INTRODUÇÃO
“Bebê chorão!”
“Você parece um bicho do mato!”
“Deixa de ser fresco!”
“Você é sensível demais.”
Se você é como eu, já ouviu muitas frases como essas ao longo da vida e ficou com a sensação de que devia haver algo muito errado em você. Eu estava convencida de que tinha um defeito fatal que precisava ser escondido e que me condenava a ter uma vida medíocre. Acreditei que havia algo errado comigo.
Na verdade, existe algo muito certo em mim e em você.
Se você responder “verdadeiro” a doze ou mais perguntas no teste apresentado nas páginas 18 e 19 ou se a descrição detalhada no Capítulo 1 lhe cair como uma luva, então pertence a um grupo muito especial de ser humano, as Pessoas Altamente Sensíveis – que chamaremos de PAS. E este livro foi feito para você.
Ter um sistema nervoso sensível é uma característica normal, basicamente neutra. É possível que seja hereditária. Ocorre em cerca de 15% a 20% da população. Significa que você está ciente das sutilezas do ambiente que o cerca, o que é útil em muitas situações. Mas também significa que você se sente sobrecarregado com certa facilidade quando permanece tempo demais em um ambiente altamente estimulante, sob o bombardeio de imagens e sons. Portanto, ser sensível tem ao mesmo tempo vantagens e desvantagens.
Na nossa cultura, porém, possuir essa característica nem sempre é considerado algo positivo, e esse fato provavelmente teve um grande impacto em você. Pais e professores bem-intencionados podem ter tentado ajudá-lo a “superar sua hipersensibilidade”, como se isso fosse um defeito. As outras crianças nem sempre foram muito compreensivas. Na vida adulta, é possível que você tenha passado por dificuldades para encontrar a carreira certa e os relacionamentos que reforçavam seu amor-próprio e sua autoconfiança.
O que este livro oferece
Este livro fornece informações detalhadas sobre sua característica. Trata-se do resultado de anos de pesquisas, entrevistas abrangentes, experiência clínica, cursos, consultas individuais com centenas de PAS e de uma cuidadosa leitura de tudo que a psicologia já aprendeu sobre esse traço de personalidade. Nos três primeiros capítulos você irá conhecer todos os fatos básicos sobre esse traço, além de descobrir formas de lidar com o excesso de estímulos e com a hiperexcitação do seu sistema nervoso.
Em seguida o livro tece considerações sobre o impacto da sensibilidade em sua história pessoal, sua carreira, seus relacionamentos e sua vida interior. O texto se concentra nas vantagens que você tem e que talvez não tenha percebido, e em conselhos sobre como lidar com os problemas típicos que as PAS enfrentam, como timidez e dificuldade para encontrar um trabalho adequado ao seu jeito de ser.
Será uma viagem e tanto. A maioria das pessoas altamente sensíveis que já ajudei com as informações contidas aqui promoveu mudanças radicais em sua vida – e elas pediram que eu contasse isso para você.
Uma palavra para aqueles sensíveis-mas-nem-tanto
Em primeiro lugar, se você procurou este livro por ser pai, mãe, filho, cônjuge ou amigo de uma pessoa altamente sensível, saiba que é especialmente bem-vindo aqui. O relacionamento com ela vai melhorar muitíssimo.
Em segundo lugar, uma pesquisa realizada com 300 indivíduos de todas as idades, escolhidos de modo aleatório, mostrou que, embora 20% deles fossem extremamente sensíveis, outros 22% eram moderadamente sensíveis. Aqueles que se encaixam na categoria “moderada” também se beneficiarão da leitura.
Aliás, 42% dos entrevistados declararam não ser sensíveis de forma alguma – o que talvez explique por que os altamente sensíveis se sentem em tão completo descompasso com grande parte do mundo. E esses 42% são justamente aquele segmento da população que está sempre aumentando o volume do rádio ou apertando a buzina.
Vale acrescentar que todo mundo pode se tornar altamente sensível em certas ocasiões – por exemplo, depois de passar algum tempo sozinho acampando nas montanhas. E todo mundo se torna mais sensível com a idade. De fato, a maioria das pessoas, admita ou não, provavelmente tem um lado bem sensível que se manifesta em determinadas situações.
E algumas coisas a dizer às “Não-PAS”
Às vezes as não-PAS (ou seja, as pessoas que não são altamente sensíveis) se sentem incomodadas pela ideia de que somos diferentes e podem pensar que nos achamos melhores que elas. Algumas dizem: “Está querendo dizer que sou insensível?” Um problema é que a palavra “sensível” também significa compreensivo e perspicaz. PAS e não-PAS podem ter tais qualidades, que são otimizadas quando nos sentimos bem e ficamos abertos às sutilezas. As PAS, quando estão tranquilas, talvez tenham mais chances de captar nuances mais sutis nas situações. Quando hiperexcitadas, porém – o que ocorre com muita frequência –, não são nada compreensivas nem perspicazes. Pelo contrário, nos sentimos sobrecarregadas, esgotadas e precisamos ficar sozinhas. Na verdade, os não-PAS são mais compreensivos e tolerantes em situações caóticas.
Pensei muito no nome que daria a essa característica. Não queria repetir o erro de confundi-la com introversão, timidez, inibição e uma série de rótulos equivocados aplicados por outros psicólogos. Nenhum deles capta os aspectos neutros desse traço de personalidade, muito menos seu lado positivo. “Sensibilidade” marca o traço neutro da maior receptividade a estímulos. Assim, pareceu estar na hora de compensar o preconceito existente contra as PAS com o emprego de um termo que pode ser considerado positivo.
Por outro lado, sei que ser “altamente sensível” não parece nada positivo para algumas pessoas. Sentada na tranquilidade da minha casa enquanto escrevo, num momento em que ninguém fala sobre o assunto, farei uma previsão: este livro provocará uma onda de piadas maldosas e comentários depreciativos. Existe uma enorme energia psicológica coletiva em torno da sensibilidade – quase tão grande quanto aquela dirigida às questões de gênero, com as quais a sensibilidade costuma ser confundida. (Meninos e meninas são sensíveis, mas não se espera que os homens tenham tal característica, mas as mulheres, sim. Os dois gêneros pagam um preço alto por essa confusão.) Por isso, prepare-se. Proteja sua sensibilidade e sua recém- -adquirida compreensão a respeito dela, evitando falar no assunto quando isso parecer o mais prudente.
Acima de tudo, aprecie o fato de saber que existem muitas pessoas parecidas com você por aí.
Que bom que nos encontramos!
De que você precisa?
Descobri que as PAS se beneficiam de uma abordagem por quatro vias, que será seguida pelos capítulos deste livro.
- Autoconhecimento. Você precisa compreender o que significa ser altamente sensível. Compreender por completo. E entender como isso se encaixa com suas outras características e como a atitude negativa da sociedade o afeta. Em seguida, precisa conhecer muito bem seu corpo sensível; parar de ignorar seu corpo porque ele parece ser fraco demais ou pouco cooperativo.
- Ressignificação. Você deve ressignificar ativamente boa parte do seu passado à luz da consciência de que veio ao mundo com alta sensibilidade. Muitos de seus “fracassos” eram inevitáveis porque nem você nem seus pais, professores, amigos e colegas o compreendiam. Ressignificar sua experiência passada pode levar a uma sólida autoestima, e a autoestima é especialmente importante para as PAS pois diminui a hiperexcitação diante de situações novas (e, por isso mesmo, altamente estimulantes). A ressignificação, porém, não é automática. É por isso que incluo algumas atividades no final dos capítulos que a envolvem.
- Cura. Se ainda não fez isso, você precisa começar a curar suas feridas profundas. Você era uma criança sensível. Problemas familiares e escolares, doenças infantis e outras questões o afetaram mais do que aos outros. Além disso, você era diferente das outras crianças e é bem provável que tenha sofrido por conta disso.
As PAS, em especial, prevendo os sentimentos intensos que podem ser despertados, às vezes tentam se furtar ao trabalho interior necessário para curar feridas do passado. A cautela e a lentidão são justificadas, mas você estará enganando a si mesmo se deixar o tempo passar.
- Ajuda para se sentir bem quando estiver exposto ao mundo e para saber quando se expor menos. Você pode, deve e precisa se envolver com o mundo. Ele realmente necessita de você. No entanto, você deve ser habilidoso para evitar se expor demais ou de menos. Este livro, isento de mensagens confusas de uma cultura menos sensível, trata da construção dessa habilidade.
Ensinarei também a você o efeito desse traço de personalidade sobre seus relacionamentos íntimos. E falarei sobre psicoterapia – por que as PAS devem fazer terapia, de que tipo e com quem e, em especial, como se diferencia a terapia voltada para pessoas como nós. Depois vou examinar as PAS e o tratamento médico, incluindo informações sobre os medicamentos que costumam ser tomados por PAS. No final do livro saborearemos nossa rica vida interior.
Sobre mim
Sou pesquisadora da área de psicologia, professora universitária, psicoterapeuta e autora de romances. O mais importante, porém, é que sou uma pessoa altamente sensível como você. Com toda a certeza, não estou escrevendo das alturas, inclinando-me para ajudar você, pobre alma sofredora, a superar sua “síndrome”. Por experiência própria, conheço nossa característica, suas vantagens e seus desafios.
Quando criança, em casa, eu me escondia do caos da minha família. Na escola, evitava esportes, jogos e a garotada em geral. Que mistura de alívio e de humilhação eu sentia quando minha estratégia tinha sucesso e eu era completamente ignorada!
No início da adolescência, uma colega extrovertida resolveu cuidar de mim. A amizade prosseguiu durante o ensino médio – e eu passava a maior parte do tempo estudando. Na faculdade, minha vida ficou bem mais difícil. Depois de muitos sobressaltos, incluindo um casamento precoce demais que durou quatro anos, finalmente me formei com louvor pela Universidade da Califórnia. Mas passava boa parte do tempo chorando no banheiro e achando que estava ficando maluca. (Minha pesquisa descobriu que se recolher assim, muitas vezes para dar uma boa chorada, costuma ser típico das PAS.)
Durante a pós-graduação, encontrei um lugar escondido em que eu costumava me recolher e chorar, tentando recuperar alguma calma. Segui em frente, mas acabei interrompendo meus estudos ao fim do mestrado, apesar de ter sido muito encorajada a continuar e fazer o doutorado. Precisei de 25 anos para obter informações suficientes sobre a minha personalidade, o que me permitiu compreender minhas reações e concluir o doutorado.
Quando tinha 23 anos, conheci meu atual marido e me acomodei em uma vida muito protegida, centrada na escrita e na criação de um filho. Sentia-me ao mesmo tempo encantada e envergonhada por não estar “lá fora”. Tinha uma vaga consciência das oportunidades que estava perdendo de aprender, de desfrutar maior reconhecimento público das minhas habilidades, de me relacionar mais com todo tipo de pessoa. Mas as experiências amargas me diziam que não havia outra opção.
No entanto, alguns eventos perturbadores não podem ser evitados. Tive que passar por um procedimento médico que, segundo presumi, deveria me custar algumas semanas de recuperação. A realidade foi que durante meses meu corpo pareceu reverberar reações físicas e emocionais. Fui obrigada a enfrentar mais uma vez aquele meu misterioso “defeito fatal” que me fazia tão diferente. Comecei a fazer psicoterapia. Depois de me ouvir por algumas sessões, minha terapeuta disse: “Mas é claro que você ficou perturbada com essa situação. Você é uma pessoa altamente sensível.” O que é isso?, pensei. Ela me disse que nunca tinha pensado muito no assunto, mas que, a partir de sua experiência, percebia diferenças reais na capacidade das pessoas de tolerar estímulos, assim como na sua abertura para encontrar um significado mais profundo em uma experiência, fosse boa ou ruim. Para ela, essa sensibilidade não tinha qualquer relação com uma imperfeição mental ou com alguma espécie de transtorno. Pelo menos ela esperava que não tivesse, pois também era altamente sensível. Lembro-me de seu sorriso maroto ao dizer: “Sou altamente sensível, assim como a maioria das pessoas que me parecem realmente dignas de se conhecer.” Passei vários anos em terapia, nenhum deles desperdiçado, trabalhando com diversas questões da minha infância. Mas o tema central se tornou o impacto dessa característica. Havia aquela minha sensação de ser defeituosa. Havia a disposição dos outros em me proteger, desfrutando em troca da minha imaginação, da minha empatia, da minha criatividade e da minha intuição, algo que eu não valorizava. E havia meu isolamento, como consequência. À medida que ganhei compreensão, fui conseguindo voltar para o mundo. Hoje, encontro grande prazer em fazer parte das coisas, de ser uma profissional e de compartilhar os dons especiais da minha sensibilidade.
A pesquisa por trás deste livro
Como o conhecimento sobre a minha personalidade mudou a minha vida, decidi ler mais sobre o assunto, mas não encontrei quase nada disponível. Pensei que o tema mais próximo pudesse ser a introversão. O psiquiatra Carl Jung escreveu com grande sabedoria sobre ela, chamando-a de uma tendência a se voltar para dentro. O trabalho de Jung, ele mesmo uma PAS, foi de grande ajuda para mim, porém a maior parte dos trabalhos científicos sobre a introversão enfoca os introvertidos como não sociáveis – e foi essa ideia que me fez questionar se a introversão e a sensibilidade não estavam sendo erroneamente igualadas.
Com tão pouca informação para prosseguir, resolvi colocar um anúncio em um boletim distribuído para os funcionários da universidade onde eu dava aulas na época. Pedia para entrevistar qualquer um que se sentisse altamente sensível a estímulos, que fosse introvertido ou tivesse reações emocionais muito rápidas. Em pouco tempo, eu já tinha mais voluntários do que precisava.
Em seguida o jornal local fez uma matéria sobre a pesquisa. Embora não houvesse qualquer indicação de como me localizar, uma centena de pessoas me telefonaram e escreveram, agradecendo-me, querendo ajuda ou simplesmente dizendo: “Eu também sou assim.” Dois anos depois, ainda havia pessoas entrando em contato comigo. (As PAS às vezes pensam no assunto por algum tempo antes de tomar uma atitude!)
Com base nas entrevistas (40 delas com duração de duas a três horas cada), elaborei um questionário que distribuí a milhares de pessoas em toda a América do Norte. E também conduzi uma pesquisa por telefone por discagem aleatória com 300 pessoas. O que interessa a você é que tudo neste livro se baseia em pesquisas sólidas, minhas e de outros estudiosos. Como fontes complementares, utilizo minha larga observação de PAS, cursos, conversas, consultas individuais e psicoterapia com elas. Essas oportunidades para explorar a vida pessoal das PAS chegaram à casa dos milhares. Mesmo assim, direi “provavelmente” e “talvez” com frequência maior do que aquela que você costuma encontrar em livros para o público em geral, mas acho que as PAS vão apreciar esse cuidado.
A decisão de fazer toda essa pesquisa, escrever e ensinar me tornou uma espécie de pioneira. Mas isso também faz parte do perfil de uma PAS. Frequentemente somos os primeiros a ver o que precisa ser feito. À medida que aumenta a confiança em nossas virtudes, talvez mais de nós se façam ouvir – à nossa maneira sensível.
Instruções ao leitor
- Volto a repetir que, embora eu me dirija ao leitor como sendo uma PAS, este livro foi escrito também para alguém que busca compreender as PAS, seja como amigo, parente, conselheiro, empregador, educador ou profissional de saúde.
- Este livro o leva a se ver como alguém com uma característica comum a muitos. Ou melhor, ele cria um rótulo para você. O lado bom é que você pode se sentir normal e se beneficiar da experiência e da pesquisa feitas com outros. Qualquer rótulo, porém, deixa de lado a sua singularidade. Cada PAS é completamente diferente da outra, apesar do traço em comum. Por favor, lembre-se disso ao avançar na leitura.
- Enquanto estiver lendo este livro, é provável que enxergue tudo em sua vida sob a perspectiva da alta sensibilidade. Isso é esperado. Na verdade, é exatamente essa a ideia. A imersão total ajuda a aprender qualquer idioma novo, inclusive uma maneira nova de falar de si mesmo. Se outras pessoas ficarem um pouco preocupadas, excluídas ou incomodadas, peça paciência. Um dia o conceito terá sido absorvido e você passará a falar menos no assunto.
- Este livro inclui algumas atividades que considero úteis para as PAS. Confie na sua intuição e faça o que parecer adequado.
- Qualquer uma das atividades pode provocar sentimentos intensos. Se isso acontecer, recomendo que você procure ajuda profissional. Se está em terapia no momento, este livro deve se encaixar bem no seu trabalho. As ideias que você encontrará aqui podem até encurtar o tempo de terapia necessário ao levá-lo a imaginar um novo eu ideal – não o ideal da cultura, mas o seu, alguém que você pode ser e que talvez já seja. Mas lembre-se de que este livro não substitui um bom terapeuta quando as coisas ficam intensas ou confusas.
Este é um momento emocionante para mim, pois imagino que você esteja virando a página e entrando neste novo mundo que é meu, seu, nosso. Depois de passar tanto tempo achando que era um caso único, é bom ter companhia, não é?