Um café com Sêneca | Sextante

Um café com Sêneca

David Fideler

Um guia estoico para a arte de viver

Um guia estoico para a arte de viver

 

“O antídoto perfeito para os valores superficiais dos tempos modernos. Fideler torna Sêneca acessível ao leitor do século XXI.” — Robin Waterfield, tradutor de Marco Aurélio e Epicteto

“O mais amigável dos livros estoicos da atualidade.” — The New York Times

“Um café com Sêneca é uma joia rara: ao mesmo tempo reconfortante e desafiador, edificante e divertido.” — Eric Weiner, autor de O expresso de Sócrates

 

 

O estoicismo, a escola filosófica mais influente do Império Romano, oferece formas surpreendentemente atuais de fortalecer nosso caráter em um mundo cada vez mais caótico e imprevisível.

Reconhecido como o filósofo mais talentoso e humano da tradição estoica, Sêneca nos ensina a levar uma vida boa e com propósito.

Em suas obras, ele oferece um caminho para lidar com as adversidades, superar a tristeza, a ansiedade e a raiva, transformar contratempos em oportunidades e reconhecer a verdadeira natureza da amizade.

Neste livro, David Fideler aborda esses temas apresentando uma ampla visão do pensamento de Sêneca, explicando claramente suas ideias, mas sem simplificá-las.

Perfeita para ser apreciada como parte de um ritual diário, como uma xícara de café revigorante, a sabedoria de Sêneca nos oferece sábios conselhos sobre a condição humana – que, como se vê, não mudou muito nos últimos 2 mil anos.

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Ficha técnica
Lançamento 17/05/2022
Título original Breakfast with Seneca
Tradução Heci Regina Candiani
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 240
Peso 300 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-361-9
EAN 9786555643619
Preço R$ 59,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-65-5564-362-6
Preço R$ 34,99
Ficha técnica audiolivro
ISBN 9786555644951
Duração 07h 59min
Locutor Matias Correa
Lançamento 17/05/2022
Título original Breakfast with Seneca
Tradução Heci Regina Candiani
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 240
Peso 300 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-361-9
EAN 9786555643619
Preço R$ 59,90

E-book

eISBN 978-65-5564-362-6
Preço R$ 34,99

Audiolivro

ISBN 9786555644951
Duração 07h 59min
Locutor Matias Correa
Preço US$ 7,99

Leia um trecho do livro

PREFÁCIO

 

MINHA RELAÇÃO COM SÊNECA E SEUS ESCRITOS MUDOU NUM MOMENTO de crise.

Eu estava no escritório quando recebi um e-mail de uma amiga querida e o abri com curiosidade, esperando encontrar algo agradável. Mas o texto dela me abalou profundamente. Apenas alguns minutos antes ela escrevera: “Acabo de tomar metade de um frasco de tranquilizantes. Lamento pela dor que causei na sua vida.”

A mensagem era apenas isso.

Congelei, incrédulo, e li mais duas vezes só para ter certeza de que era aquilo mesmo.

Em seguida, dominado por uma tristeza indescritível, entrei imediatamente no carro, fui até a casa dela e a levei para o pronto-socorro. Ela ficou uns dias no hospital e então foi transferida para uma instituição psiquiátrica. Lá, implorou para que eu a ajudasse a sair. Esse foi o início de seu suplício, e eu era a única pessoa por perto que podia ajudá-la.

Também foi um suplício para mim, é claro. Já tínhamos até sido apaixonados um pelo outro, e a sensação era a de que eu havia perdido o chão. A vida dela podia ter acabado ali. Felizmente não acabou, mas o desespero e as emoções à flor da pele eram avassaladores. Parecia que minha própria vida estava acabando também – não física, mas emocionalmente.

Por sorte, um bom amigo costumava me visitar uma vez por semana. Fiz terapia por um tempo. Mas o que mais me ajudou foi começar a ler todos os dias textos e cartas de Lúcio Aneu Sêneca (c. 4 a.C.-65 d.C.) para tentar recuperar meu equilíbrio mental e emocional. Embora eu já me interessasse por Sêneca antes de isso tudo acontecer, depois da crise as palavras dele se tornaram uma espécie de remédio para mim.

Talvez não por coincidência, alguns dos textos mais famosos de Sêneca são longas mensagens de consolação escritas a amigos, e nelas lê-se como eles poderiam superar suas experiências de dor e sofrimento. Ao que parece, funcionou. Com o tempo, a voz sábia e sóbria de Sêneca me ajudou a recuperar a sensação de normalidade, além de me colocar em contato com um pensador que tinha uma visão muito mais profunda e satisfatória da vida humana do que aquela que a sociedade atual nos encoraja a cultivar. Descobri um mentor sábio e um companheiro que oferece um fluxo constante de conselhos confiáveis e práticos sobre a condição humana, a psicologia e sobre como viver uma vida feliz e próspera.

O que também inferi dos textos de Sêneca foi que nada de significativo mudou na natureza humana nos últimos 2 mil anos, o que torna contemporâneo tudo o que ele tinha a dizer. Vaidade, ganância, ambição, busca pelo luxo e consumismo desenfreado – aspectos da elite decadente da sociedade romana que Sêneca descreveu em detalhes – ainda estão muito presentes entre nós.

Para além da observação de tais aspectos negativos do comportamento humano, Sêneca ensina a seus leitores como superar a preocupação e a ansiedade, como ter uma vida boa em qualquer condição, como viver com propósito e cultivar a busca pela perfeição, como contribuir para a sociedade e como superar a tristeza e todo tipo de obstáculo que poderão (e certamente vão) cruzar nosso caminho.

Depois da primeira leitura, voltei várias vezes aos escritos do filósofo. Há sempre algo a relembrar ou sobre o que refletir com mais profundidade. Além disso, a obra de Sêneca tem um dos melhores estilos de escrita de todos os tempos, com seus pensamentos condensados em frases incisivas e sucintas, como: “Nossa falta de confiança não é resultado da dificuldade; a dificuldade é que deriva da falta de confiança.” Ralph Waldo Emerson também apreciava ler Sêneca, e até imitava seu estilo.

COMECEI A LER SÊNECA ao acordar, enquanto tomava o café da manhã.

Depois, há uma década, me mudei para outro país, para a bela cidade de Sarajevo, no leste europeu, onde moro com minha esposa e meu filho. Obviamente, trouxe Sêneca para a aventura e, uma vez estabelecido aqui, desenvolvi um novo hábito. Depois de trabalhar de manhã, eu saía para caminhar pela colina na hora do almoço e lia Sêneca perto de alguma inscrição romana antiga em um museu local.

Agora, quando possível, nas minhas manhãs ideais, saio de casa, deixo meu filho na escola e vou à academia. Depois, compro um café com leite e me acomodo a uma mesa do Hotel Central, um suntuoso edifício da época do Império Austro-Húngaro. Pego meu e-book com as Cartas a Lucílio (ou apenas Cartas) completas, peço uma omelete e tomo o café da manhã com Sêneca – daí o título deste livro. Esse é meu ritual matinal favorito. Ninguém faz ideia do que estou lendo, muito menos de que quase sempre é o mesmo autor, e geralmente leio uma ou duas cartas antes de voltar para casa.

SÊNECA ENFATIZAVA QUE A filosofia e a amizade devem andar juntas. Segundo ele, “a primeira promessa da verdadeira filosofia é um sentimento de companheirismo, simpatia e comunhão com outras pessoas”. Como as principais obras de Sêneca são cartas e ensaios para amigos romanos, escritos em um estilo pessoal e em tom de conversa, o espírito da amizade permeia seus textos.

Sêneca acreditava que a verdadeira filosofia é um esforço conjunto: não se trata de algo que se faz por conta própria, mas de uma jornada que empreendemos com outras pessoas. Foi por isso que ele escreveu as Cartas. No entanto, essa ideia remonta pelo menos até Sócrates, que acreditava que a filosofia e o diálogo são uma jornada compartilhada, uma colaboração entre amigos.

Naturalmente, não estou me referindo ao que a filosofia se tornou; no mundo acadêmico atual, é algo muito diferente. A filosofia na Antiguidade era estreitamente associada à amizade (veja o Capítulo 1, “A arte perdida da amizade”). Seria ótimo se essa conexão fosse restaurada nos dias de hoje.

Em algumas cartas, Sêneca compartilha detalhes de sua vida pessoal, por isso é fácil para os leitores modernos experimentarem um sentimento de amizade por ele. Embora as cartas em si, que foram escritas durante seus últimos dois ou três anos de vida, sejam dedicadas à filosofia prática e ao que significa levar uma vida boa, Sêneca confidenciou a seu amigo Lucílio sobre como é envelhecer, deu pormenores de suas viagens, contou sobre alguns aborrecimentos e sobre a crise de asma que quase o matou, além de comentar o comportamento desvairado da sociedade romana. (Sêneca viveu entre as pessoas mais ricas e poderosas de Roma e era um dos principais conselheiros do imperador Nero, razão pela qual testemunhou todo tipo de comportamento nefasto, inclusive assassinatos políticos.)

APESAR DO GRANDE INTERESSE pelo estoicismo hoje, ninguém nunca explicou os ensinamentos de Sêneca para o leitor comum – ainda que o filósofo seja conhecido como “o mais envolvente e elegante dos autores estoicos”. Espero que este livro preencha esse vazio e ofereça uma visão panorâmica de seu pensamento. (Sêneca é muito consistente em seu modo de pensar, mas suas ideias sobre tópicos específicos estão dispersas ao longo de centenas de páginas.)

Este livro talvez satisfaça a curiosidade de algumas pessoas sobre a filosofia de Sêneca. Mas, para quem desejar prosseguir com a leitura de textos do autor ou criar seu próprio café com Sêneca, espero que este guia seja um companheiro útil nessa jornada.

David Fideler

 

INTRODUÇÃO

 

Uma vida que verdadeiramente vale a pena ser vivida

 

SÊNECA (C. 4 A.C.-65 D.C.) FOI UM DOS MAIORES E MAIS CULTOS ESCRITORES de sua época. Na condição de descontente conselheiro do malfadado regime do imperador Nero, em Roma, ele também se tornou um dos homens mais ricos do mundo. Mas é a filosofia estoica, assunto ao qual ele se dedicava, que vem despertando um novo interesse pela obra de Sêneca nos últimos anos.

Embora a escola estoica tenha começado em Atenas cerca de 300 anos antes do nascimento de Sêneca, os escritos dos estoicos gregos estão, em grande parte, perdidos. Eles sobrevivem apenas em breves citações ou fragmentos. Isso faz de Sêneca o primeiro autor estoico importante cujos escritos chegaram a nós em sua forma quase completa. Ele tinha uma das mentes mais bem-informadas e curiosas de seu tempo, demonstrando em seus textos uma ousada liberdade intelectual e abertura a novas ideias. É esta última característica que o faz parecer tão atual.

Este livro apresenta novas traduções de sua obra e expõe as ideias-chave e os sábios ensinamentos de Sêneca. Também é uma introdução à filosofia estoica em geral, uma vez que é impossível compreender plenamente o pensamento de Sêneca sem entender as ideias estoicas em que ele se baseou. Para esclarecer tais ideias, cito dois estoicos romanos posteriores: Epicteto (c. 50-135 d.C.) e Marco Aurélio (121-180 d.C.).

 

FILOSOFIA  COMO “ARTE  DE VIVER”:

O ESTOICISMO E SEU PERMANENTE FASCÍNIO

 

“A mente prefere divertir-se a curar-se, tornando a filosofia uma diversão quando, na verdade, é uma cura.”

Sêneca, Cartas 117.33

 

Antes de começarmos a explorar o estoicismo, devemos desfazer um equívoco muito comum. O estoicismo não tem nada a ver com “manter-se impassível” ou “reprimir emoções”, algo reconhecidamente prejudicial à saúde. Embora Sêneca fosse um filósofo estoico, é fundamental reconhecer que o significado de estoico mudou radicalmente ao longo dos séculos. Hoje, a palavra remete à “repressão das emoções”, mas os antigos estoicos nunca defenderam isso. Os filósofos estoicos não tinham problemas com os sentimentos saudáveis, como amor e afeição. Epicteto, por exemplo, não julgava necessário ser “insensível como uma estátua”. A fim de ajudar a evitar emoções extremas, violentas e negativas – como ira, medo e ansiedade – que pudessem suplantar a personalidade do indivíduo, eles desenvolveram uma “terapia das paixões”, que, em vez de reprimir essas emoções, as transformaria por meio da compreensão.

Algumas ideias estoicas importantes remontam ao filósofo grego Sócrates (c. 470-399 a.C.), para quem “a vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Em outras palavras: “Conhece-te a ti mesmo.” O autoconhecimento é essencial para uma vida feliz. Sócrates também sugeriu que, da mesma maneira que a ginástica é concebida para manter a saúde do corpo, devia haver algum tipo de arte para cuidar da saúde da alma. Embora Sócrates nunca tenha dado um nome a essa “arte”, a dedução óbvia é que o papel da filosofia – e, por conseguinte, do filósofo – seria “cuidar da alma”.

Essas duas ideias – autoconhecimento para ser feliz e para viver uma vida boa, e filosofia como uma espécie de terapia para a alma – foram os alicerces do estoicismo. Como escola, o estoicismo teve início em Atenas por volta de 300 a.C., quando o filósofo Zenão de Cítio (c. 334-c. 262 a.C.) fez um discurso no Stoa Poikilē, ou “pórtico pintado”, de onde vem o nome da escola.

Como outros filósofos da época, os estoicos tinham bastante interesse na seguinte questão: o que é preciso para viver a melhor vida possível? Eles acreditavam que, se os seres humanos conseguissem responder a essa pergunta, poderiam prosperar e viver uma vida tranquila e feliz, mesmo que o mundo parecesse insano e fora de controle. Esse conceito fazia do estoicismo uma filosofia extremamente prática, o que explica sua revitalização, pois a época em que vivemos também parece insana e fora de controle, seja social, política, econômica ou ecologicamente.

Ainda que o mundo pareça fora de controle, os estoicos ensinam que é possível viver uma vida produtiva, feliz e com significado. Além disso, mesmo em situações adversas, a vida ainda pode ser tranquila e serena. A ênfase no projeto de viver uma vida tranquila e com significado tornou o estoicismo romano muito popular como escola filosófica na época de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, o que também acontece hoje, numa época não menos tensa.

Essa ênfase no “viver bem” também separa o estoicismo da filosofia acadêmica contemporânea, que deixou de lado as preocupações humanas práticas em prol de temas teóricos abstratos, a maioria dos quais insignificantes fora da torre de marfim dos filósofos. Como o filósofo antigo Epicuro (340-270 a.C.) destacou:

Vazio é o argumento daquele filósofo segundo o qual nenhum sofrimento humano é tratado terapeuticamente. Pois, assim como não há utilidade na arte médica que não expulsa as doenças do corpo, não há utilidade na filosofia, a menos que ela expulse o sofrimento da alma.

Da mesma forma, os estoicos viam na filosofia uma forma de curar as “doenças da alma”, algo semelhante a uma “arte médica”, e até chamavam os filósofos de “médicos da alma”. Os estoicos também denominavam a filosofia de “a arte de viver”, e Sêneca descreveu os próprios ensinamentos como “remédios”. Ele acreditava que eles eram úteis ao tratamento das próprias mazelas e queria compartilhá-los com outras pessoas, inclusive com as gerações futuras.

 

OITO ENSINAMENTOS CENTRAIS DO ESTOICISMO ROMANO

 

Como é de se esperar, os filósofos estoicos romanos tinham ideias diferentes sobre muitos assuntos, mas concordavam em vários pontos. É isso que os tornava propriamente estoicos. Os fundamentos dessa escola filosófica também estão presentes nas obras de Sêneca, e a maioria remonta aos primeiros estoicos gregos.

Vamos explorá-las mais profundamente nos próximos capítulos, mas vale a pena mencionar aqui as oito principais, como uma prévia do que está por vir. (Se você preferir avaliar esses pontos depois, sinta-se à vontade para pular para a próxima seção desta introdução.)

1

“Viva de acordo com a natureza” para encontrar a felicidade.

 

Como muitos pensadores que vieram antes e depois, os estoicos acreditavam que existe racionalidade na natureza. Podemos observar evidências disso nos padrões, nos processos e nas leis naturais, que permitem que as formas da natureza operem de maneira excelente. Como os seres humanos são parte da natureza, temos a capacidade de ser racionais e virtuosos. De acordo com Zenão de Cítio, o fundador do estoicismo, se “vivermos de acordo com a natureza”, nossas vidas “fluirão harmoniosamente”. (É difícil imaginar uma vida feliz se você está em constante luta contra a natureza.) Embora viver de acordo com a natureza tivesse múltiplos significados para os estoicos, um dos centrais e mais importantes era o de que devemos nos esforçar para desenvolver a racionalidade e a excelência.

2

A virtude, ou excelência do caráter interior, é o único bem verdadeiro.

 

Embora essa ideia tenha várias dimensões, neste momento mencionaremos apenas uma: se você não possuir esse tipo de bondade interior, não será capaz de usar mais nada de forma benéfica, nem para você nem para os outros.

Por exemplo, os estoicos não viam o dinheiro como uma coisa boa em si, já que ele pode ser bem ou mal empregado. Se você tem as virtudes da sabedoria e da moderação, é provável que use o dinheiro de uma boa maneira. Mas, se alguém a quem faltem sabedoria e moderação acabar desperdiçando milhares de dólares em um fim de semana com drogas ou outros vícios, poucas pessoas vão considerar isso uma atitude boa ou saudável – ou ainda um uso adequado do dinheiro. Como disse Sêneca, “a virtude em si”, ou a excelência de caráter, “é o único bem verdadeiro, uma vez que, sem ela, não há nada bom”. O que torna uma virtude como a justiça ou a imparcialidade verdadeiramente boa é que ela é sempre boa, ou tende a ser. Em comparação, outras qualidades podem ser bem ou mal aplicadas. Ou seja, não são intrínseca ou consistentemente boas.

3

Algumas coisas “dependem de nós” ou estão inteiramente sob nosso controle, outras não.

 

Para os estoicos, as únicas coisas que estão totalmente sob nosso controle são as nossas capacidades de juízo, de opinião, de tomada de decisões, nossa vontade e o modo como interpretamos nossas experiências.

Para reduzir o sofrimento emocional, uma pessoa precisa se concentrar no que está sob seu controle, ao mesmo tempo que tenta construir uma vida melhor e um mundo melhor para os outros (vamos explorar essa ideia no Capítulo 6, “Como domar a adversidade”, e no Capítulo 8, “A batalha contra a Fortuna”).

4

Embora não possamos controlar o que acontece conosco

no mundo exterior, podemos controlar nossos juízos interiores e o modo como reagimos aos acontecimentos da vida.

 

Isso é bastante significativo para os estoicos, pois as emoções negativas extremas se originam de opiniões ou juízos falhos. Porém, se compreendermos e corrigirmos as interpretações falhas vendo as coisas de maneira diferente, também conseguiremos nos livrar das emoções negativas (veja o Capítulo 3, “Como superar a preocupação e a ansiedade”, e o Capítulo 4, “O problema da raiva”).

5

Quando acontece algo negativo ou quando somos atingidos pela adversidade, não devemos nos surpreender, e sim enxergar o fato como uma oportunidade para criar uma situação melhor.

 

Para os estoicos, todo desafio ou toda adversidade em nosso caminho é uma oportunidade para testar e desenvolver nosso caráter interior. Além disso, acreditar que infortúnios nunca se abaterão sobre nós significaria estar fora da realidade. Em vez disso, devemos ativamente esperar por solavancos ocasionais – e às vezes bem grandes (confira o Capítulo 6, “Como domar a adversidade”).

6

A virtude, ou caráter excelente, é uma recompensa em si mesma. Mas também resulta em eudaimonia, ou “felicidade”, um estado de tranquilidade mental e alegria interior.

O termo eudaimonia costuma ser traduzido de maneiras diferentes: “felicidade”, “prosperidade”, “bem-estar” e “melhor mentalidade possível”. No entanto, para os estoicos, a tradução mais exata é provavelmente “ter uma vida que valha a pena ser vivida” (confira o Capítulo 14, “Liberdade, tranquilidade e alegria duradoura”).

De acordo com um dos famosos “paradoxos” ou máximas paradoxais dos estoicos, uma pessoa sábia, um sábio estoico, possuiria eudaimonia mesmo sob tortura! Embora não caiba descrever uma pessoa submetida à tortura como “feliz” no sentido contemporâneo da palavra, seria possível imaginar que sua vida valia a pena ser vivida, especialmente se estivesse sendo torturada por ter se oposto a um tirano cruel.6 Da mesma forma, muitos heróis abriram mão da própria vida lutando por um bem maior, a fim de beneficiar a sociedade. Em outras palavras, viver a melhor vida possível ou uma vida que realmente valha a pena pode envolver alguma dor.

7

A verdadeira filosofia envolve “progredir”.

 

A filosofia envolve pensamento crítico, análise intelectual e tentativa de compreender o mundo cientificamente. Mas, em última análise, para os estoicos, a dimensão mais importante da filosofia é a ética, que tem um aspecto muito prático. Os estoicos romanos viam a verdadeira filosofia como uma espécie de caminho pelo qual se avança em direção à virtude ou ao desenvolvimento de um caráter melhor (veja o Capítulo 1, “A arte perdida da amizade”).

8

É essencial que nós, como indivíduos, contribuamos para a sociedade.

 

Os estoicos eram os filósofos mais sociais do mundo antigo. Eles ensinavam que a humanidade é como um único organismo e que nós, como partes desse organismo, devemos contribuir para o bem maior da sociedade em geral (veja o Capítulo 10, “Como ser autêntico e contribuir para a sociedade”). É importante ressaltar que os estoicos não estavam interessados apenas em melhorar a própria vida, e sim a de toda a humanidade.

 

 

A VIDA DE SÊNECA E A TRANSFORMAÇÃO DA ADVERSIDADE

 

Este é um livro sobre as ideias de Sêneca, e não sobre sua vida. No entanto, é natural que exista alguma relação entre os dois temas, por isso certos detalhes são pertinentes. (Para aqueles que gostariam de aprender mais sobre a vida do filósofo, recomendo a excelente biografia escrita por Emily Wilson,8 ainda sem tradução no Brasil.)

Sêneca nasceu por volta de 4 a.C. em uma próspera família da ordem equestre, ou seja, uma família de cavaleiros romanos, onde hoje é a cidade de Córdoba, na Espanha. Seu pai, Sêneca, o Velho (54 a.C.-39 d.C.), era professor de retórica e oratória. Assim como hoje, ser um ótimo comunicador era uma habilidade vital para construir uma carreira de sucesso no Império Romano, e a família de Sêneca se destacou nisso.

Pouco se sabe sobre a infância de Sêneca. O pai o levou para Roma quando ele tinha cerca de 5 anos. Na adolescência, ele estudou com vários professores, incluindo diversos filósofos.

Infelizmente, Sêneca sofria de algum tipo de doença pulmonar crônica, provavelmente uma combinação de asma e tuberculose. Por volta dos 25 anos, sua tia o levou para Alexandria, no Egito, a fim de tentar vencer a doença, que provavelmente fora agravada em Roma. Ele acabou ficando 10 anos por lá e só voltou a Roma quando estava com uns 35 anos. Felizmente para Sêneca, sua tia dispunha de contatos políticos e, graças à influência dela, ele pôde ingressar no Senado romano, quando Roma estava sob o domínio de Calígula.

Com a dissolução da República romana, os recém-estabelecidos imperadores passaram a concentrar, para todos os efeitos e propósitos, poderes absolutos, o que levou, é claro, a terríveis abusos. Os reinados de Calígula (12-41 d.C.), Cláudio (10 a.C.-54 d.C.) e Nero (37-68 d.C.), sob os quais Sêneca viveu, foram extremamente marcados por corrupção, assassinatos, envenenamentos, infidelidade (incluindo relatos de incesto), exílio de inocentes, torturas brutais e outros atos terríveis, muitos deles motivados apenas por caprichos. Era como uma novela muito ruim com consequências mortais na vida real.

Como senador no império de Calígula, Sêneca começou a acumular grande riqueza pessoal, e seguiu acumulando ao longo de toda a sua vida. Mas essas recompensas financeiras eram, na verdade, benefícios ambíguos, pois, à medida que Sêneca ascendia ao topo da pirâmide social e política, sua vida corria risco cada vez maior.

No auge de sua carreira, sob o reinado do imperador Nero, Sêneca, ao que parece, administrou o Império Romano – com a ajuda de Sexto Afrânio Burro, o comandante da guarda pretoriana. Aos 16 anos, Nero era apenas um adolescente quando se tornou imperador, por isso não tinha experiência para governar sozinho o maior império do mundo. Durante os primeiros cinco anos de seu reinado, Sêneca o guiou, e as coisas correram bem para ambos e para o Império Romano. Sêneca também foi eleito cônsul, o mais alto cargo político que alguém poderia exercer em Roma. No entanto, após aquele pacífico período de cinco anos, Nero assumiu o controle total e começou a agir de forma sanguinária.

Quando Sêneca escreveu suas Cartas, já idoso, ele sabia que sua vida estava ameaçada por Nero, que tinha o péssimo hábito de matar pessoas de quem não gostava. Sabendo que corria risco de morte, Sêneca tentou duas vezes se afastar do imperador, mas sem sucesso.

Aos 43 anos, teve problemas com Calígula, que quis matá-lo por inveja, depois de se sentir ofuscado por um discurso brilhante que Sêneca fizera ao Senado. Por sorte, uma das amantes de Calígula o convenceu a não matar Sêneca, que estava doente e, acreditava ela, logo morreria.

Dois anos depois, o imperador Cláudio o exilou na ilha da Córsega por oito anos e tomou metade de suas propriedades, em troca de não encomendar sua morte e recorrendo a acusações falsas. Esse exílio, que provocou a separação total entre Sêneca e a esposa, ocorreu poucas semanas após a morte de seu único filho, que ainda era apenas um bebê.

Sêneca passou oito anos na Córsega, onde escreveu boa parte de sua obra (porque não havia mais nada que fazer ali), e então foi finalmente chamado de volta a Roma, sob a condição de se tornar tutor do jovem Nero, à época com 11 anos.

Apesar de seus esforços, o projeto de desenvolver um bom caráter em Nero foi um fracasso. O futuro imperador não tinha interesse em filosofia nem em ética, apenas na própria satisfação e no poder à custa dos outros, o que fez dele um tirano monstruoso. Nero mandou matar muitas das pessoas que o cercavam, incluindo a própria mãe, o irmão e a esposa, que ele considerava entediante em comparação à amante. Por fim, após o fracasso de uma conspiração que visava destituí-lo do poder, Nero também condenou Sêneca à morte, então com 69 anos. Nessa nova onda de assassinatos, os dois irmãos e o sobrinho de Sêneca também perderam a vida.

Essas graves complicações hoje destruiriam a saúde mental de muitas pessoas, mas Sêneca recorreu à filosofia estoica para superar as dificuldades e transformar as adversidades em algo positivo. Mesmo quando Nero o condenou, já idoso, a cometer suicídio – destino preferível às formas de execução disponíveis –, Sêneca aproveitou a ocasião da própria morte para fazer um último discurso sobre filosofia a vários amigos presentes, exatamente como Sócrates fez quando foi obrigado a beber cicuta.

Como parte de seu treinamento filosófico estoico, Sêneca se preparou para a morte ao longo dos anos e, ao renunciar à vida, não demonstrou um traço sequer de receio ou preocupação. “Quem não conhecia a brutalidade de Nero? Depois de matar a mãe e o irmão, só lhe restou o assassinato de seu tutor e professor”, teria dito ele, sem rodeios. E, embora suas últimas palavras sobre filosofia não tenham chegado até nós, é possível imaginá-lo ecoando as palavras de Sócrates sobre a própria morte: “Embora vocês possam me matar, não podem me fazer mal.” Ou seja, embora ele tenha morrido fisicamente, seu caráter interior não poderia ser destruído.

 

O MUNDO DE SÊNECA É NOSSO MUNDO

 

Se você ler a obra de Sêneca, uma das coisas mais impressionantes que vai observar é que, mesmo tendo sido escritas há 2 mil anos, suas Cartas retratam com precisão nosso mundo atual.

Os cidadãos ricos de Roma transformaram o consumismo em uma arte refinada e se deleitavam com o luxo e o hedonismo. Assim como agora podemos ir ao supermercado e comprar laranjas e abacates cultivados no outro lado do mundo, os romanos haviam desenvolvido tanto o comércio internacional que produtos raros, alimentos e itens luxuosos vindos de terras distantes inundavam Roma.

Os romanos das classes mais altas ostentavam a riqueza como indicador de prestígio social. O que hoje chamamos de “seguir influenciadores” já existia na Roma antiga. Como descreve Sêneca:

Quantas coisas adquirimos apenas porque outras pessoas as compraram e porque estão em muitas casas. Muitos de nossos problemas são explicados por copiarmos o exemplo dos outros: em vez de seguir a razão, somos desviados do caminho pela convenção. Se apenas algumas pessoas fizerem algo, não as imitaremos. Mas quando a maioria começa a agir de determinada maneira, acompanhamos como se algo fosse mais honroso apenas porque é mais frequente.

Os ricos construíam mansões à beira-mar, feitas de mármore exótico, com vista espetacular para o oceano, piscinas, elegantes casas de banho e todos os luxos imagináveis. Outros importavam de longe neve e gelo a fim de resfriar suas bebidas e piscinas durante os meses quentes de verão. Outros também ofereciam banquetes, jantares e festas extravagantes, muitas vezes a um custo astronômico, com as mais raras iguarias de todos os cantos do mundo, que depois vomitavam para abrir espaço no estômago para mais comida.

Embora os romanos tivessem vivido modestamente em épocas anteriores, esse não era mais o caso. A cultura romana de gastos elevados exibia o mesmo tipo de excesso associado hoje às celebridades. Sêneca pondera:

Pessoas autoindulgentes querem ser o centro das atenções a vida inteira. Se a fofoca para, elas se sentem mal e fazem algo novo para despertar a notoriedade. Muitas gastam grandes somas de dinheiro e muitas mantêm amantes. Para ganhar fama nessa multidão, é preciso aliar extravagância e destaque. Em uma cidade tão movimentada, vícios comuns não são divulgados.

Tais hábitos ainda são comuns por um simples motivo: a natureza humana não mudou. Embora tenhamos avançado tecnologicamente, em termos psicológicos somos exatamente iguais às pessoas da época de Sêneca. Somos criaturas complexas sujeitas tanto a ganância, ambição, preocupação, medo, tristeza, raiva, ansiedade financeira, desejo sexual e vícios quanto ao desejo de sermos boas pessoas e fazermos do mundo um lugar melhor.

Embora defendesse uma vida simples, o estoicismo não proibia o acúmulo de riqueza, desde que fosse usada com sabedoria. Como um dos homens mais ricos do Império Romano, cujos colegas de profissão eram os principais membros da elite social, Sêneca experimentou as consequências da busca pelo luxo excessivo. É bem provável que isso o tenha levado a reconhecer o vazio e a superficialidade de uma vida dispendiosa, o que o fez criticá-la:

Admiramos paredes folheadas com uma fina camada de mármore, mesmo sabendo quais defeitos o mármore esconde. Enganamos nossos próprios olhos e, depois de cobrirmos nossos tetos com ouro, com o que nos regozijamos, senão com uma mentira? Pois sabemos que sob o dourado se esconde algum material feio. E essa decoração superficial não se espalha apenas por paredes e tetos. Todos aqueles homens famosos que você vê se pavoneando de maneira grandiosa possuem uma felicidade fina como folha de ouro. Olhe dentro deles e você verá quanta corrupção existe por trás desse frágil verniz de prestígio.

O que torna Sêneca único na tradição estoica é sua profunda percepção psicológica da condição humana, incluindo a ambição e os medos. Ele foi a primeira pessoa do mundo ocidental a explorar profundamente a psicologia do consumismo. Também fez contribuições significativas, válidas ainda hoje, para a compreensão das emoções e da ira. Em resumo, Sêneca não foi um teórico acadêmico, mas alguém que “viu de tudo” na vida: o melhor e o pior da natureza humana. Ele vivenciou aquilo sobre o qual escreveu e tinha uma capacidade única de compreender as motivações internas, psicológicas, das outras pessoas. É isso que faz de Sêneca um guia tão valioso para os leitores contemporâneos, mesmo 2 mil anos depois.

No fim das contas, a época de Sêneca é a nossa época. Ele é nosso contemporâneo e compartilhamos profundamente das mesmas preocupações.

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David Fideler

Sobre o autor

David Fideler

DAVID FIDELER já foi professor universitário e diretor de um centro de humanidades. Estudou filosofia grega antiga e religiões mediterrâneas na Universidade da Pensilvânia e tem doutorado em filosofia. Escreveu alguns livros e é editor do site Stoic Insights. Nascido nos Estados Unidos, atualmente mora em Sarajevo com a esposa e o filho.

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FILOSOFIA

Filosofia para quê?

Muita gente tem medo de filosofia. Tem quem considere o pensamento filosófico erudito e rebuscado demais, sem falar naqueles que simplesmente consideram o conhecimento filosófico algo distante da vida prática.

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