Introdução
Este é um livro sobre as principais práticas que integram o Programa de Redução do Estresse Baseado na Atenção Plena (MBSR, na sigla em inglês), que é o método mais adotado atualmente no mundo. Nestas páginas, você aprenderá formas simples de incluir em seu dia a dia a ciência, a arte e a prática da atenção plena de modo a diminuir o sofrimento e obter mais equilíbrio e tranquilidade. Aprenderá também algumas práticas que o ajudarão, entre outras coisas, a desenvolver a paciência, identificar dádivas na imperfeição, fazer as pazes com sua mente e seu corpo, confiar em sua experiência, cultivar a autocompaixão, amar a si mesmo, meditar, libertar-se dos pensamentos negativos e se sentir mais conectado.
Você exerce um papel ativo na sua saúde e no seu bem-estar, e permitir-se usar as técnicas deste livro é uma grande demonstração de autocuidado – alguns diriam até de amor-próprio. Por quê? Porque a maneira como prestamos atenção – e em quê – não apenas afeta nossa vida como transforma nosso cérebro. Descobertas científicas demonstram repetidamente que as práticas do MBSR mudam a mente, o corpo e a vida para melhor, pois:
• fazem o sistema imunológico funcionar melhor sob estresse (Davidson e outros, 2003);
• aumentam a resiliência, pois melhoram a capacidade do cérebro de processar emoções em momentos de estresse (Davidson e outros, 2003);
• aumentam a substância cinzenta na ínsula e no córtex cerebral (Hölzel e outros, 2011);
• reduzem as dores crônicas (Kabat-Zinn e outros, 1998; Rosenzweig e outros, 2010);
• melhoram a eudaimonia, isto é, o bem-estar psicológico (Fredrickson e outros, 2013);
• aumentam naturalmente a empatia, a compaixão e a autocompaixão (Shapiro, Schwartz e Bonner, 1998; Shapiro e outros, 2005);
• aliviam a ansiedade (Miller, Fletcher e Kabat-Zinn, 1995) e o transtorno obsessivo-compulsivo (Baxter e outros, 1992);
• previnem recaídas na depressão (Teasdale e outros, 2000; Segal e outros, 2010);
• previnem recaídas na dependência de drogas (Parks, Anderson e Marlatt, 2001);
• melhoram a qualidade de vida, mesmo para quem sofre de alguma doença crônica relacionada ao estresse (Carlson e outros, 2007).
Há um ditado no MBSR: não importa o que você está enfrentando, enquanto estiver vivendo e respirando, haverá mais coisas certas do que erradas em você. O problema é que, na maior parte do tempo, nossa mente nos conta uma história diferente. Essa narrativa interna insiste em apontar nossos erros, nos comparar com outras pessoas e nos fazer acreditar que somos piores nisso e naquilo. Essas narrativas costumam estar na base do que provoca nosso sofrimento no dia a dia. Um dos maiores benefícios da atenção plena (também conhecida como mindfulness) é aprendermos que nossas histórias não nos definem, nem mesmo aquelas que tentam nos dizer quem somos. Ficamos cada vez melhores em reconhecer que temos a chance de escolher em que prestamos atenção e como prestamos atenção. Temos a opção de ficar acordados e mergulhar por baixo dessas narrativas, quebrar a rotina, deixar estar e praticar a “gentileza plena” – quatro das práticas contidas neste livro. E assim, em vez de ficar presos a velhos padrões, podemos começar uma vida de mais liberdade e novas possibilidades.
Mas como fazer isso?
Pratique!
Mesmo com toda comprovação científica e todos os relatos de como a atenção plena vem mudando a vida das pessoas, a realidade é que ela é totalmente inútil a menos que você pratique.
Podemos acompanhar blogs, ouvir podcasts ou ler um livro atrás de outro, mas, enquanto não aplicarmos as práticas, tudo isso será em vão. Pouca coisa muda até que coloquemos as técnicas em uso.
É só quando praticamos que o grande aprendizado acontece. Constatamos que uma prática simples, como perceber os sentidos, pode acalmar a mente agitada e nos devolver o equilíbrio. Ao praticar, notamos um aumento da nossa autocompaixão, fator crucial na prevenção de recaídas na depressão. Quando trazemos a atenção plena para o dia a dia, simplesmente nos sentimos mais felizes.
Porém, apesar de tantas boas razões para a prática da atenção plena, nosso condicionamento e todos os estímulos externos tornam isso um desafio. Só com uma motivação forte você vai conseguir superar esse desafio. E ninguém vai fazer isso por você; você vai ter que fazê-lo por si mesmo.
Uma maneira de descobrir suas motivações é refletir sobre o que o levou a pegar este livro. Está sentindo alguma dor? Está doente? Quer aprender a lidar melhor com alguma situação? Está sob um alto nível de estresse? Tem sido difícil equilibrar a vida pessoal e a profissional?
O que você espera que mude quando se envolver conscientemente com as práticas propostas neste livro? Seu objetivo é pensar com mais clareza, aliviar o estresse ou a dor, ter equilíbrio ou mais paz na sua vida? Essas razões são motivações poderosas. Use-as como combustível e mantenha-se fiel a elas.
Desejo que você perceba que dedicar um tempo a incorporar essas práticas à sua vida é dar um presente incrível para si mesmo.
Toda vez que você abre espaço na sua vida para incluir esse esforço, está cuidando de si mesmo. Segundo a frase atribuída ao psicólogo Donald Hebb, “neurônios que disparam juntos permanecem conectados”. Toda vez que você segue essas orientações e realiza ações deliberadas no sentido de se preocupar consigo mesmo, está desenvolvendo dentro de si o sentimento de que você importa. Isso vale para todo mundo, mas é ainda mais importante para quem teve uma infância de insegurança, alimentada por uma criação que passava a mensagem oposta – de que não tinha valor. Como seriam os próximos dias, semanas e meses se você tivesse tido uma percepção forte da sua importância?
Avalie seu estresse
Muitos dos livros que ensinam a enfrentar o estresse não explicam como avaliar se os conselhos dados estão surtindo efeito. Mas nós queremos que você saiba até que ponto as práticas deste livro estão funcionando; portanto, antes de começar a praticar, faça uma análise informal dos fatores que lhe provocam estresse no momento. À medida que for incorporando nossas orientações na sua vida, você poderá rever essa análise para avaliar se obteve melhoras.
Num caderno ou no computador, crie uma tabela com quatro colunas. Na primeira coluna, escreva as cinco situações mais estressantes da sua vida no momento. Elas podem envolver trabalho, escola, cônjuge, trânsito, multidões, solidão, notícias, finanças, saúde, alimentação, sono, o que for. Quanto mais específico você for, mais fácil será acompanhar seu progresso. Por exemplo, em vez de “trânsito”, escreva “enfrentar o trânsito todo dia ao ir trabalhar”; ou, em vez de “meu relacionamento”, escreva “discutir sobre dinheiro com meu parceiro”.
As outras três colunas são para sua análise do nível de estresse que essas situações lhe causam: (a) agora, quando está tendo o primeiro contato com as práticas do livro, (b) na metade da leitura e (c) no final do livro. Assim, na segunda coluna, avalie cada situação em uma escala de 1 (menos estressante) a 10 (mais estressante). Reavalie todas elas quando chegar à metade do livro, e uma terceira vez ao terminar a leitura. Desse modo você terá uma noção clara de como este livro o está ajudando.
Por exemplo, John ficava muito estressado no domingo à noite, antes de começar uma nova semana de trabalho. Ele notou que seu estresse aumentava depois do jantar e que na hora de dormir revisava sem parar uma lista de tarefas mental. Quando começou a ler este livro, ele deu nota 8 à gravidade desse problema, o que indicava alto nível de estresse. Após começar a se conscientizar de outros aspectos da sua vida, a prestar atenção à respiração e a se harmonizar com seu interior, ele refez a avaliação. John se descobriu capaz de acalmar a mente agitada com mais frequência, então sua segunda nota foi 5. Ao se aproximar do fim do livro, sua mente ainda ficava agitada na hora de dormir, mas ele agora acreditava que encontraria tranquilidade e paz nessa situação, então deu nota 2 (se você perceber que está dando nota 8 ou mais a todas as situações da sua lista, talvez seja prudente procurar a ajuda de um profissional de saúde em paralelo às orientações deste livro).
Ao fazer essa análise, talvez você descubra que foram justamente esses fatores de estresse que o levaram a buscar este livro. O poeta sufi Rumi, do século XIII, escreveu: “Não desvie o olhar/ Do ferimento enfaixado/ É por ali que a luz entra em você.” As páginas que se seguem ajudarão você a usar essas situações para transformar as dificuldades da sua vida em seus maiores pontos de força.
Como usar este livro
Os textos e práticas deste livro são baseados em décadas de experiência pessoal e em numerosos estudos científicos. Como é informação demais, optamos por selecionar o melhor do Programa de Redução do Estresse Baseado na Atenção Plena. São elementos que sabemos que, além de aliviar o estresse e desenvolver a resiliência, despertam os praticantes para uma vida que vale a pena.
Existem várias maneiras de utilizar este livro. Você pode lê-lo sequencialmente, na ordem que estabelecemos para você, ou, dependendo do seu nível de experiência com a prática da atenção plena ou da situação pela qual estiver passando, pode se sentir atraído por um capítulo específico e começar direto por lá. Em termos gerais, recomendamos reservar de dois dias a uma semana para cada prática, de modo que este livro represente um ano inteiro de descobertas, restauração, paz e alegria.
Procuramos escrever em uma linguagem que fosse fácil de compreender e de aplicar no seu dia a dia. Seja qual for o modo que escolher para utilizar este livro, pratique! Talvez você note algumas mudanças imediatas ou talvez fique impaciente por mudanças mais rápidas e maiores. Fique tranquilo: elas acontecerão. O segredo é encarar tudo com um “mindset de aprendiz” – ou mente de principiante –, não com um “mindset de resultados” (Dweck, 2000, 2006). A mentalidade voltada para resultados programa a mente para a estagnação, pois, sempre que deixamos de corresponder a uma expectativa, sentimos que estamos confirmando que nossas habilidades são imutáveis. Com a mente de principiante, mesmo os inevitáveis contratempos e obstáculos despertam nossa curiosidade e nos fazem crescer. Ambas as posturas mentais levam a mudanças, mas apenas uma delas leva à excelência.
Recomendamos que você se conecte com amigos, familiares, colegas de trabalho e até mesmo com estranhos enquanto explora este livro. O melhor incentivo para a prática são as pessoas. Se não conhece ninguém disposto a fazer isso com você, procure grupos, comunidades de discussão on-line eventos coletivos. Se não encontrar nenhum grupo, considere a ideia de começar um, pois pode haver outras pessoas procurando companhia para começar a praticar a atenção plena. Ao buscar outras pessoas, você não apenas cuida de si mesmo como também provoca efeitos em cascata que ajudam quem está ao seu redor (e até o planeta).
Recomece sempre
Os textos e práticas deste livro podem parecer simples, mas nem sempre são fáceis. Mesmo com muita dedicação, você ainda vai se pegar desviando do caminho vez ou outra. Como tudo na vida, é importante adotar uma postura flexível: determinar-se a colocar em prática as sugestões e, ao mesmo tempo, perdoar-se quando surgirem obstáculos.
Mas como perseverar diante das inevitáveis dificuldades da vida?
Aos 72 anos, Miriam se exercitava todos os dias e estava em excelente forma para sua idade. Quando lhe perguntaram qual era o segredo para tanta disciplina, ela respondeu:
– A certa altura, eu entendi que precisava fazer isso da mesma forma que faço minha higiene pessoal. Todo dia, ao acordar, eu escovo os dentes e tomo banho. Encaro os exercícios da mesma forma. E se um dia não me exercito, eu me perdoo e simplesmente recomeço.
Pode ser uma boa ideia pensar neste livro como uma espécie de fio dental da mente, parte da higiene mental pessoal que praticamos todos os dias. Há um ditado budista que afirma: “Se estivermos na direção certa, basta continuar andando.” Podemos acrescentar: quando percebemos que estamos fora dos trilhos, não precisamos alimentar nosso crítico interior. Sempre é possível recomeçar com prudência e compaixão, colocando um pé na frente do outro.
Você já deu o primeiro passo, parabéns! Ao continuar seguindo na direção que pretende, saiba que não está fazendo isso apenas por si mesmo. A ciência mostra que nossos comportamentos e atitudes repercutem em vários graus nas pessoas que conhecemos (Christakis e Fowler, 2007). A intenção e o empenho que você dedicar às práticas deste livro serão um presente não só para você, mas para inúmeras pessoas à sua volta.
Bem-vindo à sua jornada por uma vida consciente.
PARTE 1
Um momento
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Adote a mente de principiante
A prática da atenção plena tornou famoso o ato de comer uma uva-passa. Para quem nunca ouviu falar disso, é uma prática em que você explora seu lado lúdico ao se imaginar como um alienígena que acaba de pousar na Terra. Em suas viagens pelo planeta, você se depara com um alimento: a uva-passa. Como nunca viu isso, você a pega com cuidado e analisa sua aparência. Observa a forma, a cor, o tamanho – até a transparência, caso encontre uma uva-passa branca. A partir daí, você passa para os outros sentidos: sente a textura da uva-passa, se é áspera ou macia, quente ou fria, seca ou úmida. Depois, você a aproxima da orelha, aperta-a de leve entre os dedos, atento ao som que ela faz. Em seguida, você a aproxima do nariz, cheira uma vez, outra e mais outra. Por fim, você decide que a uva-passa
é comestível e a coloca na boca, notando que seu braço sabe exatamente aonde ir. A maioria das pessoas a coloca na língua; então começa a salivar e sente uma textura diferente daquela que sentiu nos dedos. Ao mastigar e engolir, uma sinfonia de sabores se espalha lentamente por áreas específicas da língua, até que finalmente a uva-passa desce pela garganta.
É incrível o que acontece quando usamos a mente de principiante em uma experiência simples como essa. Muitas pessoas dizem coisas como “Nunca soube que uvas-passas emitiam som” ou “Nunca imaginei que eu teria tanta satisfação com uma única uva-passa”. Um idoso que participou de um exercício em grupo comentou: “A vida inteira eu enfiei punhados de passas na boca… Isso é incrível.” Após refletir por um segundo, ele acrescentou: “Só agora estou me dando conta de que nem gosto disso.” Todos caíram na gargalhada. Quantas coisas na vida fazemos por puro costume, sem nem gostar ou sequer saber se realmente nos fazem bem?
Segundo o monge zen japonês Suzuki Roshi, “há muitas possibilidades na mente do principiante, mas poucas na do perito”. Se a definição de atenção plena é “prestar atenção intencionalmente e sem julgamento”, então cultivar a mente de principiante é essencial para a atenção plena. Na mente de principiante, colocamos de lado nossos pré-julgamentos – se algo é bom ou ruim, certo ou errado, justo ou injusto – para acionar olhos inexperientes, curiosos. Comemos uma uva-passa como se fosse a primeira vez.
Quando aprendemos a trazer a mente de principiante para nossa vida cotidiana, as possibilidades são infinitas.
Pratique!
Abraham Joshua Heschel disse: “A vida é rotina, e rotina é resistência ao milagre.”
A mente de principiante é uma ideia prática para se libertar de velhos padrões e voltar a entrar em contato com a maravilha da vida. É ser curioso. Você pode praticar a mente de principiante ao comer, ao contemplar uma árvore ou o céu, ao tocar uma pessoa querida, ao ouvir o canto dos pássaros, ao sentir o cheiro do seu bolo preferido.
Experimente como é a mente de principiante em termos físicos, emocionais e mentais. Em outras palavras, qual é a sensação física de ingerir algo pela primeira vez? Que emoções surgem? Sua mente parece distraída?
Depois de fazer isso por um tempo – talvez um dia ou uma semana –, reflita sobre o que você observou. Alguma coisa o surpreendeu?