O que Freud faria? | Sextante
Livro

O que Freud faria?

Sarah Tomley
Como os grandes psicoterapeutas podem ajudar a resolver problemas cotidianos

O que Freud faria? parte das ideias dos maiores psicólogos, psicanalistas e psicoterapeutas de todos os tempos para discutir problemas comuns da vida cotidiana.

Por meio de ilustrações divertidas, texto ágil e informações sobre as mais diversas (e conflitantes) linhas de pensamento, você vai descobrir os segredos da mente humana com os maiores especialistas no assunto.

 

Você já se perguntou o que Freud teria a dizer sobre seu chefe grosseiro, seu vício em celular ou sua crise de meia-idade? Já desejou que ele analisasse por que você age como um idiota exatamente quando precisa passar uma boa impressão?

De conselhos sobre como encontrar o parceiro ideal a explicações sobre por que ficamos tão furiosos no trânsito, este livro traz pontos de vistas diferentes para as mesmas situações e oferece novas perspectivas para velhos dilemas.

Num misto de introdução à psicologia e guia prático para a vida, Sarah Tomley dá voz a grandes nomes como Melanie Klein, Donald Winnicott, Alfred Adler, Carl Jung e Sigmund Freud para nos ajudar a encontrar as melhores soluções para as questões que nos afligem.

 

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Ficha técnica
Lançamento 13/05/2020
Título original What Would Freud Do?
Tradução Ivo Korytowski
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 256
Peso 450 g
Acabamento brochura
ISBN 978-85-431-0987-9
EAN 9788543109879
Preço R$ 49,90
Lançamento 13/05/2020
Título original What Would Freud Do?
Tradução Ivo Korytowski
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 256
Peso 450 g
Acabamento brochura
ISBN 978-85-431-0987-9
EAN 9788543109879
Preço R$ 49,90

Leia um trecho do livro

Introdução

A psicologia é uma disciplina muito jovem. Surgiu no final do século XIX, quando seus dois “pais” entraram em ação: Wilhelm Wundt, cientista alemão que criou o primeiro instituto (e laboratório) de psicologia do mundo, e William James, um filósofo americano. Wundt usou medições científicas para estudar a mente humana, enquanto James preferiu explorá-la de forma mais subjetiva. Os princípios da psicologia (1890), célebre livro de William James, abordou temas que intrigam os psicólogos até hoje, como consciência, memória, imaginação, raciocínio, intenção e fluxo de pensamento. Afinal, a psicologia iria se tornar uma arte ou uma ciência?

 

A compreensão do fenômeno da consciência mostrou-se particularmente difícil, e as pesquisas de Jean-Martin Charcot, médico do hospital Salpêtrière em Paris, deixaram o assunto ainda mais complicado. Ele sugeriu que alguns sintomas fisiológicos graves – como cegueira e surdez – poderiam ser causados por distúrbios psicológicos, uma vez que a consciência podia ser fragmentada em partes que “ignoravam-se mutuamente”. Assim nasceu a ideia do inconsciente.

Alguns anos depois, em 1885, um jovem médico chamado Sigmund Freud chegou a Paris para estudar com o grande Charcot. Ficou fascinado com a ideia de haver uma área inconsciente dentro da mente humana e, com o tempo, passou a acreditar que aquela parte inacessível do cérebro era quem de fato comandava nossos pensamentos e nossas ações. Freud percebeu que os sintomas “histéricos” que Charcot vinha estudando não apenas tinham uma origem psicológica, como também guardavam algum significado. Ele deduziu que, se fosse possível acessar o inconsciente – talvez por meio de suas manifestações em sonhos, atos falhos e associações de palavras –, esse significado poderia vir à tona e, assim, os sintomas do paciente seriam aliviados. Foi assim que teve início a “cura pela fala” ou psicanálise.

 

 

Uma disciplina dividida

 

A psicologia e a psicoterapia (incluindo a psicanálise) têm visões bem distintas e nem sempre se respeitam. Os psicólogos gostam de se alinhar com Wundt e declarar que seu trabalho é científico e objetivo. Quase sempre, veem o mundo dos psicoterapeutas como imensurável, carente de comprovações e, portanto, questionável. O ponto de vista do outro lado é igualmente cético: os terapeutas dizem que os psicólogos podem estudar o funcionamento do cérebro, mas perderam de vista o ser humano. Uma mente é mais que um cérebro, e pessoas não são máquinas, apesar das tentativas dos behavioristas de retratá-las assim. Eles se amparavam em psicólogos como B. F. Skinner (ver página 57) e John Watson (ver página 105), cujas obras dominaram a área (e a atenção do público) na década de 1950; ambos pareciam acreditar que as pessoas podiam ser condicionadas a reagir a estímulos de modo simples e previsível, como os animais.

A pesquisa deles foi questionada pelo movimento cognitivo, que começou na década de 1950 e chegou ao conhecimento do público por meio da obra de Albert Ellis (ver página 139) e Aaron Beck (ver página 37), culminando na terapia cognitivo-comportamental. Esses psicólogos observaram que, entre o estímulo e a resposta estudados pelos behavioristas, existe um “processo mediador”, como a percepção, a memória ou a atenção. Afirmaram que aí residiria a diferença crucial entre nós e os outros animais e acrescentaram que, ao estudar esses processos, poderíamos entender todo o nosso processamento mental.

Enquanto o debate se intensificava, a psicanálise perseverou, insistindo na existência de um nível da mente humana que nunca se tornará evidente por meio do estudo da cognição ou do comportamento. Na década de 1990, novas descobertas na neurociência sugeriram a mesma coisa: existem áreas do cérebro humano que trabalham (“pensam”) implicitamente, alheias à percepção consciente, e controlam grande parte do que fazemos, supomos e esperamos. Psicólogos contemporâneos como Daniel Kahneman (ver página 69) estudaram detalhadamente os vieses inconscientes, enquanto neurocientistas como Jaak Panksepp (ver página 66) expuseram a natureza subcortical de sete emoções humanas básicas.

Psicoterapeutas e psicanalistas continuam interessados na psique – aquela parte misteriosa do eu que se revela em atos irracionais (ver página 60) e preferências (ver página 194) que parecem inexplicáveis, mesmo para a pessoa em questão. Longe de termos uma só mente, dizem os terapeutas, temos várias, como indicaram Eric Berne (ver página 78) e Karen Horney (ver página 226). Chegamos a dividir os outros em dois grupos também, de acordo com Melanie Klein (ver página 160). E muito disso depende de nosso aprendizado mais básico (ver página 127), que aparentemente põe em marcha nossa compreensão padrão de nós mesmos, das outras pessoas e do mundo (ver página 39).

 

 

Forjado pela experiência

 

Por meio de perguntas e respostas, este livro examina como as teorias de alguns dos maiores psicoterapeutas, psicanalistas e psicólogos do mundo podem ser aplicadas na resolução dos problemas do dia a dia. Assim, oferece várias perspectivas sobre o estranho mundo da mente humana, da força mental que temos em comum e da singularidade de cada indivíduo. Como observou o psicólogo Endel Tulving, somos os únicos animais capazes de viajar no tempo em nossos pensamentos; portanto tome este livro como um convite para rememorar o passado, avançar rumo ao futuro e ficar bem atento ao presente. Talvez você resista a muitas das ideias apresentadas aqui, mas, como disse Freud, “mesmo quem vai ao dentista com uma dor de dente insuportável pode perfeitamente afastar o braço do dentista quando ele for arrancar o dente doente com um boticão”. Ninguém se sente 100% confortável com a ideia de aceitar todas as facetas de si mesmo; nem Freud. Portanto, fique à vontade para escolher suas verdades e observe o que você “instintivamente” evita. Sabemos mais do que pensamos e pensamos mais do que sabemos.

 

 

 

Por que eu sou assim?

Eu sei que não deveria, mas posso comer mais um pedaço de bolo?

Sigmund Freud

 

Esse é o tipo de pensamento ligeiramente culpado que, segundo Freud, é parte inseparável da nossa vida. O tempo todo os desejos emergem e são julgados em uma rápida discussão interna, e só então decidimos o que fazer. E a razão para isso, de acordo com Freud, é que a mente desenvolve três processos conflitantes dos quais ninguém escapa: o Id, o Ego e o Superego. Na maior parte do tempo, nem sequer estamos cientes do que esses três estão fazendo – apesar de eles controlarem tudo o que dizemos e fazemos.

 

A teoria da psicanálise de Freud é vasta e abrangente. Não explica apenas uma coisa – como por que temos medo de aranhas, nos apaixonamos, negamos nossa imortalidade ou adoramos hambúrgueres –; explica tudo. Freud se desafiou a descrever com precisão a estrutura da mente e seu funcionamento, apesar da total ausência de ferramentas científicas para a tarefa. O interessante é que muitos neurocientistas atuais estão retornando a ele para compreender o que conseguem detectar com as tecnologias que escaneiam o cérebro (que Freud adoraria, já que também era neurobiólogo).

Entretanto, na década de 1890, a única ferramenta útil a que Freud teve acesso para mergulhar na mente foi a hipnose. Ele vinha trabalhando com um médico chamado Breuer, que havia descoberto que os sintomas de mulheres “histéricas” – como tosses, engasgos e paralisia dos membros – estavam relacionados a cenas “impressionantes, mas esquecidas, de suas vidas”. Breuer vinha auxiliando-as a lembrar eventos por muito tempo soterrados e, com isso, ajudava a curar seus sintomas histéricos. Freud se surpreendeu ao constatar que muitos dos problemas físicos das mulheres desapareciam por completo.

 

 

Nasce a psicanálise

 

Freud então se apropriou dessa ideia, inventando o que se tornou conhecido como “a cura pela fala” ou psicanálise. Seu ponto de partida é a ideia de que desconhecemos grande parte do que ocorre em nossas mentes. Na maior parte do tempo não sabemos o que estamos pensando e muito menos por que estamos fazendo aquilo que fazemos. Ainda que possamos oferecer justificativas plausíveis para escolher determinado parceiro, emprego ou casa, não nos aprofundamos de fato no assunto, de acordo com Freud. Os motivos aparentemente racionais são ótimos, mas são apenas a história que o Ego teve de engolir. Em resumo, é somente o fim da história

A eterna conversa que se desenrola dentro da mente inclui três participantes: Id, Ego e Superego. Eles surgem na infância, um após o outro. O Id, diz Freud, é a mente com que nascemos. É agitada, cheia de vontades – quer comer, beber, urinar, defecar, manter-se aquecida – em suma, quer e quer, e sua única meta é satisfazer todos esses desejos. Se eles não são satisfeitos, o Id deixa bem claro o seu desagrado; é difícil, por exemplo, ignorar os berros de um bebê chorão. Freud afirma que o Id é regido pelo Princípio do Prazer: quer prazer e gratificação, e quer agora.

Muitos filósofos e psicólogos veem o desejo básico e indomado do bebê como uma fase que desaparece, mas segundo Freud ele permanece para sempre conosco. Entretanto, quando o bebê cresce, começa a perceber que não consegue satisfazer todos os seus desejos – a realidade atrapalha. Isso leva ao desenvolvimento do Ego, que funciona com base no Princípio da Realidade. O Ego compreende as circunstâncias do mundo externo e avalia quando e como as necessidades do Id podem ser satisfeitas ou se precisam ser ignoradas.

Além de levar em conta as imposições da realidade, o Ego também tem de prestar atenção à terceira parte da mente da criança, o Superego, que surge por último. Trata-se da parte da mente que internaliza as “regras” do mundo, conforme transmitidas na infância, primeiro pelos pais e, mais tarde, por outros membros da sociedade, como professores ou autoridades.

O processo funciona mais ou menos assim: o Id pede uma comida gostosa – um chocolate, digamos. Você então começa a pensar que deseja uma barra de chocolate. “Está maluco?”, reage seu Superego. “Você já está acima do peso. Suas calças jeans nem entram mais. Faz mal ficar gordo assim! Você deveria se envergonhar!” O Ego se posiciona entre essas duas vontades em conflito, uma insistindo na satisfação simples de seu desejo (comer chocolate) e a outra fazendo críticas violentas a ele. O Superego funciona como uma consciência, mas não é sábio nem filosófico. Na verdade, do seu jeito, ele assimila as “regras” da mesma maneira cega que o Id cede aos desejos. Isso porque o Superego internaliza as “regras” transmitidas pelos outros sem examiná-las; essas regras, então, atuam como uma espécie de programação de fundo pelo resto de nossas vidas, informando o que deveríamos ou não fazer.

O Superego tenta levar a melhor desferindo críticas violentas. O Ego procura repelir seus ataques ao mesmo tempo que examina o mundo externo para avaliar a situação real e busca maneiras de apaziguar o Id, ajudando-o a aceitar uma perda ou dando o que ele quer. Assim, você poderia comer o chocolate e se sentir culpado por causa do Superego resmungão, que continuará fazendo críticas. Ou poderia resistir ao desejo (nesse caso, o Ego toma o partido do Superego) e experimentar uma sensação de orgulho (pois o Superego se impôs), com leves sinais de desapontamento (vindos do Id, cujo desejo foi negado).

Às vezes temos consciência desses conflitos internos, mas, na maioria das vezes, não – esse é um processo inconsciente. Freud diz que alguns dos desejos que afloram do Id são tão inaceitáveis (“Quero fazer sexo com ela!”, “Quero matar aquele homem!”) que nos livramos deles imediatamente, em geral para fingir que jamais chegamos a tê-los. Criamos mecanismos de defesa brilhantes cujo objetivo é banir alguns dos nossos pensamentos e escondê-los das outras pessoas. Esses mecanismos funcionam de forma inconsciente para evitar a ansiedade excessiva gerada por nossos pensamentos e impulsos, e ocorrem tão rápido que nem sequer percebemos.

 

 

Conflito interno/externo

 

Imagine, por exemplo, que seu chefe faz algo tão irritante que você sente um breve impulso de dar um murro na cara dele. Isso é completamente inaceitável, de modo que você precisa encontrar um jeito de “se livrar” desse impulso. Você poderia evocar várias defesas para isso. Poderia fingir para si mesmo que nada aconteceu (negação) ou que outra pessoa no escritório é que deseja esmurrar o chefe (projeção). Você poderia, ainda, desviar o desejo do alvo real e direcioná-lo a um objeto um pouco mais aceitável, como a perna de uma cadeira, e chutá-la (deslocamento). Ou poderia expressar sentimentos totalmente opostos ao que sente e tratar seu chefe de modo mais amigável do que de costume (formação reativa). Muitas de nossas defesas foram inventariadas pela filha de Freud, Anna. Ela observou o seguinte: “Seja por medo do mundo externo ou por medo do Superego, é a angústia que põe em movimento o processo defensivo.”

Para Freud, quase sempre administramos bem esse conflito externo/ interno, mas às vezes o esforço contínuo para controlar nossos impulsos destrutivos e repelir as críticas do Superego é excessivo, resultando em ansiedade, depressão e uma série de problemas psicológicos (ou “neuroses”). Ele acreditava que a única “cura” consistiria em contornar as defesas e retornar ao desejo original. Ou seja, entender a discussão que ocorre entre as diferentes partes do eu desde o início, com coragem e abertura para aceitar o inaceitável. O que não é fácil.

 

 

Então, por que a psicanálise?

 

A psicanálise é uma busca pela verdade que supostamente está na penumbra, além do alcance de nossa mente consciente, racional. Terapias que vieram mais tarde, como a Terapia Cognitiva e a Terapia Comportamental, pressupõem que os problemas psicológicos podem ser resolvidos ao se abordar apenas os sintomas conscientes, mas Freud afirmou que “quando o viajante assovia no escuro, pode estar afastando o medo, mas não enxerga com mais clareza apenas porque assoviou”. Suas afirmações não eram científicas nem se destinavam aos medrosos, e a maior parte da psicologia parece determinada a achar explicações diferentes para nossas ações, como mostra este livro. Freud consideraria fascinante esse esforço prodigioso.

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Sarah Tomley

Sobre o autor

Sarah Tomley

Sarah Tomley é psicoterapeuta, consultora e escritora. Ela já contribuiu para vários livros de psicologia e ciências sociais.

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