PRELÚDIO
Oração
Eu não sei muita coisa sobre Deus e orações, mas, nos últimos 25 anos, passei a acreditar que existe alguma forma de simplificar as nossas preces.
Talvez você esteja se perguntando o que eu quero dizer quando uso a palavra Toração. Certamente não é o mesmo que os pregadores que aparecem na televisão querem dizer. Não é algo para ser exibido. A oração é particular, mesmo quando oramos junto com outras pessoas. É a comunicação do nosso coração com algo que ultrapassa o entendimento. Digamos que seja a comunicação do coração com Deus. Ou, se você achar esse conceito absurdo, podemos dizer que é uma comunicação com o Bem, com uma força que está além da nossa compreensão, mas que em nossa dor, nas nossas súplicas e no nosso alívio não precisamos definir nem ter provas de que o contato foi estabelecido. Pode ser o que os
gregos chamavam de Realmente Real, aquilo que repousa lá dentro de nós, encoberto pelo véu de nossos valores, princípios, convicções e sofrimentos. Ou um grito que vem do seu eu mais profundo e é dirigido à Vida ou ao Amor, com letras maiúsculas.
Não tem a menor importância o nome que damos a essa força. Cada um usa o nome que deseja. Houve um tempo em que eu chamava Deus de Fil, porque um amigo me deu uma pulseira em que mandou gravar
“Fil 4:4-7”, já que a minha passagem favorita da Bíblia está no capítulo 4 da carta aos Filipenses. Eu gostava muito de chamá-lo assim.
Vamos então simplesmente afirmar que a oração é a comunicação do nosso coração com o Grande Mistério, com a Bondade ou, melhor ainda, com a estimulante energia do Amor. Com algo inimaginavelmente grande e que está além de nós. Se quisermos, podemos dizer apenas “Deus”.
Conheço alguns pais que, na hora de dormir, repetem com os filhos essa terrível oração: “Agora eu me deito para dormir. Peço a Deus para guardar minha alma. Se eu morrer antes de acordar…”
Fiquei chocadíssima quando ouvi isso pela primeira vez. Que coisa horrível uma criança de 7 anos pensar que pode morrer enquanto dorme!
Provavelmente a oração que mais repetimos é: “Deus, me ajude!”P Ela é excelente, pois parte do mais profundo desamparo, num momento em que nos abrimos para aceitar nossa impotência e nos entregar à proteção divina.
Às vezes, num momento de grande euforia, eu olho o céu azul ou a noite estrelada e exclamo: “Obrigada, meu Deus, por tanta beleza, obrigada pelo meu lindo neto, por essa cerejeira em flor!”
Há outros momentos em que podemos nos sentir tão injustiçados com o que está acontecendo que somos capazes de gritar ou sussurrar para nós mesmos: “Deus, eu te odeio.” Por incrível que pareça, isso também é uma oração, porque é um reconhecimento da existência de Deus e uma expressão muito sincera de um sentimento.
Cada pessoa se sente e se expressa de um modo particular quando ora. Algumas entram em estado de profunda meditação, buscando esse contato em seu interior. Outras se manifestam com espontaneidade em seus pedidos, agradecimentos e expressões de dor, raiva, desolação ou louvor. Mas a oração em si é um pressuposto de que, de alguma maneira, acreditamos que somos convidados a um relacionamento com alguém que nos ouve quando nos dirigimos a ele, seja em voz alta ou em silêncio.
Podemos orar pedindo coisas (“Meu Deus, me ajude a comprar uma casa”); por pessoas (“Por favor, cure o câncer do meu amigo”); para ter uma vida feliz, ser tolerantes com nossos defeitos ou complacentes com os dos que nos cercam. E até mesmo entoar: “Meu Deus, eu sei que já pedi muito, mas, por favor, me ajude a sair dessa depressão.” Podemos dizer qualquer coisa a Deus. Tudo é oração.
A prece pode ser movimento, quietude ou energia – ou as três coisas ao mesmo tempo. Ela começa quando paramos de repente, quando nos sentimos pressionados, quando estamos confusos, quando ficamos tão fartos de estar sempre cansados e doentes que nos rendemos, ou pelo menos desistimos de lutar, e finalmente caminhamos, nos jogamos ou nos arrastamos em direção a algo. Ou talvez no momento em que, por um milagre, abrimos levemente as mãos e nos soltamos.
Orar é conversar com alguém em busca de união, mesmo que estejamos amargurados, loucos ou derrotados (na verdade, essas são, provavelmente, as melhores condições possíveis para se orar). A prece é o reconhecimento de que, apesar de todos os nossos atos passados, alguém nos ama tal como somos. E uma das melhores maneiras de mudar é expondo claramente todas as nossas dores e aflições.
De qualquer forma, estamos fazendo contato com alguma coisa invisível, muito maior do que somos capazes de imaginar. É algo que podemos ousar chamar de inteligência divina ou energia do amor. A oração somos nós, seres humanos, meramente existindo, estendendo a mão para algo que tem a ver com o eterno, com vitalidade, inteligência, bondade, mesmo quando nos sentimos totalmente exaustos e céticos. Deus sabe lidar com a honestidade, e a oração conduz a uma conversa franca.
Acredito que, quando você fala a verdade, aproxima-se de Deus. Se você diz a Ele “Estou tão exausto e deprimido que mal consigo explicar, e nesse momento não sinto qualquer amor por Você; quero distância de Você”, essas podem ser as palavras mais sinceras que já saíram de sua boca. Se você me contasse que disse a Deus P“Não tem mais jeito, e eu não tenho a mínima certeza de que Você existe, mas estou precisando muito de ajuda”, eu ficaria profundamente emocionada e orgulhosa pela sua coragem de ser verdadeiro. Isso me daria vontade de ser sua amiga.
Portanto, a oração é o nosso eu verdadeiro tentando comunicar-se com o Real, com a Verdade, com a Luz. Somos nós querendo ser ouvidos na esperança de sermos descobertos pela luz e pelo calor neste mundo, e não pela escuridão e pelo frio.
A luz nos revela para nós mesmos, o que nem sempre é bom, caso estejamos metidos em grandes confusões e problemas, que provavelmente nós causamos. Mas, tal como os girassóis, nós também nos viramos em direção à luz. Ela aquece e, na maioria das vezes, atrai. E nela podemos ver além de nossos modestos sentidos, podemos enxergar tudo o que está muito além de nós e também no lugar mais profundo de nosso ser.
Tudo isso é difícil de expressar, pois é real, é enorme, ultrapassa o mistério. Rumi afirmou que todas as palavras são como dedos apontando para a Lua, mas nós achamos que as palavras são a Lua. No entanto, por causa da luz do amor, da energia e do movimento que nos levaram a orar, pequeninas partes dessa realidade mais profunda tornam-se perceptíveis, e é com elas que teremos que contar.
Minhas três orações essenciais são variações de Pedir, Agradecer e Admirar. Isso é tudo de que eu preciso, além do silêncio, da dor e da pausa, para que eu possa parar, fechar os olhos e voltar-me para o meu interior.