Introdução
Negociar é uma questão de criatividade, não de conciliação
Mesmo sem perceber, você negocia o tempo todo. Ao pedir mais recursos ao seu chefe, concordar com o vendedor sobre o preço de um produto ou serviço, avaliar o desempenho de um funcionário, convencer um fornecedor a unir forças com sua empresa, ou até quando decide com o cônjuge onde vão passar as férias, você está transformando uma conversa potencialmente conflituosa em uma solução para ambas as partes. Negociar é isto: uma situação em que duas partes, com motivações e objetivos em geral competitivos, chegam a um acordo que satisfaça ambas.
Não são apenas as discussões de alto risco, que duram meses, que exigem uma abordagem ponderada. O aperfeiçoamento da capacidade de lidar com diferentes situações traz ótimos resultados. Isso significa aprimorar certas técnicas, como administração de conflitos (era de se esperar) e pensamento criativo (talvez por essa você não esperasse), fundamentais para se chegar a decisões mutuamente benéficas.
Já ouvi muita gente dizer que, para ser um bom negociador, é preciso ter raciocínio rápido no calor do momento e falar ou debater melhor do que a outra parte. Essas habilidades ajudam, com certeza. Mas os melhores negociadores – os que com frequência obtêm o que querem – são os mais bem preparados e os mais criativos.
Este livro vai ajudar você a desenvolver todas essas habilidades, de modo a ser mais eficaz no trabalho – e até na concretização daquela viagem de férias.
Os conselhos deste guia são dirigidos aos profissionais de todos os níveis hierárquicos, com ou sem experiência no assunto. Eles se aplicam a negociações de qualquer porte, não importando se você está sozinho na mesa de negociações ou se dispõe de uma equipe inteira de apoio. No decorrer do livro, há exemplos de pequenas e grandes negociações, para mostrar como as táticas funcionam na prática.
Repense seu conceito de negociação
Existe uma percepção equivocada de que, na negociação, das duas uma: ou você “ganha” ou você preserva o relacionamento com a outra parte – seu chefe, cliente, parceiro de negócios, etc. Ou seja, seria impossível conseguir as duas coisas. As pessoas acham que precisam escolher entre serem duronas e barganhar a todo custo ou serem dóceis e fazer concessões a fim de manter a amizade.
Essa maneira de pensar leva a negociação a ocorrer da seguinte forma:
Parte 1: É isto que eu quero.
Parte 2: É isto que eu quero.
Parte 1: Está bem. Farei essa pequena concessão para me aproximar do que você quer. Mas só desta vez.
Parte 2: Está bem. Como você fez isso, também farei uma pequena concessão. Mas só desta vez.
Parte 1: Olha, isso é o máximo que posso fazer.
Parte 2: Idem.
Parte 1: Acho que preciso consultar meu chefe (ou encontrar outra pessoa com quem negociar).
Parte 2: Também preciso recuar.
Parte 1: Talvez eu possa fazer alguma coisa. E se eu fizer mais uma concessão?
Parte 2: Ajudaria.
Parte 1: Então vou precisar de uma concessão da sua parte.
Parte 2: Está certo. E se concordássemos em dividir a diferença?
Parte 1: Negócio fechado.
Parece familiar? Essa é uma abordagem habitual, muitas vezes chamada de “negociação ou barganha posicional”. As pessoas acreditam que, se entrarem na negociação parecendo severas e inflexíveis e, em seguida, fizerem pequenas concessões já planejadas e ameaças mal disfarçadas, terão uma influência maior e obterão o resultado desejado. Mas acredito que não é esse o caminho da negociação que leva ao que você quer. Trata-se simplesmente de uma atividade de barganha, um jogo de concessões que obriga você (e a outra parte) a chegar a um meio-termo.
A negociação posicional não é de todo má. Pode ser rápida e eficiente. Requer pouca preparação além do conhecimento prévio de qual será a proposta inicial e quais concessões e ameaças se está disposto a fazer. E, por fim, passa sempre a impressão de se ter obtido algo, porque, se a outra parte cumpriu seu papel, também terá feito uma concessão. Na verdade, a negociação posicional funciona bem quando se está fazendo transações simples, de baixo risco, e não há a preocupação com o relacionamento futuro com a outra parte (como barganhar o preço daquele sofá de couro usado no bazar).
No entanto, esse enfoque pode ser perigoso. Em quase todas as negociações no meio corporativo – pedir um aumento ao chefe, resolver um conflito com o cliente, convencer os outros de uma mudança de diretriz, concordar com o orçamento do ano seguinte, por exemplo – há muito mais em jogo e é grande a probabilidade de você continuar trabalhando com a outra pessoa. Se tentar usar a negociação posicional nesses contextos, não obterá resultados significativos. Você precisa se manter firme e, ao mesmo tempo, preservar os relacionamentos importantes.
A negociação posicional premia a teimosia e a ilusão. Muitas vezes resulta em desfechos arbitrários e prejudica os relacionamentos. E, sobretudo, ela o faz perder a oportunidade de obter mais do que a expectativa original do valor em jogo na negociação. Em outras palavras, por estar tão focado em dividir o bolo, você acaba não usando a criatividade para descobrir maneiras de fazê-lo crescer.
O maior perigo nesse enfoque talvez seja supor que se está num jogo de “soma zero” ou de toma lá dá cá: se você ganha algo, é porque a outra parte teve que ceder alguma coisa. Na maioria das negociações de que participei, há sempre um valor maior a ser criado do que o originalmente imaginado. O bolo quase nunca é estático, fixo.
Para negociar com maior eficácia, você precisa se afastar dessa abordagem combativa e de concessões e se aproximar de um enfoque mais cooperativo. A Tabela 1-1 mostra como reformular perguntas-chave sobre a negociação e chegar a isso. Por exemplo, em vez de se perguntar “O que estou disposto a ceder?”, é possível pensar de modo mais criativo e indagar: “Quais são as diferentes maneiras pelas quais podemos resolver essa questão?” Assim, você garante que não está encolhendo o bolo, mas fazendo com que ele cresça. Ao longo deste guia, você vai aprender a fazer esta mudança importantíssima.
A abordagem do círculo de valor
Esta mudança é o fundamento do que meus colegas e eu chamamos de abordagem da negociação segundo o círculo de valor. É o que acontece quando duas partes se encontram e cooperam para solucionar um problema – como decidir sobre um contrato, criar os parâmetros para um novo trabalho ou definir as condições de uma nova sociedade. Juntas, elas aprofundam as questões e cooperam na busca de compreender inteiramente os interesses mútuos subjacentes, criam opções que atendam aos principais interesses de todos (inclusive de quem nem sequer está presente na sala de reuniões), discutem precedentes racionais e utilizam parâmetros externos para avaliar possibilidades – ao mesmo tempo que administram ativamente as comunicações e constroem um relacionamento de trabalho.
À primeira vista, pode parecer uma abordagem “suave” à negociação. Na verdade, é o oposto: é preciso ser duro e disciplinado para se tornar verdadeiramente criativo e aplicar critérios equilibrados na tomada de decisões. A adoção de uma abordagem de cooperação na solução de problemas não exige, nem sequer tolera, o sacrifício dos próprios interesses. É uma questão de ter clareza sobre a razão de você querer o que quer (e da outra parte querer o que ela quer) e usar essa informação para encontrar uma solução de alto valor que levará ambos aonde querem.
Meus sócios e eu desenvolvemos e aperfeiçoamos esse método durante as últimas três décadas, desde sua origem no nosso trabalho com Roger Fisher, no Harvard Negotiation Project. Nós o empregamos – junto com estruturas, listas de verificação e técnicas que compartilhamos neste guia – em negociações com diversos clientes, como empresários, líderes governamentais e estudantes em Harvard, na Tuck School of Business, da Faculdade de Dartmouth, e na Academia Militar de West Point. Ele se baseia em pesquisa e, principalmente, na prática de negociadores muito bem-sucedidos; desde os campos de batalha do Afeganistão às salas da diretoria no Vale do Silício, de Tóquio a Joanesburgo e até Berlim, de vendas e compras complexas a alianças e aquisições.
Os benefícios dessa abordagem resultam em soluções e relacionamentos de trabalho melhores, em mais apoio e adesão, e em uma implementação de soluções mais exitosa.
É claro que também há desafios. A abordagem requer mais preparo, habilidades mais profundas e muita disciplina. É provável que você tenha que dedicar um bom tempo antes da negociação para repensar suas necessidades, as necessidades da outra parte, as opções criativas e assim por diante. Nem toda negociação se conclui em uma única sessão. Algumas podem exigir muitas reuniões, com intervalos entre elas, para que as partes refaçam as questões, se reagrupem ou revisem o plano. É preciso disciplina para controlar as reações – evitar respostas impensadas ao que a outra parte talvez faça ou diga – e seguir em frente na direção desejada. Quando o trabalho dentro do círculo de valor é iniciado, até a negociação mais simples exige que você pense antes, durante e depois.
Talvez você se sinta incomodado em utilizar uma abordagem não convencional. A outra parte também pode se sentir assim. Pode até interpretar sua disposição em cooperar como prova de fraqueza e pensar que dá para se aproveitar de você. Mas, se você seguir os conselhos apresentados aqui, isso não vai acontecer. Na verdade, você moldará a negociação e terá os resultados que deseja, que serão muito melhores do que esperava.