INTRODUÇÃO
Um segredo mortal
Este livro é uma obra de pura ficção.
Pra começo de conversa, não morri.
Estou aqui, do alto dos meus 80 anos,
firme e forte.
Trata-se de uma brincadeira, baseada em acontecimentos reais e na minha convivência com pessoas que já se foram. Os leitores vão encontrar mais diálogos do que narrativas, como o subtítulo – dialogando com os mortos – entrega. Na realidade, este livro é mais uma homenagem aos amigos que nos deixaram.
A vida após a morte tem sido objeto de pesquisas científicas e de crenças e religiões seculares. Por anseio de sobrevivência, desde os primórdios da história da humanidade, cultiva-se o contato com espíritos: sejam deuses ou, simplesmente, entes queridos. Meu pai, Orlando de Oliveira, partiu aos 33 anos, quando eu tinha 7. Aos 17, perdi minha avó paterna, Ana Carolina de Toledo, vó Nicota, a quem eu amava de paixão. Depois da sua morte, vivi durante anos à procura de alguma notícia. Nas inúmeras investidas, encontrei de tudo: por um lado, fraudes grosseiras, enganações; por outro, tentativas piedosas de me confortarem, falseando os contatos. Nenhuma verdade concreta. Nenhuma pista.
Recebi a notícia de que ela estava mal enquanto visitava, pela primeira vez, Nova York. Voltei. Na época, a viagem até São Paulo durava 30 horas, em um DC-4, com escalas em Washington, Miami, Caracas e Belém. Cheguei em casa à noite e apaguei. No dia seguinte, fui ao hospital. O quarto dela estava vazio. Morrera de madrugada, chamando pelo meu nome. Carrego comigo até hoje o trauma. Havíamos prometido, um ao outro, que o primeiro de nós dois a morrer faria contato. Ela temia me perder em um acidente, como o que sofri aos 15 anos, quando de bicicleta enfrentei um ônibus. Era elegante, inteligente, montava a cavalo, escrevia e falava correntemente o francês, pois estudou em Paris na infância. Viveu até os 93 anos, coisa rara no passado.
No final da vida, dona Nicota morava em um quartinho alugado numa casa de família, em Osasco, São Paulo. Quando ia visitá-la, exigia que eu dormisse na única cama que havia, enquanto colocava, no chão, um colchão para si. No inverno úmido, ela me esperava chegar e passava primeiro a minha cama com ferro a carvão, me deixando dormir no quentinho. Só depois passava a caminha dela também. Minha avó e eu guardávamos um segredo, um código de comunicação só nosso. A pergunta-chave para um contato pós-morte era: “Onde você dorme?” A senha dela seria “No chão”; a minha, “Na cama quentinha”. Nunca revelamos isso a ninguém.
Quando frequentava mesas brancas, místicos ou mesmo centros espíritas e havia alguma manifestação supostamente dela, eu sapecava a pergunta: “Onde você dorme?” E as respostas variavam entre banais e estapafúrdias: “No quarto”, “Nas nuvens”, “No céu”, “Com os anjos” e até “Com Deus”. Essas coisas acabaram aguçando minha curiosidade, e transformei a procura por um contato com minha avó numa busca metódica, já despida da relação afetiva.
O artista plástico Laerte Agnelli me acompanhou em várias tentativas de contato. Ele foi mais feliz na sua busca. Escreveu um lindo e emocionante livro sobre Chico Xavier e outro intitulado Existe morte após a vida? Das minhas pesquisas, é verdade, restou alguma coisa: aprendi, nos centros espíritas, a prática da caridade e testemunhei quanto amor existe no seio dessa comunidade. Nos centros esotéricos, recolhi ensinamentos que tornaram inequívoca a minha confiança na força do pensamento. Encontrei bondade e compreensão em muitos lugares e pessoas de diversas religiões: católica, evangélica, umbanda, candomblé e tantas outras. Também encontrei mercenários e trapaceiros, ávidos por dinheiro.
Não concluí nada, absolutamente nada. Sou cético em relação a novas vidas. Na prática, sou agnóstico pensante. Concordo com o físico e filósofo francês Blaise Pascal em tudo que escreveu e destaco um dos seus pensamentos para fechar a introdução:
O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o Universo inteiro se arme para esmagá-lo. Um vapor, uma gota d’água, é o bastante para matá-lo. Mas, mesmo que o Universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que o que o mata, porque sabe que morre; e a vantagem que o Universo tem sobre ele, o Universo a ignora. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento.