Apresentação
Quase nunca, na Itália, as entrevistas televisivas ou jornalísticas propiciam momentos de calma que permitam exprimir, tranquilamente, as próprias ideias. Apressadas e superficiais, elas obedecem mais às regras de um pugilato vulgar do que às de um jogo intelectual. Por isso, há alguns anos, aceitei prazerosamente o convite da editora Ediesse para publicar este livro-entrevista, que me permitiu explicar de forma completa e orgânica o meu pensamento sobre o trabalho, o tempo livre e a evolução da nossa sociedade. Maria Serena Palieri, encarregada pelo editor de me entrevistar, revelou-se uma interlocutora ideal.
Nossa conversa deu origem a O Ócio Criativo, um livro publicado em 1995, com uma segunda edição em 1997 que se esgotou, desaparecendo das livrarias.
Agora, a convite da editora Sextante do Brasil e da Rizzoli da Itália, retomamos o nosso diálogo, desbastando-o das partes ligadas ao contexto em que se deu inicialmente e estendendo-o a uma série de temas amadurecidos ao longo deste período.
O resultado é um texto novo em muitos trechos, tendo como pano de fundo uma insatisfação diante do modelo centrado na idolatria do trabalho e da competitividade. A este, contraponho com otimismo um modelo atento não só a uma produção eficiente, mas também a uma distribuição equânime da riqueza, do trabalho, do saber e do poder.
Domenico De Masi
Roma, 21 de março de 2000
Introdução
de Maria Serena Palieri
Esta é uma guia bem estranha, moça.
Através dela não verás tão somente a
casca amarela e luminosa da laranja.
Jorge Amado
Antigamente as famílias aristocráticas escolhiam um lema para os seus brasões. Hoje todos nós, cada um por conta própria, podemos escolher o nosso, mas em vez de esculpi-lo em pedra podemos deixá-lo flutuando permanentemente na tela do computador. “O homem que trabalha perde tempo precioso” é exatamente o lema que flutua, em espanhol, no computador do Professor Domenico De Masi.
Isto significa que para ele trabalhar o menos possível é uma filosofia de vida? Ou a frase traduz a aspiração a uma virtude que lhe falta? Digamos – com a força paradoxal do humor – que o lema sintetiza a teoria de De Masi: o futuro pertence a quem souber libertar-se da ideia tradicional do trabalho como obrigação ou dever e for capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre, com o estudo e com o jogo, enfim, com o “ócio criativo”.
É justamente disso que vamos falar ao longo das páginas deste livro. Como premissa, gostaríamos de tentar uma abordagem indiscreta: entrar na vida do estudioso para verificar se existe uma coerência entre a teoria e a prática. Isto é, se o sociólogo pode dizer: “Faça o que eu digo e faça o que eu faço.”
De Masi nasceu em Rotello, na província de Campobasso, no sul da Itália, no dia 1º de fevereiro de 1938. Perdeu o pai muito cedo. Viveu em três cidades diferentes: Nápoles, Milão e Roma. Viajou muito. Para usar uma expressão adequada ao mundo cadenciado da escola, pode-se dizer que ele sempre foi “adiantado em um ano”. Tanto no sentido metafórico, porque nutre um interesse obstinado pelo futuro, como no sentido literal, porque pulou alguns anos do curso primário e continuou a queimar quase todas as etapas clássicas.
Aos dezenove anos já publicava, na revista Nord e Sud, ensaios de Sociologia Urbana e do Trabalho. Com vinte e dois ensinava na Universidade de Nápoles. E depois, por mais de trinta anos, desenvolveu uma atividade frenética. Com sua primeira mulher teve duas filhas, que criou durante alguns anos como “pai solteiro”. É apaixonado pela estética, por decoração e até pelos vários tipos de rendas e – acreditem – cuida da casa quase tanto quanto sua atual mulher.
Quando há cinco anos começamos a nos encontrar para escrever este livro, a sua agenda anual acumulava uma multiplicidade de tarefas: professor de Sociologia do Trabalho na Universidade La Sapienza de Roma, diretor da S3-Studium, a escola de especialização em ciências organizacionais que fundou, editor de uma coleção publicada pela Franco Angeli e de uma outra para a Edizioni Olivares, consultor de formação em Administração, assessor cultural da Prefeitura de Ravello (a cidadezinha da costa amalfitana onde passa os meses de verão), além de autor de inúmeros artigos para revistas e jornais e, periodicamente, escritor de alguns livros.
Durante a semana, dava regularmente suas aulas na universidade e muitas vezes viajava para outras cidades.
Já na escala cotidiana, chegava a ter cinco ou seis compromissos por dia. E como a tudo isso se somavam o estudo e a diversão, o seu dia acabava quase sempre durando vinte horas. Isto porque De Masi pertence àquele tipo de pessoa que dorme três a quatro horas por noite.
Quer dizer então que o lema que flutua no computador é uma zombaria? “Não é mais”, jura o professor. E abre a sua agenda para o ano 2000.
Daqueles dez mil prazos e compromissos a cumprir, quantos sobraram hoje? A carga horária fixa das aulas na universidade e, ao longo da semana, uma reunião com os estudantes que estão para se formar, uma outra na S3, uma para a redação da nova revista Next, que ele dirige, um almoço na Aspen, um convênio sobre mobbing, uma entrevista a ser dada a algum jornal ou estação de rádio, alguns jantares com os amigos e o fim de semana dedicado ao cinema ou para uma fugida até Ravello, onde agora, fortalecido pelo título de cidadão honorário adquirido nesse meio-tempo, em vez de organizar concertos, como fazia há cinco anos, limita-se a escutá-los.
Vamos observar o professor: ele simplesmente passou do frenético ao humano. Sobretudo porque, como sociólogo que estuda a organização social do trabalho, ele “otimizou” as suas condições logísticas. O edifício no qual mora e trabalha no Corso Vittorio Emanuele se tornou seu quartel-general. No quinto andar encontra-se sua casa: é alugada, mas tem uma vista sobre os telhados mais lindos de Roma, e o fato de ficar muito perto de algumas igrejas que possuem quadros de Caravaggio, Rafael e Michelangelo, além da proximidade com palácios onde se encontram obras de Vasari e dos Carracci, faz ele se sentir “um colecionador milionário”, como diz.
Num apartamento dois andares abaixo, a escola S3 estabeleceu a sua sede. E isto – ele explica – acabou com a perda de tempo e dinheiro necessários aos deslocamentos entre a casa e o escritório. E também o aliviou daquela obsessão comum a todos os que trabalham fora de casa: sair de manhã tendo que prever todas as tarefas do dia e carregando consigo tudo aquilo de que irá precisar. Se ao meio-dia deseja encontrar-se com seus colaboradores, desce e se reúne com eles, indo almoçar juntos algumas vezes. Se às quatro da tarde ele se lembra de alguma outra providência, toma de novo o elevador e volta para o escritório.
Uma outra novidade: decidiu passar a “exportar” as suas ideias, no lugar do seu corpo físico: em vez de continuar a girar pela Itália como um pião, recorre sempre com maior frequência a teleconferências, escreve artigos ou livros em seu apartamento ou em Ravello.
Além do correio eletrônico e das cartas, continua a receber – levando em conta os telefones de casa, o celular, o da faculdade e o da escola de especialização – uns oitenta telefonemas por dia. Mas disso cuidam as várias implacáveis secretárias eletrônicas das quais, afirma, não é escravo: se dá vontade, apaga os recados sem nem ouvir, porque “em geral tratam de assuntos que só valem para aquele dia”.
De Masi conquistou condições de trabalho privilegiadas? Se deixarmos predominar o mesquinho sentimento da inveja, diremos que sim. Mas, para dizer a verdade, ele prova in corpore vili o que como sociólogo propõe como receita social: uma forma de teletrabalho feito em casa ou em qualquer lugar, descentralizado do escritório.
Porém, o que mais lhe interessa é uma inovação existencial e não simplesmente logística. É a mistura entre as suas atividades: quanto de trabalho, quanto de estudo e quanto de jogo existem em cada uma delas. A sua nova sabedoria, diz, exige que em toda ação estejam presentes trabalho, jogo e aprendizado. Quando dá uma aula ou uma entrevista, quando assiste a um filme ou discute animadamente com os amigos, deve sempre existir a criação de um valor e, junto com isso, divertimento e formação. É justamente isso que ele chama de “ócio criativo”.
Continua a ir dormir às três e meia ou quatro da manhã, depois de ter lido, escrito e limpado o correio eletrônico, e continua a acordar às sete e quinze, quando começa Prima Pagina, uma transmissão radiofônica que segue assiduamente para evitar a leitura dos jornais. Mas adicionou algum repouso diurno, em doses homeopáticas: meia hora depois do almoço e quinze minutos antes do jantar.
De Masi admite que adoeceu de hiperatividade: “Não conseguia dizer não a nenhum compromisso, provavelmente devido a alguma insegurança ligada à pobreza que a minha família atravessou depois da morte precoce do meu pai.”
Admite que, subjetivamente, sua reflexão sobre o “ócio criativo” brotou como uma reação a toda aquela overdose. Assim como – num sentido objetivo – ela nasceu da constatação direta dos infinitos absurdos organizacionais que angustiam o trabalho nas empresas.
De Masi não prega a indolência (sobre o seu ambivalente prazer escreveu Roland Barthes com tanta sabedoria). E ainda hoje, se lhe perguntamos se nunca vadiou, jogando tempo fora, o seu “não” é acompanhado de um pulo da cadeira.
E é por isso que aqueles que se deleitam com os langores do sono, dos sonhos e da preguiça devem agradecer-lhe por ter estudado, dedicando uma vida – ou melhor, tantas noites –, os paradoxos e os desperdícios do uso do tempo na nossa sociedade. E usando a si mesmo como cobaia. Quantos são os estudiosos que têm essa honestidade intelectual?
Para entender que tipo de intelectual é o Professor De Masi, basta uma tirada sua: “Ao escrever um livro, acabo sempre aprendendo alguma coisa.”