INTRODUÇÃO
Acho que eu estava no quinto ano da escola, mas parece que foi ontem. Eu me lembro de ter lido na apostila que, embora a maioria das pessoas consiga enxergar, poucas observam os detalhes das coisas ao seu redor. Naquela época, não fez muito sentido para mim.
No entanto, tempos depois, entendi o que aquilo queria dizer. Aprendi a observar, a fotografar o mundo com os olhos e, acima de tudo, com a alma. As fotografias que eu tirava eram de coisas que muitos podem considerar triviais: um pôr do sol, uma flor, um sorriso, um aceno. Comecei a encontrar beleza em todos os lugares. Até na feiura.
Ao longo do caminho, fui compartilhando a beleza que eu encontrava. Aprendi a conectar a minha vida com a vida de outras pessoas e, ao fazer isso, descobri que nos tornávamos um só. Foi quando percebi que esse era o verdadeiro propósito da minha vida.
Descobri que podia correr riscos, enfrentar meus medos, questionar minhas crenças e sair da zona de conforto. Aprendi a escapar do cárcere da rotina. Encontrei liberdade no dia a dia, a cada hora e a cada minuto.
Dominei a arte de manter a cabeça erguida, sorrir, expor minha verdade, dizer uma palavra gentil, pensar antes de falar e trabalhar duro para realizar meus sonhos. Percebi que nada me seria dado de bandeja e que eu precisaria batalhar constantemente pela minha vida.
Um tio muito querido costumava me dizer que a comida só dura o tempo que está na boca. Por isso, é preciso mastigá-la bem. Ao engolir, já era. Acabou. A mesma ideia se aplica à vida. Aprendi a saboreá-la como se fosse o melhor jantar preparado pela minha mãe. Aprendi a apreciar cada momento.
Vou compartilhar com você uma história que sempre me toca. Um lavrador estava cavando um buraco na terra. Em determinado momento, a picareta que ele usava bateu em alguma coisa dura e quebrou. O homem ficou furioso e se abaixou para ver o que havia destruído sua ferramenta. Era uma caixa. E dentro dela havia um tesouro.
Assim como aquele lavrador, percebi que é preciso abrir os presentes que a vida nos dá, mesmo que não gostemos da embalagem. Afinal de contas, em minha experiência, alguns dos meus melhores presentes vieram em embalagens feias. Aprendi que a vida por si só já é um presente.
Por fim, comecei a aceitar meus passos em falso e meus erros. Aprendi a respeitá-los, a amá-los e, assim, a amar a mim mesmo. Esse foi o ponto-chave para mim. Em vez de tentar cometer menos erros, eu me permiti ser livre para cometê-los. E, por causa disso, passei a errar menos.
Uma década atrás, comecei a escrever um caderno de milagres – minha lista de gratidão. No início, eu lutava para encontrar alguma coisa pela qual me sentir grato, mas depois eu não conseguia parar. Tudo que eu via era um milagre! O fato de poder falar, andar ou ter uma cama quentinha à minha espera no fim de um dia difícil. Minha percepção havia se transformado; eu passara a ver que a vida estava transbordando de beleza. Percebi que o encanto não estava no que eu via, mas em meus próprios olhos. A forma como eu encarava o mundo determinava a beleza que eu enxergava ao meu redor.
Depois disso, passei a carregar o caderno sempre comigo. Eu escrevia onde quer que estivesse: no trabalho, no trem, em casa – em qualquer lugar. Enchi linhas e mais linhas de palavras preciosas, páginas inteiras de milagres maravilhosos e também a estante de inúmeros cadernos.
E então, de repente, algo mágico aconteceu. Parei de escrever só para mim e passei a escrever para aqueles que me cercavam. Comecei a compartilhar essa energia magnífica que emanava de mim.
O livro que você tem em
mãos é feito de vida.
Da minha vida. Da nossa vida.
De algumas histórias e muito amor.
Espero que ele ajude a compartilhar a beleza que nos cerca.
Se este livro tocar apenas uma pessoa,
já terá valido a pena escrevê-lo.
TERÁ VALIDO A PENA CHEGAR ATÉ AQUI.
LILI
Fiquei surpreso. O telefone não costuma tocar às sete da manhã. Sou eu quem geralmente liga e dá bom-dia às meninas.
Era minha filha mais velha. Estava soluçando.
– Papai, a Lili morreu. Eu a encontrei morta na gaiola esta manhã.
Lili era sua coelhinha.
Ela soluça.
Fiz uma longa pausa antes de responder:
– Avra, querida, há quantos anos Lili está com a gente?
– Não muito, papai. Cinco ou seis anos.
– Ah, Avra… Esse é o tempo de vida de um coelho. – Mais soluços. – Desde a hora em que nascemos, a única certeza que temos é que, um dia, vamos morrer.
As coisas só começam para terminar.
E tudo só termina para recomeçar.
– Seis anos da vida da Lili correspondem, pelo menos, a 100 anos humanos. Ela teve filhotes, viveu uma vida feliz. Amou e foi amada. Poucas pessoas tiveram uma vida tão maravilhosa quanto a dela, meu amor.
Silêncio do lado de lá.
– Todos vamos ter um fim um dia, querida. Lili viveu mais de 100 anos humanos. Quantos anos você pretende viver? Dois, três séculos?
O início de uma risadinha…
As crianças precisam ter consciência dos fatos da vida desde cedo. Não devem ser poupadas da realidade.
Encontrei a pá do meu pai, fui buscar o corpinho da Lili, coloquei-o numa caixa e peguei as crianças na escola.
– Ei, meninas, vamos enterrar a Lili juntos?
A caçula se entusiasmou com a ideia. A mais velha hesitou um segundo ou dois e, por fim, concordou. Fomos até o nosso morro favorito, perto de casa, em Atenas, de onde é possível ver o mar se tornar um manto dourado no fim da tarde.
Achamos um lugar não muito cheio de pedras e cavei um buraco. Retirei a Lili da caixa e a embrulhei em papel de seda, como se fosse uma pequena noiva. Segurei-a com cuidado e, quando fiz menção de colocá-la na cova, minha filha mais velha protestou. Ela tomou Lili de meus braços, como uma mãe pegando o bebê no colo. Com muito zelo, desenrolou o papel de seda, aproximou a coelhinha do rosto e lhe deu um último beijinho. Depois, com delicadeza, colocou-a na cova e pôs umas folhinhas de alface ao lado dela, para que não sentisse fome.
– Feche os olhos, minha pequena Lili – choramingou. Minha filha colocou algumas flores perto da amiguinha e fechamos a cova. Depois, marcamos o lugar com duas pedras grandes, para que lembrássemos onde nossa amada Lili descansava.
E aí fomos tomar sorvete.
– Faz parte da vida, meninas. Tudo é uma coisa só. Apenas nós, humanos, separamos as coisas em “boas” e “ruins”. Chuva e sol são um; vida e morte são um; assim como o amor e o medo; o mar e a montanha; a calmaria e a tempestade. A chuva vem depois do sol; o inverno, depois do outono; e coisas ruins acontecem depois das boas. Antes, eu só gostava das coisas boas.
Hoje em dia, gosto de tudo – eu disse a elas, tentando tornar aquele momento mais leve.
Não esperava receber nenhuma resposta, porém minha caçula me deu a melhor de todas:
– ENTÃO, PAPAI, VOCÊ QUER DIZER QUE GOSTA DO QUE NÃO GOSTA?