulo em Corinto. Uma ambientação próxima e conhecida conferia realidade a todos os seres míticos. Se essa mistura lhe parece infantil, pense em como esse fundo sólido é tranquilizador e sensato em comparação com um gênio que surge do nada quando Aladim esfrega a lâmpada e, uma vez tendo cumprido sua tarefa, ao nada retorna.

O irracional aterrorizante não tem lugar na mitologia clássica. A magia, tão poderosa nos mundos anterior e posterior à Grécia, é quase inexistente. Não há nenhum homem e apenas duas mulheres com poderes terríveis e sobrenaturais. Os magos demoníacos e as horrendas bruxas velhas que assombravam a Europa, e também a América, até épocas bem recentes, não têm qualquer participação nas histórias. Circe e Medeia são as únicas bruxas, e ambas são jovens e de beleza ímpar: não são horríveis, mas sim formosas. A astrologia, que floresceu desde a época da antiga Babilônia até hoje, está completamente ausente da Grécia clássica. Há muitas histórias sobre as estrelas, mas nenhum vestígio da ideia de que elas influenciam a vida humana. O sentido que a mente grega acabou por dar às estrelas é a astronomia. Nenhuma história sequer contém um terrível sacerdote mágico a ser temido por conhecer formas de conquistar os deuses ou neutralizar seu poder. O sacerdote raramente é visto e nunca é importante. Na Odisseia, quando um sacerdote e um poeta caem de joelhos diante de Odisseu e imploram que este lhes poupe a vida, o herói mata o sacerdote sem pestanejar, mas salva o poeta. Segundo Homero, ele não ousou matar um homem cuja arte divina lhe fora ensinada pelos deuses. Quem tinha influência no céu não era o sacerdote, mas o poeta, e ninguém nunca temeu um poeta. Da mesma forma, os fantasmas, que tiveram uma participação tão forte e tão assustadora em outros lugares, não aparecem na terra em nenhuma história grega. Os gregos não temiam os mortos; “os pobres mortos”, é como a Odisseia os chama.

O mundo da mitologia grega não era um lugar de terrores para o espírito humano. É verdade que os deuses eram de uma imprevisibilidade desconcertante. Ninguém saberia em que lugar cairia o raio de Zeus. Apesar disso, todo o elenco divino, com poucas e, em sua maioria, desimportantes exceções, era de uma beleza fascinante, uma beleza humana, e nada humanamente belo é de fato aterrorizante. Os primeiros mitologistas gregos transformaram um mundo cheio de medo num mundo cheio de beleza.

Esse quadro solar tem seus pontos de sombra. A mudança foi lenta e nunca chegou a se completar. Os deuses tornados humanos foram, durante muito tempo, uma leve melhoria de seus adoradores. Eram incomparavelmente mais belos e mais poderosos, e eram naturalmente imortais, mas, muitas vezes, agiam de um modo que nenhum homem ou mulher decente agiria. Na Ilíada, Heitor é muito mais nobre do que qualquer um dos seres celestiais e Andrômaca é infinitamente preferível a Palas Atena ou Afrodite. Hera, do início ao fim, é uma deusa com um nível muito baixo de humanidade. Quase todas as radiosas divindades eram capazes de agir com crueldade e desprezo. No céu de Homero, e durante muito tempo depois, prevalecia um conceito muito limitado de certo e errado.

Outros pontos sombrios sobressaem. Há vestígios de um tempo em que havia deuses animalescos. Os sátiros são homens-bode e os centauros são metade homem, metade cavalo. Hera muitas vezes é chamada de “cara de vaca”, como se o adjetivo houvesse, de alguma forma, a acompanhado ao longo de todas as suas mudanças, de vaca divina até rainha muito humana do céu. Algumas histórias também apontam claramente para um tempo anterior em que o sacrifício humano existia. Mas o espantoso não é restarem pedacinhos de crenças selvagens aqui e ali, o estranho é serem tão escassos.

É claro que o monstro mítico está presente sob diversas formas, Górgonas e hidras e temíveis quimeras, mas eles só estão presentes para proporcionar ao herói sua gloriosa recompensa. O que um herói poderia fazer num mundo sem eles? Os monstros são sempre vencidos pelo herói. O grande herói da mitologia, Hércules, talvez seja uma alegoria da própria Grécia. Ele combateu monstros e libertou a terra de seu domínio da mesma forma que a Grécia libertou a terra da monstruosa ideia de um humano subjugado por um não humano supremo.

Apesar de ser, em grande parte, feita de histórias sobre deuses e deusas, a mitologia da Grécia não deve ser lida como uma espécie de Bíblia grega, um relato da religião da Grécia. Segundo a ideia mais moderna, o verdadeiro mito nada tem a ver com religião. Ele é uma explicação de algo na natureza; o mito explica, por exemplo, como toda e qualquer coisa no Universo veio a existir: homens, animais, esta ou aquela árvore ou flor, o Sol, a Lua, as estrelas, tempestades, erupções vulcânicas, terremotos, tudo que existe e tudo que acontece. O trovão e o relâmpago acontecem quando Zeus desfere seu raio. Um vulcão entra em erupção porque uma terrível criatura está presa dentro da montanha e, de vez em quando, luta para se libertar. O Grande Carro – a constelação também chamada de Ursa Maior – não se põe abaixo do horizonte porque uma deusa, um dia, se zangou e decretou que ele nunca desapareceria no mar. Os mitos são ciência antiga, resultado das primeiras tentativas humanas de explicar o que viam à sua volta. Mas existem muitos supostos mitos que não explicam absolutamente nada. Essas histórias são puro entretenimento, o tipo de coisa que as pessoas contariam umas às outras numa longa noite de inverno. A história de Pigmalião e Galateia é um exemplo; ela não tem conexão com nenhum acontecimento da natureza. O mesmo vale para a busca do velocino de ouro, para a história de Orfeu e Eurídice, e para muitas outras. Esse fato é hoje amplamente aceito, e não precisamos tentar encontrar em toda heroína mítica a Lua ou a aurora, nem na vida de todo herói um mito do Sol. Além de serem uma forma primária de ciência, as histórias são também uma forma primitiva de literatura.

Mas a religião também está presente nelas – ao fundo, com certeza, mas, ainda assim, visível. Desde Homero até os autores trágicos, e mesmo depois, existe uma consciência cada vez mais profunda do que o ser humano necessita e do que precisa encontrar em seus deuses.

Parece certo que o Zeus do trovão era, antes, um deus da chuva. Ele era superior até mesmo ao Sol, porque a pedregosa Grécia precisava mais de chuva do que de sol, e o Deus dos deuses seria aquele capaz de proporcionar a seus adoradores a preciosa água da vida. Mas o Zeus de Homero não é um fato da natureza. Ele é uma pessoa vivendo num mundo que a civilização já adentrou, e naturalmente ele tem um padrão para o que é certo e errado. Não um padrão muito alto, com certeza, e que parece se aplicar sobretudo aos outros, não a ele mesmo, mas Zeus de fato pune os homens que mentem e quebram seus juramentos; zanga-se com qualquer agravo aos mortos; e fica com pena e ajuda o velho Príamo quando este procura Aquiles como suplicante. Na Odisseia, ele alcançou um nível mais alto. Nela, o guardador de porcos diz que os necessitados e forasteiros pertencem a Zeus e que quem não os ajudar estará pecando contra o próprio Zeus. Hesíodo, não muito depois da Odisseia, se não na mesma época, diz sobre o homem que trata mal o vassalo e o forasteiro, ou que engana crianças órfãs: “Com este homem, Zeus se zanga.”

A Justiça então se torna companheira de Zeus. Essa era uma ideia nova. Os líderes guerreiros da Ilíada não queriam justiça, queriam poder pegar tudo que desejassem por serem fortes e queriam um deus que estivesse do lado dos fortes. Mas Hesíodo, um camponês que vivia no mundo de um homem pobre, sabia que os pobres precisavam de um deus justo. Ele escreveu: “Peixes, bestas e aves do ar devoram uns aos outros. Mas ao homem Zeus deu justiça. Junto a Zeus, em seu trono, está sentada a Justiça.” Esses trechos mostram que as grandes e amargas necessidades dos impotentes estavam chegando ao céu e transformando o deus dos fortes no protetor dos fracos.

Assim, por trás das histórias de Zeus amoroso, de Zeus covarde e de Zeus ridículo, é possível vislumbrar outro Zeus em formação, à medida que os homens vão ficando cada vez mais conscientes do que a vida lhes exige e daquilo de que os seres humanos precisam nos deuses que adoram. Esse Zeus foi gradualmente substituindo os outros até passar a ocupar toda a cena. Por fim, segundo as palavras de Dion Crisóstomo, que escreveu no século II d.C., ele se tornou “Nosso Zeus, aquele que concede todas as boas dádivas, pai, salvador e guardião de toda a humanidade”.

A Odisseia fala sobre “o divino pelo qual todos os homens anseiam” e, séculos depois, Aristóteles escreveu: “A excelência, pela qual a raça dos mortais tanto se esforça.” Desde os primeiros mitologistas, os gregos tinham uma percepção do divino e do excelente. Seu anseio por essas coisas era grande o suficiente para levá-los a jamais desistir de se esforçar para vê-las com clareza até, por fim, o trovão e o relâmpago se transformarem no Pai Universal.

 

 Os autores de mitologia gregos e romanos

 

A maioria dos livros sobre as histórias da mitologia clássica se apoia principalmente no poeta latino Ovídio, que escreveu durante o reinado de Augusto. Ovídio é um compêndio de mitologia. Nenhum escritor antigo pode se comparar a ele nesse quesito. Ele contou quase todas as histórias, e contou-as à exaustão. Vez por outra, histórias que conhecemos por meio da literatura e da arte só chegaram até nós pelas suas páginas. Evitei ao máximo usá-lo neste livro. Sem dúvida ele foi um bom poeta, um bom contador de histórias, capaz de apreciar suficientemente os mitos para compreender o excelente material que lhe ofereciam, mas, na realidade, estava mais distante deles, em seu ponto de vista, do que nós hoje. Para Ovídio, os mitos eram pura bobagem. Ele escreveu:

Falo das mentiras monstruosas dos poetas antigos,

Nunca vistas por olhos humanos de hoje ou de então.

Ele, na verdade, está dizendo ao leitor: “Não se importe com quão bobos são. Vou vesti-los com tanta beleza que você vai gostar deles.” E ele de fato o faz, frequentemente com grande beleza, mas, nas suas mãos, as histórias que eram verdades factuais e solenes para os antigos poetas gregos Hesíodo e Píndaro e veículos de grande verdade religiosa para os trágicos gregos tornavam-se contos fúteis, às vezes espirituosos e divertidos, muitas vezes sentimentais e perturbadoramente retóricos. Os mitologistas gregos não são retóricos e estão particularmente livres de sentimentalismo.

A lista de autores importantes por meio dos quais os mitos chegaram até nós não é longa. No topo, claro, está Homero. A Ilíada e a Odisseia são, ou melhor, contêm os mais antigos escritos gregos de que dispomos. Não há como datar com precisão qualquer parte dessas obras. Existe grande discórdia entre os estudiosos, e ela, sem dúvida, continuará existindo. Uma data tão inquestionável quanto qualquer outra é 1000 a.C., pelo menos para a Ilíada, o mais antigo dos dois poemas.

O segundo autor da lista, Hesíodo, às vezes é situado no século IX a.C., outras, no VIII a.C. Ele foi um agricultor pobre que teve uma vida difícil e amarga. Não poderia haver contraste maior entre seu poema Os trabalhos e os dias, que tenta mostrar aos homens como ter uma vida boa num mundo árduo, e o esplendor cortês da Ilíada e da Odisseia. Mas Hesíodo tem muito a dizer sobre os deuses, e um segundo poema, a Teogonia, habitualmente atribuído a ele, é inteiramente dedicado à mitologia. Caso ele o tenha de fato escrito, então aquele humilde camponês que vivia numa remota propriedade rural foi o primeiro homem na Grécia a se perguntar como tudo tinha vindo a ser – o mundo, o céu, os deuses e a humanidade – e a pensar numa explicação. Homero nunca se perguntou nada. A Teogonia é um relato sobre a criação do Universo e das gerações dos deuses e é muito importante para a mitologia.

Em seguida, na ordem, vêm os hinos homéricos, poemas escritos em homenagem a deuses diversos. Não há como lhes atribuir uma data definitiva, mas os mais antigos são considerados, pela maioria dos estudiosos, pertencentes ao final do século VIII a.C. ou início do VII a.C. O último importante – são 33 ao todo – pertence à Atenas do século V a.C. ou possivelmente IV a.C.

Píndaro, o maior poeta lírico da Grécia, começou a escrever por volta do final do século VI a.C. Escreveu odes em homenagem aos vencedores dos jogos nos grandes festivais nacionais da Grécia e, em cada um de seus poemas, mitos são contados ou mencionados. Píndaro tem praticamente a mesma importância para a mitologia que Hesíodo.

Ésquilo, o mais antigo dos três poetas trágicos, foi contemporâneo de Píndaro. Os outros dois, Sófocles e Eurípides, eram um pouco mais jovens. Eurípides, o mais novo, morreu no fim do século V a.C. Com exceção de Os persas, de Ésquilo, escrito para comemorar a vitória dos gregos sobre os persas em Salamina, todas as peças têm temas mitológicos. Junto com Homero, eles são a fonte mais importante de nosso conhecimento dos mitos.

O grande dramaturgo cômico Aristófanes, que viveu na última parte do século V e no início do IV, faz referências constantes aos mitos, bem como dois grandes autores de prosa: Heródoto, o primeiro historiador da Europa, contemporâneo de Eurípides; e o filósofo Platão, que viveu menos de uma geração mais tarde.

Os poetas alexandrinos viveram por volta de 250 a.C. Eram assim chamados porque, quando escreveram, o centro da literatura grega havia se deslocado da Grécia para Alexandria, no Egito. Apolônio de Rodes fez um longo relato sobre a busca do velocino de ouro e contou também diversos outros mitos relacionados a essa história. Ele e três outros alexandrinos que também escreveram sobre mitologia – os poetas pastorais Teócrito, Bíon e Mosco – perderam a simplicidade de Hesíodo e a crença que Píndaro tinha nos deuses, e estão bem distantes da profundidade e gravidade da visão religiosa dos poetas trágicos, mas não são frívolos como Ovídio.

Dois escritores tardios, o latino Apuleio e o grego Luciano, ambos do século II d.C., dão uma contribuição importante. A célebre história de Cupido e Psiquê é contada somente por Apuleio, que escreve de forma bem parecida com Ovídio. Luciano escreve como ninguém exceto ele próprio. Ele satirizou os deuses. Na sua época, os deuses já tinham virado motivo de piada. Ainda assim, ao fazê-lo, ele fornece uma boa quantidade de informações a respeito deles.

O também grego Apolodoro é, junto com Ovídio, o mais prolífico escritor antigo sobre mitologia, mas se diferencia dele por ser muito prático e muito maçante. Quanto ao período em que viveu, as hipóteses variam desde o século I a.C. até o século IX d.C. O estudioso inglês sir J. G. Frazer acredita que ele tenha escrito no primeiro ou segundo século de nossa era.

O grego Pausânias, ardoroso viajante e autor do primeiro guia de viagem já escrito, tem bastante a dizer sobre os acontecimentos mitológicos supostamente ocorridos nos lugares que visitou. Ele viveu no século II d.C., mas não questiona nenhuma das histórias e escreve sobre elas com total seriedade.

Dos escritores romanos, Virgílio está bem adiante dos outros. Acreditava tão pouco nos mitos quanto Ovídio, de quem foi contemporâneo, mas encontrava neles a natureza humana e deu vida aos personagens mitológicos de um modo que ninguém tinha feito desde os trágicos gregos.

Outros poetas romanos escreveram sobre os mitos. Catulo conta várias das histórias e Horácio faz frequentes alusões a elas, mas nenhum dos dois é importante para a mitologia. Para todos os romanos, as histórias eram extremamente distantes, meras sombras. Os melhores guias para conhecer a mitologia grega são os autores gregos, que acreditavam no que escreviam.

LEIA MAIS

Edith Hamilton

Sobre o autor

Edith Hamilton

EDITH HAMILTON (1868-1963) nasceu na Alemanha e cresceu nos Estados Unidos. Foi diretora da Bryn Mawr College, uma faculdade de artes liberais para mulheres. Ao se aposentar, começou a escrever sobre as civilizações do mundo antigo e logo ganhou fama mundial como classicista. Em 1957, o rei Paulo da Grécia a nomeou cidadã honorária de Atenas. É autora de diversos livros, e Mitologia é considerada uma obra de referência sobre o assunto há oito décadas.

VER PERFIL COMPLETO

Assine a nossa Newsletter

Administração, negócios e economia
Autoajuda
Bem-estar, espiritualidade e mindfulness
Biografias, crônicas e histórias reais
Lançamentos do mês
Mais vendidos
Audiolivros
Selecionar todas
Administração, negócios e economia Lançamentos do mês
Autoajuda Mais vendidos
Bem-estar, espiritualidade e mindfulness Biografias, crônicas e histórias reais
Audiolivros Selecionar todas

Sobre o uso de cookie neste site: usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.