A pergunta está logo no início de Amor Sustentável: “Quem de nós não deseja viver um grande amor, desses que nos roubam o chão mas constroem estradas infinitas dentro de nós?”.
Talvez esse seja o querer mais ansiado por aqueles em busca de um par: o amor vivido na plenitude de sua maravilha; o amor compartilhado e recíproco; o amor que se sabe amor e não quer ser outra coisa senão amor. Aos amantes, restaria – como escreve Vinicius de Moraes – “vivê-lo em cada vão momento”. Essa expectativa acabou criando uma ficção do amor inabalável, ou do amor nutella. Talvez por omissão ou por esperteza, o amor reina numa vitrine cristalina, sem arranhões evidentes. Esse é o amor idealizado.
Contudo, como o título do livro entrega, a psicanalista Lígia Guerra defende o amor sustentável, aquele que acolhe a realidade das relações, testadas por um sem fim de problemas entrelaçados ao fio da vida. É um malabarismo que se mantém em curso porque existe uma vontade. Não é milagre, o amor requer trabalho. “Percebo que a grande maioria das pessoas inicia seus relacionamentos com as melhores intenções, mas muitas desistem por pura inabilidade emocional. Elas não percebem que a qualidade do amor não depende do sentimento em si, mas delas mesmas”, explica a autora.
A construção desse sentimento pressupõe saber lidar com o potencial afetivo que cada um de nós tem, mas também reconhecer nossas fragilidades e, sem medo, compartilhá-las. É importante identificar o que precisa ser mudado no nosso modo de ser. No livro, Lígia traça um percurso do amor, levando em conta os perigos da dependência emocional, sustentada a partir do controle sobre o outro: “Quem desenvolve esse comportamento não consegue ter um relacionamento saudável, baseado em respeito, admiração mútua e bem-querer genuíno. A relação é estruturada sobre elevadas expectativas e cobranças”.
As pedras no caminho do relacionamento
No quarto capítulo, Ligia se dedica a explicar e a analisar os comportamentos capazes de destruir os relacionamentos. Contudo, é essencial ter em vista que a vida afetiva não é previsível: “O que fica claro é que as relações que dão certo são aquelas em que o casal não ‘brinca de casinha’, mas ‘constrói’ a casinha todos os dias, tijolo a tijolo”, ressalta.
Ela elegeu cinco comportamentos/situações perigosas:
Deboche e humor ofensivo
É bacana saber rir de si mesmo, mas é preciso ter cuidado quando o humor é direcionado para o outro. Às vezes, talvez de forma inconsciente, o humor pode ser também uma forma de agressão. De brincadeirinha em brincadeirinha, casais vão se alfinetando numa disputa simbólica de poder às custas da autoestima do outro. É preciso estar atento: “Se você ouviu algum comentário e aquilo ficou ecoando na sua cabeça durante horas ou dias, é porque de algum modo feriu sua autoestima. Compreenda que se incomodar com um comentário é diferente de se melindrar com tudo, que é patológico”, observa Lígia.
A dica da psicanalista é se posicionar: conversar com calma, deixando que o outro também possa expor seu ponto de vista. “Sempre que nos disponibilizamos a ouvir o outro, o vínculo amoroso se fortalece”.
Cabo de guerra
O termo se refere a uma disputa constante entre o casal. Disputa pelo controle, pelo espaço no armário, pela razão. Nesse ambiente de tensão, tudo vira motivo de queixas ou sabotagens. Em alguns casos, o embate extrapola o relacionamento e chega à família e aos amigos, que se tornam espectadores das tais brigas. Quando resolvem passar a limpo os desdobramentos desse mal-estar, o risco de tudo desandar de vez é grande. “No calor da discussão que foi tão postergada, a pessoa que sempre engoliu as ofensas vomita tudo que causava indigestão e se sente aliviada de todas aquelas toxinas”, frisa a autora.
O nascimento do primeiro filho
Um casal nem sempre consegue lidar bem com as situações decorrentes da chegada de um bebê. Para além de companheiros um do outro, agora eles são pais. Da escolha do nome à forma de educar, a novidade traz questões que podem ser motivos de conflitos. Os pais também precisam lidar com a interferência das famílias (os avós, especialmente) na criação dos filhos, o que nem sempre é bem-vindo. Há que se levar em conta também o despreparo emocional de alguns pais, perdidos diante de uma nova perspectiva. Há homens que se sentem preteridos pelas mulheres e inaptos para exercer a paternidade. Algumas mulheres, por sua vez, podem ter dificuldade de atualizar a rotina a partir das demandas impostas pelo filho.
Traição
Um dos grandes vilões dos casamentos. Para a psicanalista, é fundamental que o casal estabeleça o que é traição. No livro, Lígia propõe algumas perguntas: 1) Um beijo na boca de outra pessoa é somente traição ou um deslize?; 2) As pessoas podem ser fiéis sexualmente e trair emocionalmente?; 3) Ver pornografia na internet é traição; 4)Ter conversas provocativas com colegas de trabalho é traição?
Enfim, perguntas não faltam e fazê-las é uma forma de manter a saúde conjugal e evitar falsas desculpas. É importante entender que existem muitas formas de traição, algumas delas passam longe da questão sexual. A autora mesmo lembra que falar de dinheiro ainda é um tabu ainda mais complexo. “A infidelidade financeira pode acontecer de muitas formas. Em geral, envolve mentiras sobre estar sem dinheiro ou não ter recebido o salário para não dividir a conta. São tantas as manobras para ludibriar o parceiro que a perda de confiança é inevitável”.
Ciúme
Para Lígia, trata-se do mal maior para o amor. O medo e a insegurança que sustentam o ciúme – como os jornais nos mostram diariamente – podem ser trágicos. “O ciúme patológico é muito sério porque pode ser alimentado de acordo com o desequilíbrio do ciumento – ou seja, não tem limite! Quanto mais baixa for a autoestima dele, mais grave poderá ser a situação”, alerta.
Nesse ponto, é fundamental reforçar que o ciúme patológico tem relação com a posse, não com o amor – portanto, enlouquecer de ciúme não é bonito, é preocupante. Ao menor indício de manifestações do tipo, deve-se impor limites bem claros. O desrespeito jamais deve ser alimentado. “As pequenas permissões abrem caminho para as grandes invasões”, sintetiza.
O livro “Amor sustentável” nos lembra que o amor é para os fortes, para aqueles que ousam compartilhar suas vulnerabilidades, para os que reconhecem suas limitações e aprendem com elas, para os que não têm medo das suas fragilidades.