PREFÁCIO
Desde que 108 histórias para entender a atenção plena foi publicado pela primeira vez, em 2009, passei a valorizar ainda mais a maestria do Buda em contar histórias por meio de metáforas. De fato, como afirmou o estudioso budista Damien Keown, “a capacidade do Buda em ensinar o Dharma era demonstrada por sua aptidão em adaptar a mensagem ao contexto no qual era transmitida. Parábolas, metáforas e analogias constituíam uma parte importante de seu repertório de ensinamentos, habilmente ajustadas aos indivíduos a quem se destinavam”. O Cânone Páli, a compilação por escrito dos ensinamentos budistas tradicionais, contém mais de mil referências metafóricas que abordam mais de 500 conceitos diferentes. O Buda usou metáforas de elementos (principalmente água e fogo), animais e as tecnologias do seu tempo (flechas, por exemplo) para transmitir seus ensinamentos ao seu público.
O objetivo deste livro é seguir os passos da pedagogia do Buda a meu próprio modo. O poder das histórias e das metáforas é uma presença indelével para mim, e apresento aqui 108 delas para fazer a atenção plena ganhar vida para você. Torço para que essa abordagem seja útil para divulgar ainda mais essa prática (também conhecida como mindfulness).
A metáfora das galinhas selvagens e dos pequenos tiranos (que você poderá ler nas páginas 116 e 128, respectivamente) foi destaque no livro Mindful America: The Mutual Transformation of Buddhist Meditation and American Culture, de Jeff Wilson. Nele, o Professor Wilson afirmou: “As metáforas de Kozak se baseiam em elementos da vida cotidiana e da nossa cultura, enfatizando os benefícios que podem ser extraídos da prática da atenção plena.” Embora alguns estudiosos budistas considerem problemática a popularização da atenção plena, foi com satisfação que vi meu livro sendo retratado dessa maneira, pois minha intenção é exatamente levar o mindfulness a um público mais amplo.
Como no tempo do Buda, as metáforas ajudam a tornar os ensinamentos acessíveis a toda e qualquer pessoa. Espero que consigam torná-los acessíveis para você também.
INTRODUÇÃO
Em 1988, meu orientador no doutorado em psicologia clínica me apresentou um pequeno livro intitulado Metáforas da vida cotidiana, do linguista George Lakoff e do filósofo Mark Johnson. Essa obra incisiva norteou minha formação e transformou minha maneira de pensar e praticar a psicoterapia.
As metáforas nos ajudam a entender o mundo: são o carro-chefe da linguagem e do significado, pois nos permitem compreender uma coisa comparando-a a outra e nos ajudam a comunicar esse entendimento. Percebemos o mundo por meio de metáforas e, ao fazer isso, criamos uma sensação de familiaridade. As metáforas, porém, são mais do que meras figuras de linguagem. Na verdade, não podemos separá-las da maneira como vemos e como vivenciamos o mundo. E mais: grande parte da linguagem do dia a dia é baseada em nosso corpo físico, e muitas metáforas refletem, de certo modo, a forma como o cérebro humano está organizado. Assim, conceitos metafóricos não são referências arbitrárias, e sim um reflexo da maneira como somos constituídos, a própria estrutura do nosso ser.
O psicólogo Julian Jaynes argumentou que a metáfora é a base da linguagem. Vejamos, por exemplo, o verbo to be, em inglês. Esse verbo básico vem do sânscrito bhu, que significa “crescer” ou “fazer crescer”. Portanto, o verbo to be tem a mesma raiz etimológica de outro verbo em sânscrito, asmi, que significa “respirar”. Assim, encapsulada na linguagem de uma metáfora milenar, está a constatação de que viver e respirar são uma coisa só. E, numa comovente conexão com os temas deste livro, podemos também refletir sobre o fato de que a respiração constitui a base da meditação de atenção plena, que, por extensão, é uma prática de ser.
Este livro apresenta 108 histórias para ajudar você a entender a atenção plena, a prática da meditação, o eu, a mudança, a aceitação profunda e outros conceitos afins. Compilei as metáforas apresentadas aqui ao longo de décadas de meditação, prática de ioga, estudo do budismo e de minha atuação como profissional de saúde mental.
A atenção plena é um processo de autoinvestigação voltado para o que está acontecendo no momento, na maior parte das vezes focado nas sensações do corpo – na corporificação do momento presente. É o direcionamento intencional da atenção para o desenrolar da experiência no agora e no momento que vem a seguir, sem comentários, julgamentos ou narrativas interiores.
As metáforas são fundamentais para entendermos a atenção plena e torná-la parte da nossa rotina. Elas podem nos motivar a incorporar a prática ao dia a dia e usá-la para transformar a nossa vida.
Com frequência me pego pensando e falando em metáforas. Elas ancoram a compreensão sobre a vida e muitas vezes servem como um guia para o aprimoramento pessoal. São como uma ponte que liga o conceitual ao vivencial.
Muitas das metáforas neste livro são criações minhas; outras foram extraídas da literatura sobre mindfulness e budismo. Elas formam o núcleo prático dos meus ensinamentos sobre atenção plena, e cada uma é um nó na rede de conceitos entrelaçados que tentam dar vida à experiência do mindfulness.
Você verá que o próprio processo de desvendar uma metáfora exige o uso de várias outras!
COMO LER ESTE LIVRO
Todas as 108 histórias deste livro podem ser lidas de maneira independente, portanto, fique à vontade para ler na ordem que quiser. Elas estão organizadas em cinco categorias: Metáforas da mente; Metáforas do eu; Metáforas da emoção, da mudança e da “loucura comum”; Metáforas da aceitação, da resistência e do espaço; Metáforas da prática. Assim como ocorre em qualquer sistema de categorização, há muitas semelhanças entre algumas delas – especialmente entre as que se referem ao eu e à mente. Entretanto, tais categorias constituem uma forma geral de organização que pode ser útil ao leitor.
Podemos considerar essas histórias e metáforas como sementes. Espero que, ao plantá-las no solo da sua experiência, elas possam criar raízes e dar frutos em sua vida.
METÁFORAS DA MENTE
Como descrever a mente? Como conhecê-la? Tente descrevê-la sem se referir a outra coisa. É difícil. A mente com certeza pode ir para lá e para cá; por exemplo, dizemos “hoje minha mente está acelerada” ou “minha mente está voando”. A mente é capaz de falar e contar histórias; por exemplo, “ai meu Deus, o que foi que eu fiz?” ou “ele sempre faz a mesma coisa, será que um dia vai aprender?”. A mente pode nos atormentar de inúmeras formas: convencendo-nos de que somos defeituosos de algum jeito ou alegando que uma pessoa é intolerável e precisa mudar. A tendência da mente a ser automática – na maneira como fala consigo sempre do mesmo modo, perseguindo pensamentos, sentimentos e percepções sem refletir – também é um tema recorrente.
Já a experiência da atenção plena e a meditação quase só podem ser descritas por meio de metáforas. No livro Philosophy in the Flesh, George Lakoff e Mark Johnson afirmam que:
É praticamente impossível pensar ou falar sobre a mente com seriedade sem conceitualizá-la em termos metafóricos. Sempre que conceitualizamos aspectos da mente dizendo coisas como “alcançar ideias”, “chegar a conclusões”, “ter clareza” ou “engolir reclamações”, estamos usando metáforas para tentar entender o que fazemos com ela.
A mensagem essencial aqui é que o que entendemos por mente não pode ser separado da noção de corpo. A dualidade mente-corpo levantada pelo filósofo Descartes há mais de 300 anos é um legado duradouro, mas problemático. De fato, tanto a mente quanto o eu são conceitos fundamentais para a atenção plena; é impossível descrevê-los e entendê-los sem as metáforas que têm origem em nossa experiência corporificada. Além disso, a meditação pode aproximá-lo da sua corporeidade porque, durante a prática, você percebe as sensações do corpo. A atenção plena pode ajudá-lo a se tornar íntimo da vasta sabedoria dos sentimentos e, portanto, aproximá-lo da realidade e ajudá-lo a superar a falsa dualidade entre mente e corpo.
As metáforas da mente e da atenção plena podem levá-lo mais perto do terreno da experiência – o corpo físico que também é mente. Dessa perspectiva, a prática é uma forma de comportamento racional que ajuda a revelar a base corporificada da vida mental.
Até a expressão mindfulness, em si, é metafórica. O que significa ter – ou não ter – a mente (mind) preenchida (full)? Na verdade, o termo mindfulness deriva de uma metáfora que vê a mente como um recipiente: coisas podem ser colocadas “na” mente; conselhos podem “entrar por um ouvido e sair pelo outro”; e pode “dar um branco” ao tentar lembrar o nome de uma pessoa.
Esta seção de Metáforas da mente explora diversas maneiras de entender o difícil conceito de mente ao compará-la com outras coisas.