Filipe Isensee | Sextante
“O Yoga que conduz à plenitude”: o sentimento de carência e de limitação do ser humano é devido à ignorância de si mesmo
ESPIRITUALIDADE

“O Yoga que conduz à plenitude”: o sentimento de carência e de limitação do ser humano é devido à ignorância de si mesmo

“A mente necessita de um preparo, e este é alcançado através de um estilo de vida chamado Yoga”. Livro de Gloria Arieira apresenta conhecimentos milenares, base da cultura hinduísta, e ressalta como a prática é essencial para a conquista do autoconhecimento

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“A mente necessita de um preparo, e este é alcançado através de um estilo de vida chamado Yoga”. Livro de Gloria Arieira apresenta conhecimentos milenares, base da cultura hinduísta, e ressalta como a prática é essencial para a conquista do autoconhecimento

Base de diversas áreas do saber da Índia, a Vedãnta foi cristalizada num fio de história milenar a partir de diálogos entre sábios antigos e seus discípulos. Transmitido de forma oral, esse conhecimento foi chamado de Vedas, essência das escrituras sagradas do hinduísmo. As ideias, repassadas há muitas gerações, iluminam o tempo presente e realçam a importância do autoconhecimento para a verdadeira libertação. Nesse sentido, o título do livro escrito pela professora Gloria Arieira sintetiza um dos valores oriundos dessa filosofia: “O Yoga que conduz à plenitude”.

Para quem não está familiarizado com a tradição, o exemplar oferece uma boa oportunidade de iniciação e aprofundamento, já que traz os pilares dessa sabedoria, com a preocupação de contextualizá-los, e traduz termos e expressões, a maioria grafada originalmente em sânscrito. É uma viagem bem conduzida.

Os Vedas, a autora explica, são compostos por reflexões com dois eixos principais: a ação e as leis que a governam (karma) e a natureza do indivíduo (jñãna). Outros saberes advêm desses temas e formam um corpo teórico ainda mais amplo. A tradição védica também destaca o yoga como o estilo de vida que auxilia a pessoa a alcançar esse conhecimento. É esse o ponto de encontro entre a filosofia e a prática.

Yoga Sutras: clareza do conhecimento

Como um desdobramento da tradição védica, o livro de Arieira apresenta o compêndio criado por Sri Patañjali – mestre que teria vivido entre 500 e 200 a.C. – e escrito a partir de aforismos. A compilação forma o Yoga Sutras de Patañjali, texto aqui apresentado à luz de Vedãnta. “O sentimento constante de carência e de limitação do ser humano é devido à ignorância de si mesmo e à conclusão errada de sua real identidade. Por isso, a solução para este problema fundamental que sempre o acompanha é o autoconhecimento. Porém, sua mente necessita de um preparo, e este é alcançado através de um estilo de vida chamado Yoga”, sintetiza ela essa conexão.

A professora chama a atenção justamente para o objetivo de se conquistar a mente calma e o corpo saudável, marcas tão associadas à prática: “Mesmo enquanto ensina sobre a mente, suas características e como lidar com ela, o foco maior do Yoga é o autoconhecimento, o mesmo de Vedãnta”. Para Arieira, é a consciência do Eu livre, ainda que não reconhecido por nós, o fim que orienta a filosofia. A descoberta da plenitude é um passo mais profundo, portanto, que visa o bem-estar sem a dependência do outro, acolhendo as imperfeições que fazem parte da formação de todo ser humano.

A seguir, algumas ideias milenares de Patañjali sobre o yoga, com tradução e costura de Arieira:

1 – A partir dos escritos do mestre, Arieira afirma que Yoga é o que prepara a mente para aquisição do autoconhecimento. O objetivo da prática é “a percepção da identidade entre o indivíduo e o Todo, momento no qual a dualidade desaparece numa experiência do Um, da verdade livre de limitação”.

2 – Na filosofia dos Vedas, a vida humana possui quatro objetivos: a busca pela segurança; a busca pelo prazer; a busca por uma vida melhor; e a libertação do sentimento de insuficiência. Este último, chamado de moksa, é o mais significativo. Segundo os textos da tradição védica, para a libertação ser alcançada é preciso ter uma mente sensível e com foco para apreciar a verdadeira natureza do Eu.

3 – Mas por que controlar a mente é tão importante assim? Arieira explica que isso nada tem a ver com transformar qualquer pessoa em alguém calmo, mas, sim, compreender que o “Eu já é calmo e completo, apesar da sensação de limitação e carência”.

4- Para Patañjali, o controle é alcançado com repetição e desapego. Repetir é sempre trazer à mente o objeto do seu foco.  Já desapegar, de acordo com o mestre, é ter domínio sobre o desejo por objetos, mesmo que eles não sejam vistos.

5 – Isso nos leva a falar sobre o desejo. Ainda que ele seja essencial para a ação e também evite sofrimento, o desejo também pode ser aprisionador, caso a pessoa não consiga abandoná-lo. Portanto, o total desapego “é ser mentalmente independente dos objetos de desejo devido ao entendimento de que nenhum objeto ou pessoa pode fazer o outro feliz”.

6 – A reação emocional às situações da vida e a agitação da mente são dois obstáculos clássicos ao autoconhecimento. O primeiro é eliminado por uma vida dedicada à karmayoga (estilo de vida do Yoga, marcado por ações altruístas e de integração) e o segundo, pela meditação.

7 – Patañjali lista alguns fatores que provocam a agitação da mente, entre os quais estão doença, apatia, dúvida, falta de atenção, preguiça, falta de renúncia, falta de capacidade de manter o que alcançou e falta de continuidade.

8 – No texto, o mestre destaca que a simpatia é um dos fatores que provoca tranquilidade na mente do yogin (o praticante de yoga). Diante de situações de alegria, sofrimento, mérito e demérito, é necessário ter satisfação e paciência. “Frente a algo alegre ou agradável que outra pessoa está vivendo e lhe traz satisfação, a mente do yogin deve ter solidariedade em vez de inveja. Frente a algo triste, uma situação de sofrimento pela qual alguém passa, a mente do yogin deve ter compaixão, em vez de tentar tirar vantagem da situação ou da pessoa que está triste”, endossa Arieira no livro.

9 – Há três estados que caracterizam a mente: acordado (jñãna), sonho (svapna) e sono profundo (nidrã). Embora exista uma alternância entre eles, Patañjali aponta que há uma base constante, chamada ãlambana, um suporte imutável para as mudanças: “Esse suporte é a consciência livre do tempo e do espaço, da qual os três estados dependem. Quando o foco da mente é o mutável, ela permanece agitada; quando o foco maior é o imutável e sempre presente, a luz da consciência, a mente alcança a tranquilidade”.

10 – O livro apresenta algumas definições de tranquilidade. Esse estado em que a mente domina a capacidade de estar livre de oscilações é um dos objetivos fundamentais do yoga. Segundo Patañjali, “a tranquilidade é a natureza do Eu”. É ela que permite clareza em relação ao autoconhecimento. Como Arieira ressalta, a tranquilidade é uma satisfação em si mesma. Os apontamentos acima são apenas o princípio do caminho trilhado pela autora em “O Yoga que conduz à plenitude”, livro fundamental para se refletir sobre a prática e o objetivo dela.

Este post foi escrito por:

Filipe Isensee

Filipe é jornalista, especialista em jornalismo cultural e mestrando do curso de Cinema e Audiovisual da UFF. Nasceu em Salvador, foi criado em Belo Horizonte e há oito anos mora no Rio de Janeiro, onde passou pelas redações dos jornais Extra e O Globo. Gosta de escrever: roteiros, dramaturgias, outras prosas e alguns poucos versos estão em seu radar.

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