De Chiquinha Gonzaga a Marcelo D2. Ou, para abraçar gêneros, da vanguardista marchinha carnavalesca ao rap. Esses são o princípio e o fim de “101 canções que tocaram o Brasil”, de Nelson Motta. No robusto meio, há bossa, samba, rock, tropicália e, claro, MPB. Ao escritor, produtor e letrista coube garimpar e selecionar as músicas, […]
De Chiquinha Gonzaga a Marcelo D2. Ou, para abraçar gêneros, da vanguardista marchinha carnavalesca ao rap. Esses são o princípio e o fim de “101 canções que tocaram o Brasil”, de Nelson Motta. No robusto meio, há bossa, samba, rock, tropicália e, claro, MPB. Ao escritor, produtor e letrista coube garimpar e selecionar as músicas, um exercício saboroso e certamente ingrato. Não é difícil prever que algumas serão aplaudidas e endossadas pelos leitores enquanto outras… Bem, mas não reside aí a graça das listas, injustas e subjetivas por natureza? Nelson não se esquivou de se embolar nesse miolo sonoro ao incluir “Dancin’ days” (de 1978, em parceria com Ruban Barra) e “Como uma onda” (de 1982, com Lulu Santos). Por que haveria?
Distribuída em ordem cronológica, a lista começa com “Ó abre alas” (1899), da revolucionária Chiquinha Gonzaga, uma das raras composições feitas por uma mulher a entrar nas seletas 101. Nelson direciona justos e notórios adjetivos a ela: “Abolicionista, republicana, feminista e pioneira pelos direitos autorais”, destaca ele, sublinhando a importância da artista, também consagrada como pianista e maestrina: “Ao lado de outro mestre, Joaquim Callado, foi uma das inventoras do choro”. Como não poderia deixar de ser, cada recorte é sustentado pela já celebrada bagagem cultural do jornalista. Numa época caracterizada pela fluidez da internet, em que os fatos – e, inclusive, hits musicais – surgem com a mesma rapidez com que desaparecem, o livro apreende registros cristalizados pelo tempo.
Após percorrer a história da canção brasileira século adentro com nomes obrigatórios – Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Cartola, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Roberto e Erasmo Carlos, entre outros -, a primeira década dos anos 2000 é saudada em três momentos distintos: com a contagiante “Deixa a vida me levar” (2002) que, cantada por Zeca Pagodinho, embalou a conquista da quinta Copa do Mundo pela seleção masculina de futebol; com a chiclete “Velha infância” (2003), eleita para representar o fenômeno Tribalistas, do trio Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte; e com a multifacetada “À procura da batida perfeita” (também de 2003), defendida por Marcelo D2. Sobre a influência do vocalista do Planet Hemp na difusão do rap, Nelson atesta: “Foi com a malandragem e o balanço cariocas de D2 que o gênero ganhou sonoridade e sotaque diferenciado e se espalhou pelo Brasil”.
Ao menos nas páginas do livro, assim é encerrada essa jornada musical. A oficial, quer dizer. A leitura completa, todavia, esboça atalhos e possíveis desdobramentos para apreciar o vasto repertório que circula entre as muitas pontas de um país superlativo como o Brasil, com muitas possibilidades de princípios, fins e meios. No posfácio, o próprio Nelson entrega outras canções que poderiam compor o título e, de certa forma, explica por que elas afinal não estão lá: “Listas de músicas que marcam a vida de cada uma são como impressões digitais: não há duas iguais”. Já pensou como seria a sua?