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Basta de machismo!

Em Guia prático antimachismo, Ruth Manus convida os leitores (homens e mulheres) a uma reflexão crítica sobre nossos comportamentos machistas arraigados.

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Em Guia prático antimachismo, Ruth Manus convida os leitores (homens e mulheres) a uma reflexão crítica sobre nossos comportamentos machistas.

Há muitos livros sobre feminismo, mas quase nenhum sobre machismo – muito menos que abordem a temática da desconstrução, seguindo o formato de um guia prático ou manual. Ao se dar conta dessa lacuna, Ruth Manus escreveu Guia prático antimachismo, obra em que propõe um diálogo e uma reflexão sobre como o machismo afeta a vida de mulheres e homens e de que maneira é possível desconstruí-lo.

O livro não se restringe à análise da desigualdade de gênero, mas também observa como o machismo oprime os homens heterossexuais ao estabelecer um padrão de masculinidade sufocante. “Mais especificamente, o machismo não defende homens livres. Na realidade, o machismo trabalha com dois estereótipos muito limitados do masculino e do feminino. De forma muito básica: o homem precisa ser o famoso machão e a mulher precisa ser a famosa princesa.”, analisa Ruth.

Além disso, outras formas de opressão e discriminação a minorias – como a homofobia e a transfobia – são em boa medida decorrentes da estrutura social machista. “Para sermos antimachistas, não basta respeitarmos as mulheres cisgênero e heterossexuais. Para não sermos machistas é essencial respeitarmos seres humanos de um modo geral. Não se trata meramente de tolerar, se trata de acolher.”, aponta a autora.

Nesta entrevista exclusiva para o blog da Sextante, Ruth Manus comenta sobre temas urgentes, como masculinidade tóxica, violência contra a mulher (física e psicológica), padrão de beleza, questões de gênero, entre outros. Confira!

1. Você é autora de diversos livros, entre eles Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas, em que aborda questões de gênero e a desigualdade entre homens e mulheres na vida doméstica e no trabalho. O que a motivou a escrever Guia prático antimachismo? O que os leitores e leitoras irão encontrar na obra?

Embora o Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas fosse um livro para homens e mulheres, era evidente que o número de homens que se interessava por essa leitura era residual. Paralelamente a isso, a cada dia eu era abordada mais vezes por homens, em geral pais de meninas, que me perguntavam o que poderiam ler para começar a se desconstruírem como machistas. Percebi que não havia nada muito específico para isso no mercado editorial brasileiro. Havia, por exemplo, o Para educar crianças feministas, da Chimamanda, mas que se limitava à maternidade/paternidade. Havia o Seja homem, do JJ Bola, mas muito focado na masculinidade tóxica. Eu, inclusive, sugiro essas leituras (e muitas outras) no Guia prático antimachismo. Mas achei que faltava um livro para quem quer começar a trilhar esse caminho.


2.       Como a obra está estruturada? Quais são os principais assuntos abordados? Por que elaborar um manual antimachismo? Há diferença entre um livro feminista e um livro antimachista? Qual?

Acredito que convidar alguém a ser antimachista é um passo anterior a convidar para ser feminista. São degraus de uma mesma escada. Mas acho, inclusive, que é mais produtivo e eficaz convidar as pessoas (sobretudo os homens) a começar pela desconstrução do machismo. Essa desconstrução precisa ser transversal. Por isso, abordamos no livro temas como o patriarcado, a masculinidade tóxica, as várias formas de violência contra as mulheres (verbal, inclusive), o papel das mulheres no combate ao machismo, o respeito à diversidade de gêneros e orientação sexual, a parentalidade antimachista e tantos outros temas. Obviamente, convidamos o leitor a refletir e nunca nos propomos a esgotar o assunto nessas poucas páginas.


3.       Um dos primeiros argumentos da obra defende que “um livro contra o machismo não é um livro contra os homens”. Poderia explicar a afirmação? Por que tantas pessoas (homens e mulheres) acreditam que o feminismo se equivale ao machismo? Como mudar isso?

Definitivamente um livro antimachista não é um livro contra os homens. Muito pelo contrário. Quando falamos em machismo estamos falando de algo que oprime a vida dos homens também (não poder chorar, não poder ganhar menos que a mulher, não poder ser vulnerável, não poder dizer que precisa de apoio de saúde mental e tantas outras truculências). Por outro lado, lembramos que as mulheres também estão contaminadas pelo machismo – e é preciso fazer um trabalho intenso de autocrítica. Esse precisa ser um trabalho conjunto da sociedade.


4.       No livro, você propõe um processo de desconstrução do machismo.  Como se dá esse processo? Quais são as etapas?

Esse é um processo que se desenvolve na nossa vida inteira. Não há fórmula mágica. Convidamos o leitor a refletir e a identificar seus gatilhos. A partir daí, há um trabalho diário a ser feito.


5.       O conceito de masculinidade tóxica é relativamente novo, mas tem ganhado mais visibilidade na luta contra o machismo. O que ele significa? Por que o machismo é uma prisão e limita também os homens? Qual é a conexão entre masculinidade tóxica e violência contra a mulher?

O conceito é novo, mas o problema existe há muitos séculos. Homens não são criados para a reflexão, para a serenidade, para a gentileza. A opressão masculina começa ainda na infância, pregando a necessidade de força, rigidez, velocidade e truculência. Se não ensinamos meninos a lidar com seus sentimentos e os instigamos a ser cada vez mais brutos (chamando isso de “ser homem”), não é de surpreender que haja muitos casos de violência de gênero mais tarde. O isolamento decorrente da Covid-19 nos mostrou o exponencial aumento de casos de violência doméstica. Seria isso um sinal de que, quando tiramos os homens de ambientes onde eles canalizam a masculinidade tóxica, como bares, estádios e estradas com alta velocidade, essa toxicidade emerge dentro de casa? Provavelmente.


6.       No capítulo “Diversidade e representatividade”, você aborda a desigualdade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho. Fala não apenas do desequilíbrio salarial e da representatividade feminina em cargos de chefia, como também do próprio padrão imposto no que diz respeito à forma de se vestir. Quais são os tabus mais frequentes que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho?

É comum ouvirmos as pessoas dizerem que as mulheres já estão incluídas no mercado de trabalho, já que há, de fato, empresas e órgãos públicos nos quais mulheres são maioria. Mas é preciso ir mais a fundo: o tratamento entre homens e mulheres é equivalente? A política salarial é justa? As possibilidades de ascensão na carreira são as mesmas? Isso no plano material. Há, porém, questionamentos mais profundos: as mulheres são aceitas enquanto mulheres no ambiente de trabalho ou precisam adotar comportamentos tipicamente masculinos para isso? Existem modelos femininos de poder ou seguiremos para sempre tendo que usar terninho preto e camisa azul clara, fingindo que não somos mães e operacionalizando lideranças que não coadunam com a nossa forma de ser e de pensar?


7.       A Lei Maria da Penha é um marco no Brasil no combate à violência contra a mulher. Ainda assim, o país registra um caso de feminicídio a cada seis horas e meia. No livro, você analisa as formas nem tão evidentes da violência contra a mulher. Poderia explicar brevemente como o assunto é abordado na obra? Você também relata um episódio ocorrido contigo durante um carnaval. Por que é tão recorrente que as mulheres se calem diante de atos de violência?

As pessoas, em geral, tratam a violência na terceira pessoa. Sempre “eles, os violentos”. Nunca se questionam se elas são violentas. Mas basta estudar um pouco a Lei Maria da Penha para entender que cometer um ato de violência contra uma mulher não é algo que se esgota nos conceitos de feminicídio, violência física e sexual. A violência verbal e a patrimonial são realidades que presenciamos todos os dias, mas que, nem sempre, temos consciência de suas gravidades. Há muitas formas de ser violento. Quando minimizamos a importância das violências que não matam nem sangram, estamos ensinando as mulheres a permanecer em silêncio, convencidas de que esse tipo de ato não é relevante. Mas é – e muito.


8.       MansplainingManterruptingGaslightingBropriating e Hepeating. O que significam esses termos emprestados do inglês? O que eles revelam sobre o silenciamento das mulheres nos mais diversos ambientes de convívio social?

Assim como a masculinidade tóxica, essas são coisas que sempre existiram, mas que só foram batizadas mais tarde. A interrupção das falas das mulheres, as explicações de coisas óbvias presumindo a ignorância feminina, a acusação de falta de equilíbrio mental das mulheres, os roubos de ideias no ambiente de trabalho… Quando damos nomes a essas situações, estamos possibilitando que as mulheres identifiquem as condutas e tenham ferramentas para tentar combatê-las.


9.       A obra debate, ainda, temas importantes como sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual. Em que medida a homofobia e a transfobia são uma extensão do machismo e da masculinidade tóxica?

O machismo nos ensina a operar em modelos muito restritivos do gênero e da sexualidade. Há sempre um maniqueísmo presente: certo e errado, bom e mau, são e doente. Se continuarmos classificando as pessoas em normais e anormais, estamos consagrando a força do machismo em nossa vida e em nossa sociedade. Se não nos dedicarmos a tentar compreender e aceitar a pluralidade de existências, não estamos verdadeiramente dispostos a desconstruir nosso machismo. Respeitar apenas mulheres heterossexuais e cisgênero não é ser antimachista.


10.   Poderia, também, comentar suas reflexões sobre os estereótipos do feminino e a ditadura da beleza? Por que o envelhecimento das mulheres é ainda hoje um tabu? Como reverter essa imposição social?

Enquanto o machismo prega padrões muito restritivos de existência, o feminismo luta pela liberdade de ser plural. O machismo define não apenas padrões comportamentais, mas também de aparência. A ditadura da beleza estereotipada é uma verdadeira prisão para as mulheres. É preciso ser magra, ter cabelos longos, esconder os cabelos brancos e qualquer outro indício de envelhecimento. As mulheres passam vidas inteiras tentando corresponder a uma expectativa imposta por padrões distorcidos, tentando ter corpos que não são os seus, cabelos que não são os seus e idades que não são as suas. Precisamos rever esses conceitos, senão nunca teremos mulheres verdadeiramente emancipadas.


11.   Para finalizar, você abre o livro com uma bela homenagem ao seu pai, que faleceu no último Natal. Fala de como ele buscou combater o machismo estrutural em sua maneira de ver e agir no mundo. No entanto, você ressalta que somos todos machistas, uma vez que nascemos e somos criados em sociedades patriarcais. Quais lições você aprendeu com seu pai? E ele com você?

Meu pai sempre me ouviu. E os pais não costumam ser treinados para ouvir suas filhas  – muito menos para aprender com elas. Conforme fui estudando mais as questões de gênero, mais ele me ouvia e refletia sobre sua condição de homem, marido, pai, avô e chefe. Ele se esforçou para mudar. Tudo o que eu não queria na vida era me despedir tão cedo e tão abruptamente do meu pai. Mas, em algum lugar em meio a todo esse sofrimento, consigo ter um pequeno sentimento de missão cumprida, pois ele se foi sendo um homem em processo de desconstrução diária do seu machismo. E isso só me fez amá-lo ainda mais.

Este post foi escrito por:

Felipe Maciel

Jornalista com 20 anos de experiência no mercado e pós-graduação em Mercado Editorial e em Tradução, trabalhou em jornais, revistas e agências de comunicação. Foi coordenador de comunicação do Sesc Rio. Desde 2010, trabalha no mercado editorial com passagens por algumas das principais editoras do país.

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