Introdução
Este livro é sobre simplicidade. Para mim, viver de forma mais simples tem a ver com leveza e com natureza, com respeitar nosso corpo e o planeta ao mesmo tempo. Envolve criar bons hábitos que caibam na nossa rotina e que, aos poucos, sem muito esforço, se multipliquem em novos hábitos e práticas, que por sua vez gerem bem-estar, menos impacto ambiental negativo e uma sensação de paz e propósito. A simplicidade faz girar um círculo virtuoso que beneficia nossa saúde física e mental, e também nosso meio ambiente.
Mesmo que a gente não acompanhe o noticiário e não conheça o índice de doenças crônicas, sabemos que nossa saúde não anda muito bem – comemos mal, vivemos estressados e apressados. Também não precisamos ler o que os cientistas publicam sobre aquecimento global para perceber que o planeta está sofrendo com nossos excessos – vemos o lixo na rua, os rios sujos, os céus tão carregados de poluição que nos impedem de enxergar as estrelas. Nesse cenário, a mudança nos parece muito grande e complicada.
Mas não precisa ser assim. Da mesma forma que não chegamos até esse ponto da noite para o dia, uma vida simples, em maior sintonia com a natureza, não é algo que exija grandes revoluções nem muita pressa.
No meu caso, tudo começou com um simples hábito adquirido quando eu tinha 14 anos: praticar yoga. A nova atividade me trouxe um nível de autoconhecimento que jamais havia experimentado e com isso veio a transformação. Eu percebia como a comida afetava minha prática e fui ficando mais atenta às minhas escolhas alimentares. Às vezes, o efeito ia além da prática em si: o que eu comia influenciava meu foco, meu humor, minha disposição e minha concentração. Sem que eu precisasse forçar nada, passei a escutar melhor o meu corpo e a sentir quando ele recusava certos alimentos e pedia coisas novas. Foi assim que decidi parar de comer carne, comecei a evitar os produtos ultraprocessados, diminuí drasticamente o consumo de açúcar e me apaixonei pela nutrição.
Essas mudanças afetaram meu corpo e minha mente; passei a me sentir mais leve, calma, focada, presente, forte e confiante. Comecei a enxergar a comida de outra maneira – não como mero combustível, mas como uma forma de tratamento, prevenção e cura. Até hoje me perguntam: “Você escolheu comer desse jeito por quê? Para viver até os 100 anos?” Eu respondo que não, que não como assim para viver mais, e sim para viver melhor. Uma dieta sem carne, com poucos produtos de origem animal e muita cor e variedade me faz bem, física e emocionalmente.
Parte desse prazer veio com a culinária, que também entrou na minha vida sem muito planejamento. A culpa é do feijão. Aos 18 anos me mudei para Nova York e tive que me virar na cozinha. Até então, não sabia cozinhar nada: nem arroz, nem massa e muito menos feijão. Mas depois de dois meses na cidade, a vontade de comer feijão era tão grande que não dava para ignorar. Liguei para minha mãe atrás de uma receita, mas ela também não sabia fazer e me aconselhou a recorrer à minha avó. Então telefonei para ela, peguei todas as instruções e preparei um panelão de feijão-preto. O resultado ficou bom – não tão bom quanto o da minha avó, é claro –, mas o melhor foi eu me sentir mais independente, adulta e responsável por conseguir fazer minha própria comida. Foi nesse momento que a culinária se tornou minha outra paixão.
As mudanças e os benefícios que a boa alimentação me proporcionou foram tão expressivos que senti a necessidade de compartilhá-los com as pessoas. A união da nutrição com a culinária era a contribuição que eu queria deixar para o mundo. Pensando nisso, resolvi aprofundar meus estudos para poder transmitir meus conhecimentos a todos que estivessem abertos e buscando caminhos para se alimentar melhor.
Fiz um curso de culinária natural, depois estudei nutrição ayurvédica, macrobiótica e finalmente ingressei na faculdade de Nutrição, tudo isso enquanto ainda morava nos Estados Unidos, casada com JP e com minha filha Flor tendo acabado de nascer. Depois comecei a dar consultas e aulas de culinária em casa.
Ajudar alguém a se conhecer e a curar males físicos e mentais através da comida era extremamente gratificante. Por isso, quando recebi o convite do GNT para apresentar o programa Bela Cozinha, aceitei na hora. Então, de uma hora para outra, o número de pessoas que recebiam minhas dicas e ensinamentos se multiplicou por milhões. O nível de responsabilidade aumentou na mesma proporção. Eu tinha 25 anos, uma filha e uma carreira promissora pela frente.
Por causa do programa e da nova visibilidade – e também da grande revolução que vivi por conta da maternidade –, percebi que curar o corpo já não era mais suficiente: eu queria curar o planeta. Queria viver melhor, num mundo melhor, com pessoas melhores. Entendi que a alimentação tinha esse potencial de transformar o mundo e fiz disso a minha missão. Meu objetivo é mostrar a todos que a comida vai além do que está no prato. Ela pode ser uma ferramenta de transformação política, econômica, social, cultural, ambiental e nutricional. Ou seja, comer se tornou, para mim, um ato político.
Logo essa abordagem se espalhou para outras esferas da minha vida. Mesmo preferindo a feira ao supermercado, o alimento orgânico ao convencional, os integrais aos refinados e a comida de verdade aos ultraprocessados, senti que poderia fazer mais. Substituí a fralda e o absorvente descartáveis por suas versões laváveis (de pano), as sacolas plásticas pelas reutilizáveis, a pasta de dente convencional pela caseira, e por aí vai. Passei a questionar a necessidade e a qualidade de vários produtos que usava no dia a dia e fiz outras trocas que, com o tempo, se tornaram normais para mim.
Preciso reforçar que as mudanças foram graduais, e gosto de acreditar que é um processo que continua até hoje. Começou com a comida e com a saúde, mas fui me inspirando a ser mais ecológica e menos consumista em outras áreas. Provavelmente ainda faço coisas que têm um impacto negativo na minha saúde ou no meio ambiente sem nem saber.
Mas tudo bem. Não se trata de aumentar o medo, a cobrança nem exigir a perfeição. O objetivo é melhorar, continuamente, em direção a essa utopia de um mundo mais limpo e verde, com pessoas mais livres e leves. Ou seja, uma vida verdadeiramente simples, sem tanto estresse.
Por isso, o propósito deste livro é oferecer ferramentas e inspiração para você se conectar com práticas e hábitos que tornarão sua rotina mais simples e ecológica. São coisas singelas que você pode adotar sem complicação e experimentar sem compromisso. Receitas de pratos fáceis, com dicas para você personalizá-los e variar o cardápio. Ideias para aproveitar ervas e aromas, explorando formas novas (e antigas) de cuidar do corpo. Tem a ver com a ancestralidade também: resgatar não só a receita do feijão, mas do xarope para tosse e do chá para aliviar a cólica. Tudo isso restitui o respeito à natureza, a criatividade e a autonomia de cuidar de si e do meio ambiente sem tanta dependência de corporações que lucram com a destruição do planeta.
Cada seção contém 10 receitas, quase todas muito fáceis, que você pode preparar para se nutrir, se cuidar, se curar ou limpar sua casa. Espero que elas despertem em você o gosto por uma vida mais simples, leve e natural.
NUTRIR
Como eu disse, este livro fala sobre simplicidade, e comer bem, pelo menos em teoria, não é complicado. O bom senso diz para priorizarmos alimentos de origem vegetal, orgânicos, de produção local, consumidos da forma menos processada possível. Para além do aspecto nutricional, o ideal é ter prazer nas refeições, comendo de forma consciente e em comunidade. Foi assim que nós nos alimentamos durante milênios. Essa relação ancestral com a comida era sinônimo de saúde e sustentabilidade. Mas quase ninguém mais consegue se alimentar assim. Por que ficou tão difícil comer bem hoje em dia?
Com a urbanização e a industrialização, mudamos nossa relação com a comida. Perdemos o contato com as hortas, com os bichos, com as plantas e as árvores que nos alimentam. Muita gente domina assuntos de alta complexidade mas não sabe reconhecer um pé de feijão, não sabe dizer quando é época de tangerina, não sabe escolher frutas, legumes e raízes. O corre-corre da vida moderna trouxe uma demanda por rapidez e padronização que não combina com o ritmo da natureza. A indústria entrou nessa jogada e começou a fabricar produtos alimentícios cada vez mais baratos, convenientes e atraentes para nosso paladar: doces, gordurosos, crocantes, salgados.
A escolha pela praticidade veio com um preço muito alto, para o meio ambiente e para o ser humano. Não estou falando somente dos inúmeros males que vieram com a industrialização e a modernidade: a epidemia de doenças crônicas como diabetes, câncer e obesidade, o desmatamento, a poluição, o excesso de agrotóxicos que nos adoecem e exterminam outras espécies, e a concentração de riqueza, entre outros. Há também a perda do prazer pelos sabores verdadeiros, naturais, e por alimentos sazonais e não convencionais (como as pancs – plantas alimentícias não convencionais), e do hábito de cozinhar, de conservar alimentos pela fermentação e de viver de acordo com os ritmos da natureza.
Aliás, o processo de industrialização, que afetou nossa sociedade em várias esferas, nos afastou muito da natureza. Muitas pessoas não se sentem conectadas à terra e muito menos parte dela. A alimentação – indo além da questão nutricional e de saúde – pode ser uma excelente ferramenta para nos aproximarmos mais do que é natural e nos encaixarmos dentro desse lindo e complexo ecossistema. Comer de maneira sazonal é a melhor forma de entendermos o ritmo da vida e da natureza. Acabamos dando mais valor a determinados produtos – como frutas, por exemplo – que só encontramos em certas estações e, com isso, respeitamos melhor o tempo de tudo. Saber que não se pode ter tudo a todo momento é um grande aprendizado para a vida!
A conta de nossas escolhas está chegando – e ela é alta. Por isso, eu e tantos outros ativistas alertamos para a urgência de voltarmos para uma alimentação mais simples, mais natural. Sei que muitos não podem fazer esse investimento. Infelizmente, as indústrias alimentícias movimentam bilhões por ano e são muito poderosas política e economicamente, forçando bilhões de pessoas a dependerem delas para se alimentar, mas isso é assunto para outro livro. Neste, vou focar em dicas e receitas para simplificar a rotina e tornar a alimentação saudável/vegetariana mais fácil e acessível para quem pode optar por esse caminho.
O primeiro passo é trocar o supermercado pela feira. Com isso é possível diminuir muito o consumo de produtos ultraprocessados e fazer dos vegetais a base das refeições. Tudo que vem direto da natureza, sem muito processamento, é melhor para nossa saúde e deve constituir a maior parte da nossa alimentação. É disso que falamos quando usamos o famoso termo “comida de verdade”. Você pode ir a uma feira de rua (de preferência que tenha produtos orgânicos), a um mercado com uma boa seleção de hortifrútis, assinar uma cesta de orgânicos com entrega semanal ou se juntar a uma CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura).
Nos últimos 10 anos morei em muitas cidades e, em cada uma delas, assim que eu chegava procurava uma CSA para chamar de minha. De acordo com o site CSA Brasil, CSA é um modelo de colaboração entre produtores de alimentos orgânicos e consumidores em que um grupo fixo de pessoas se compromete a cobrir o orçamento da produção agrícola, em geral por um ano (podendo ser mais ou menos). Em contrapartida, os consumidores recebem os alimentos produzidos pelo sítio ou pela fazenda sem custos adicionais. Dessa forma, o pequeno agricultor não sofre a pressão do mercado e pode se dedicar à sua produção de forma livre. E os apoiadores têm acesso a itens de qualidade, sabendo como, onde e por quem são produzidos, criando-se assim uma relação estreita entre o agricultor e o cliente final.
Caso não tenha uma CSA na cidade, procuro agricultores orgânicos que façam entregas em casa e frequento as feiras orgânicas. No final do livro, na seção Recursos, há uma lista de CSAs e de produtores orgânicos para compras diretas em várias regiões do país. O bom de comprar diretamente do produtor, tanto com entrega em domicílio quanto indo à feira, é saber que estamos comendo o que a estação nos oferece.
Obviamente, não são todos os insumos que consigo encontrar nas feiras. Por isso, também recorro a armazéns, lojas de produtos naturais e supermercados para comprar o restante, como azeite, sal, açúcar, cereais, sementes e oleaginosas, farinhas e chocolates (não vivo sem). Na minha cozinha sempre há uma grande variedade de grãos, como arroz, cevada, aveia, painço e quinoa, e leguminosas, como feijões, lentilhas e grão-de-bico. Também uso muito castanhas e sementes, que gosto de comer puras ou incluir como ingredientes em receitas: castanha-de-caju, castanha-do-pará, amêndoas, linhaça, semente de girassol, tahine (pasta de gergelim), etc. Os temperos e ervas que tiro do meu pequeno jardim também não podem faltar lá em casa, pois dão graça e personalidade à comida. No final desta seção, há uma lista de compras para servir de inspiração e ponto de partida, lembrando que o ideal é sempre escolher os itens da época e dar preferência ao que é produzido localmente.
A segunda dica que eu dou tem a ver com planejamento – isto é, com estabelecer uma rotina. Como boa capricorniana, sempre me dei bem com rotinas, desde criança. A ordem era a base e o conforto da minha vida – estudos, trabalho, lazer, tudo tinha dia e hora certos. Já adulta, a vida resolveu me desafiar e tive que aprender a me virar sem uma programação muito certinha. Tenho um trabalho que exige e permite uma grande flexibilidade de horário. Viajo bastante pelo Brasil e pelo mundo gravando programas de TV e YouTube, dando palestras e estudando. É complicado manter um ritmo ordenado e constante, mas eu tento, porque é importante para mim. Quando estou em casa preciso estudar, escrever e trabalhar, o que requer bastante disciplina. Para me ajudar a programar meus horários, uso as refeições como base. O café da manhã, o almoço e o jantar são horários/refeições que fixam uma rotina dentro de casa para mim, meu marido e as crianças.
Em termos de planejamento, compro verduras, legumes e frutas entre uma e três vezes na semana ou então recebo em casa uma vez por semana. Gosto dessa alta frequência para adquirir produtos frescos, pois assim evito desperdício e tenho mais flexibilidade de reproduzir a receita que estou com vontade dependendo do dia. Em média uma vez por mês abasteço a despensa com os itens secos, mas às vezes faço uma compra adicional de um ou outro ingrediente específico para preparar um prato mais elaborado.
Como eu e o JP raramente almoçamos em casa, essa refeição costuma ficar por conta da pessoa que trabalha lá em casa, com quem divido os afazeres domésticos. O jantar é uma ocasião especial: a família toda se reúne na cozinha enquanto preparo a comida. São momentos preciosos que amo compartilhar com as crianças. A Flor cozinhava muito comigo quando era menorzinha. Hoje, aos 11 anos, ela faz suas próprias invenções culinárias e se vira muito bem na cozinha, a qualquer hora do dia. O Nino, que ainda tem 4, está quase sempre comigo lavando algum alimento, buscando os ingredientes, cortando legumes e participando de alguma forma no preparo do jantar. Quem diz que “lugar de criança não é na cozinha” não sabe como esse contato com o preparo das refeições é fundamental na criação de hábitos saudáveis.
Algumas famílias têm cardápios mais ou menos fixos. Esse não é bem o nosso estilo, mas toda segunda-feira costumo fazer sopa de legumes, arroz integral, feijão, um molhinho de tahine, amendoim ou alguma castanha e farofa. Comemos e guardamos o restante na geladeira para as crianças almoçarem nos dias seguintes. Duas ou três noites por semana preparo pratos mais elaborados em termos de sabor, porém superpráticos e rápidos, como moqueca de banana-da-terra, ensopado de vegetais, “risoto” de painço, salada com cogumelos salteados, omelete, tofu mexido, massa. Enfim, faço o que dá na telha quando abro a geladeira. Ao longo da semana, preparo algo doce como biscoitos, bolos, granolas ou uma mousse para alegrar a rotina. Sábado costuma ser o único dia em que tomamos café da manhã em família. A Flor faz suas panquecas maravilhosas, que comemos com frutas, creme de castanhas, mel ou melado, e à noite jantamos fora. No domingo gosto de receber os amigos com uma macarronada, uma feijoada vegana, uma moqueca ou uma pizza caseira.
Acho importante ter uma mistura de coisas mais rotineiras, com “pratos fixos” – por exemplo, uma sopa ou um pê-efe (como vocês vão ver aqui) –, e de novidade, isto é, pratos “livres”, definidos de acordo com a vontade e o momento. O ato de definir e planejar o que comer, de comprar (ou colher) os ingredientes e cozinhar pode e deve virar um hábito, mas sempre permeado pela leveza, pelo prazer e pela criatividade. Afinal, o que pode ser mais criativo do que juntar vários ingredientes soltos e transformá-los em algo bonito, cheiroso, saboroso e saudável? Conectar-se com esse aspecto divertido e lúdico da culinária é uma dica que eu dou para tornar o dia a dia mais prazeroso e, como consequência, mais simples.
Para esta seção separei 10 receitas que faço sempre em casa e que me ajudam a manter uma alimentação gostosa e saudável para a família toda. As preparações são todas muito fáceis – com exceção da moqueca, que é um pouquinho mais elaborada, mas não chega a ser um prato difícil. A maioria delas é bem versátil, podendo ser adaptada com outros ingredientes, de acordo com a estação, seu paladar e sua criatividade. Espero que você se divirta com elas.