Filipe Isensee | Sextante
“O lado bom do lado ruim”: como usar as emoções negativas a nosso favor
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“O lado bom do lado ruim”: como usar as emoções negativas a nosso favor

No livro, Daniel Martins de Barros ensina como lidar com sentimentos ruins e frisa que encará-los de frente nos ajuda a ficar menos vulneráveis à negatividade: “Pessoas com mais dificuldade para distinguir as emoções sofrem mais”

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No livro, Daniel Martins de Barros ensina como lidar com sentimentos ruins e frisa que encará-los de frente nos ajuda a ficar menos vulneráveis à negatividade: “Pessoas com mais dificuldade para distinguir as emoções sofrem mais”

O cerne de O lado bom do lado ruim é destacar que ninguém consegue se colocar acima das emoções. E o que isso significa? Resumindo bem o que livro explora em suas 160 páginas, quer dizer que sentimentos como tristeza e medo têm uma função importante e não devem ser ignorados ou encarados com desconfiança, pois podem ser usadas a nosso favor. A ótima animação “Divertida Mente”, ganhadora do Oscar em 2016, também percorre o tema e, de forma lúdica, ressalta que o amadurecimento passa justamente por essa compreensão: a raiva, a melancolia e até o nojinho contribuem para uma vida mais equilibrada. O recado pintado com tintas infantis no filme vale para todos. Não se vive no êxtase da alegria 24 horas por dia.

Instigante, o tema é esmiuçado pelo médico e professor Daniel Martins de Barros, também autor de Pílulas de bem-estar. “Não sendo possível (nem saudável) acabar de vez com as emoções negativas, é preciso aprender a identificá-las, encará-las e chamá-las pelo nome”, ele afirma, lembrando se tratar de uma ação complicada para muitos de nós. Por isso a complexidade em dizer exatamente o que estamos sentindo. “As pessoas com mais dificuldade para distinguir as emoções negativas não apenas sofrem mais – elas também têm maior risco de desenvolver depressão, pois, se não compreendem a mensagem enviada pelas emoções, não conseguem saber exatamente como resolver a situação”, alerta.

O médico concorda que emoções negativas são ruins, mas rechaça a ideia de calá-las a força. Quanto mais cedo pudermos nos livrar delas, com consciência, melhor. Um estudo científico feito na Alemanha mostrou que as pessoas que aceitam melhor a tristeza, a raiva e a ansiedade apresentam menos impacto negativo tanto na saúde física como no bem-estar emocional. “Provavelmente elas eram mais aptas a se livrar da bola de neve que costuma se formar quando sentimos algo ruim”, escreve Barros, endossando a necessidade de quebrar os círculos viciosos.

A análise dos nossos sentimentos e reações é um campo de estudo cada vez mais importante para o marketing e para profissionais que vivem sob pressão, mas também tem um impacto em nossa vida comum. Um mundo guiado por uma racionalidade excessiva está fadado a minar a qualidade das interações sociais. O lado bom do lado ruimnos lembra que ter medo e raiva é bom. O equilíbrio, mais uma vez, é a chave para o bem-estar. Barros insiste que devemos confiar na emoção.

Alegria, tristeza, medo, raiva e nojo

A tentativa de identificar emoções e entender o efeito delas em nossas vidas são buscas que mobilizaram e ainda mobilizam filósofos e cientistas. Para René Descartes, havia seis emoções básicas – amor, ódio, alegria, tristeza, desejo e admiração –, e a partir delas era possível explicar todas as outras. Já Baruch Spinoza defendia a existência de três: alegria, tristeza e desejo. O fio dessa procura é muito mais extenso, mas ilustra como o assunto tem pernas compridas.

Barros mapeou quais eram as emoções mais citadas para estruturar o livro e chegou a cinco delas: alegria, tristeza, medo, raiva e nojinho, justamente as retratadas em “Divertida Mente” – se não viu o filme, veja! São os pilares emocionais de todos nós. O autor chama a atenção para o fato de quatro delas pertencerem ao lado negativo. Não é curioso? “Embora haja sentimentos dos mais variados tipos, os mais básicos tendem a não ser nada agradáveis”, complementa. O autor reforça que em vez de tentar calar a voz delas, ignorá-las ou fingir que não existem, olhar essas emoções de frente nos ajuda a ficar menos vulneráveis à negatividade e a nos livrar mais rapidamente do sentimento ruim.

Para ele, conhecer o lado bom do lado ruim nos ajuda a ter consciência de que essas emoções existem por algum motivo e a ver as emoções como mensageiras, não como intrusas. Ao escrever sobre a tristeza, por exemplo, Barros lembra que ela é útil para compreender que o mundo não é exatamente do jeito que queremos e nunca será. “Isso significa que sempre teremos que lidar com essa sensação de descompasso entre nossos desejos e a realidade. Mas existem vários aspectos da vida que podemos modificar, seja em nosso entorno, em nossas relações ou em nós mesmos., explica. A tristeza, portanto, pode ser peça importante dessa transformação.

Outra vantagem da tristeza reside no fato de ela contribuir para que o nível de energia caia, reduzindo o risco de uma reação agressiva acabar escapando da pessoa que já estava pronta para ceder: “A perspectiva de futuro se torna menos otimista, influenciando o planejamento, e o desejo de interagir diminui – tudo visando à proteção diante de uma ameaça. Ao mesmo tempo, aumenta a atenção aos sinais alheios”.

Sobre a temida raiva, o médico explica que ela é, assim como o medo, uma forma de proteção “Não contra ameaças das quais temos que fugir, mas contra aquelas que precisamos enfrentar”, sustenta. Quando a ameaça nos deixa com raiva, vamos à luta, como nas disputas entre indivíduos da mesma espécie”. Assim, outra função da raiva é ser protetora do status, guardiã da hierarquia social. Basta pensar nas provocações feitas por crianças que servem para testar a raiva dos adultos – parte de uma disputa simbólica por poder. De toda forma, a raiva nos protege da injustiça, pois “nos incita a brigar quando nos sentimos ameaçados de perder algo nosso ou de nosso grupo – ou algo a que teríamos direito”.

Também por isso não se deve silenciar emoções negativas, pontua Barros. “A vida seria mais agradável temporariamente, mas ficaria muito mais difícil saber quando agir para corrigir algo que não estivesse indo bem”.

Este post foi escrito por:

Filipe Isensee

Filipe é jornalista, especialista em jornalismo cultural e mestrando do curso de Cinema e Audiovisual da UFF. Nasceu em Salvador, foi criado em Belo Horizonte e há oito anos mora no Rio de Janeiro, onde passou pelas redações dos jornais Extra e O Globo. Gosta de escrever: roteiros, dramaturgias, outras prosas e alguns poucos versos estão em seu radar.

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