PREFÁCIO
Considero o encontro com o autoconhecimento um caminho sem volta. Em minha própria existência – e na vida de tantos que acompanho como educador e irmão de jornada –, fica claro que, uma vez nesse caminho, não há como voltar aos condicionamentos e fronteiras do eu menor de outrora. Através do autoconhecimento, o Eu Maior invoca em nós uma marcha adiante, honrando o que ficou para trás, não excluindo nada do que veio antes. Mas o campo que se abre na dimensão do Ser é tão fértil que não há como o ego seguir imperando.
Sinto-me feliz em escrever este prefácio. É realmente muito especial contemplar a maneira como a vida vem encaminhando e abençoando o projeto Eu Maior desde o início, primeiro através do documentário e agora na forma deste livro.
Lembro-me bem de quando eu e meus irmãos, Fernando e Paulo, ambos cineastas de profissão, e o amigo André, engenheiro de formação, decidimos fazer um filme sobre autoconhecimento. Para nós, mais do que uma obra cinematográfica informativa ou artística, o projeto estava a serviço de algo maior e essencial. Queríamos verdadeiramente tocar o coração das pessoas. Mas como realizar algo dessa natureza sem cair na armadilha das nossas crenças, idealizações e projeções? Como honrar o Eu Maior em cada um – e em todos? Naquele momento não tínhamos uma resposta fácil nem um caminho traçado e estabelecido. Tínhamos, sim, uma profunda vontade e uma sincera disposição de servir.
Vários foram os obstáculos que enfrentamos ao longo de praticamente quatro anos de produção. Na minha percepção pessoal, os desafios não só foram bem-vindos como também necessários, pela própria proposta da obra. Precisávamos daquele karma exatamente como ele se apresentou. E, de fato, foi através do processo, às vezes fácil, às vezes difícil, às vezes tão claro, às vezes sombrio, que a vida nos tornou “maiores”. Tivemos que superar limites, exercitar aceitação, desapego, perdão, gratidão e estender as fronteiras dos nossos “eus menores”. Consequência? Eu Maior.
Também acho importante mencionar dois detalhes. Primeiro, o fato de o filme contar com trinta entrevistados, pessoas com diferentes expressões e pontos de vista, representando parte da diversidade do mundo em que vivemos. Apesar das nossas diferenças, há algo que compartilhamos pelo simples fato de sermos humanos. Sinto que o filme, ao juntar todas aquelas pessoas, mais as imagens, a música, nos deu a oportunidade de vivenciar algo muito especial, um estado de empatia e pertencimento. Simplesmente Eu Maior.
Finalmente, vale lembrar, com muita reverência, que a manifestação do filme foi possível graças ao apoio de empresas e mais de seiscentas pessoas que contribuíram com um valor substancial para podermos produzi-lo. Não foi fácil; diria até que foi desconfortável pedir ajuda, mas levamos adiante uma proposta de financiamento coletivo – iniciativa também utilizada na viabilização do livro. Precisávamos do apoio não só financeiro, mas energético e emocional das pessoas. A colaboração de tanta gente, de forma tão generosa
e solidária, foi uma prova concreta de como é possível, sim, realizar juntos. Comum, unidade. Comunidade. Eu Maior.
A realização deste livro era inevitável. Sentimos que era um dever compartilhar o conteúdo das entrevistas que não pôde ser visto no filme. Mais uma vez, honro o Fernando por assumir tamanho trabalho de organização e edição. Ele não só abraçou o desafio, mas ousou apresentá-lo de forma criativa. O resultado, surpreendente, vocês irão contemplar nas páginas a seguir.
Espero, humildemente, que o projeto esteja de fato servindo ao propósito do Eu Maior, nutrindo e inspirando a busca de cada um de nós por uma vida realmente plena, de responsabilidade, liberdade e amor. Que assim seja.
Marco Schultz
INTRODUÇÃO
Desde que o documentário Eu Maior foi lançado, em novembro de 2013, recebemos inúmeras mensagens de pessoas solicitando acesso ao conteúdo das entrevistas não aproveitado no filme. É como se essas pessoas soubessem que as trinta entrevistas gravadas tiveram, em média, oitenta minutos de duração, enquanto no filme nenhum entrevistado apareceu por mais do que cinco minutos. Como codiretor e editor do Eu Maior, eu sabia mais do que ninguém que muita coisa interessante tinha ficado de fora e entendia o porquê. Quando se monta um documentário, a escolha das falas e das imagens não se dá apenas em função da qualidade individual delas, mas tendo em vista a conexão que fazem com o restante da obra. O ideal é que o todo fique maior do que a soma das partes, e, no caso de uma obra de longa-metragem, espera-se que esse todo tenha duração aproximada de duas horas. Se ficar mais comprido, o filme pode encontrar dificuldades para ser exibido no cinema ou na televisão.
Passados alguns anos do lançamento, chegamos à conclusão de que a maneira mais interessante de disponibilizar esse conteúdo inédito seria num livro, cuidadosamente organizado e editado. Como eu já conhecia bem a matéria-prima, assumi a responsabilidade pela empreitada. Ao longo do processo, percebi que a edição de um livro de entrevistas tem muito em comum com a edição de um documentário. É inegável que o formato literário é mais flexível, permitindo sínteses e recortes que no audiovisual pareceriam demasiado abruptos. Todavia, em ambos os casos a edição se dá sobre um registro específico e é limitada (ou potencializada) por ele. No caso do livro Eu Maior, as entrevistas foram pensadas e concebidas para um filme, não para um livro. Muitos entrevistados foram escolhidos não por sua eloquência ou notório saber de autoconhecimento, mas porque poderiam ajudar a compor um rico e colorido mosaico de experiências humanas no tocante ao tema.
As entrevistas foram gravadas entre dezembro de 2009 e setembro de 2011. Na medida do possível, gravamos os entrevistados em suas residências ou locais de trabalho, que costumam ser lugares mais reveladores. Já no livro eles aparecem conversando entre si, numa roda, debatendo questões propostas por um mediador. Evidentemente, esse encontro nunca aconteceu, mas as falas são verdadeiras e foram organizadas de tal forma que a conversa em grupo literalmente ganhou vida. Foi um trabalho minucioso, realizado ao longo de doze meses e permeado de consultas e pedidos de esclarecimentos aos entrevistados. A propósito, eles não só apoiaram esse conceito para o livro, mas tiveram a oportunidade de ler os capítulos e, em alguns casos, propor ajustes em suas falas. No caso dos entrevistados falecidos, o trabalho de edição foi submetido à aprovação de seus sucessores. Estimo que 90% do conteúdo do livro é inédito, ou seja, não está no filme. Desse percentual, cerca de 10% veio das consultas pós-filme, realizadas na preparação do livro.
A presença de entrevistados com experiências e perfis distintos – alguns deles com mais perguntas do que respostas – humanizou o filme e o livro. Talvez o maior mérito do projeto Eu Maior seja justamente este: ter desmistificado o autoconhecimento, mostrando que o processo está ao alcance de todos, de inúmeras formas. Penso também que a simpatia que muitas pessoas nutrem pelo filme – e que espero que ganhem pelo livro – deriva mais da identificação que elas sentem com a “busca” dos entrevistados do que com os próprios. De qualquer forma, há no livro um pouco de tudo, para
todos os gostos. Quem está atrás de uma obra mais técnica sobre autoconhecimento será contemplado, porque o livro certamente aborda os assuntos com mais profundidade do que o filme. Quem, por outro lado, está buscando histórias de vida inspiradoras – e muitas vezes engraçadas – também será atendido por sua leitura.
Finalmente, alguns anúncios de ordem prática. Não foi possível atender às demandas de Leonardo Boff para que participasse do livro. Para que a egrégora original de trinta indivíduos não fosse prejudicada, Paulo Schultz, codiretor do filme, foi convidado a juntar-se a ela no livro. Cabe mencionar também que alguns capítulos, por tratarem de temas mais específicos, têm um número menor de participantes, pois, durante as filmagens, nem todos os temas foram abordados em todas as entrevistas. Quanto à leitura dos capítulos, ela não precisa se dar na ordem sugerida pelo sumário, embora isso seja recomendável, principalmente na primeira vez. E não é preciso ter visto o filme antes de ler o livro. As duas obras são independentes e complementares. Provavelmente quem gostou de uma vai gostar da outra, mas certo mesmo é que ambas foram feitas com o mesmo cuidado e, por que não, o mesmo amor.
Honrando a valiosa contribuição de todas as pessoas que participaram do projeto – e foram muitas –, desejo a todos uma ótima leitura e muito autoconhecimento.
Fernando Schultz