A arte da guerra nos negócios | Sextante
Livro

A arte da guerra nos negócios

David Brown

Histórias e lições dos maiores confrontos do mundo corporativo

Histórias e lições dos maiores confrontos do mundo corporativo

 

Usando as estratégias de Sun Tzu como guia, David Brown explica por que algumas empresas triunfam enquanto outras fracassam.

“Um trabalho magistral que ilumina a verdadeira essência dos negócios: ego, paixão, ambição e combate total.” – Bloomberg

“As guerras empresariais, no fim das contas, não são casos frios e sem vida. São histórias sobre pessoas com ideias que às vezes têm potencial para mudar o mundo.” – David Brown

 

 

O mundo dos negócios é uma arena onde se travam batalhas extraordinárias, como a da Blockbuster contra a Netflix e da BlackBerry contra a Apple.

Os adversários desenham estratégias e afiam suas armas em busca da vitória. A meta é superar a concorrência e se tornar imbatível.

Neste livro, David Brown, apresentador do podcast Guerras comerciais, narra a história dos grandes confrontos do mundo corporativo. E analisa essas rivalidades à luz das táticas e dos conselhos de A arte da guerra.

Cada conflito revela uma combinação única de perspicácia, estratégia e uso de recursos. Brown relata a ascensão de empresas à medida que vencem as concorrentes, investem em inovação e se adaptam às novas demandas da sociedade.

Mais do que histórias fascinantes ancoradas em uma cuidadosa pesquisa, o livro traz inestimáveis lições de determinação, paciência, garra e engenhosidade.

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Ficha técnica
Lançamento 15/03/2022
Título original The Art of Business Wars
Tradução Paulo Afonso
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 320
Peso 400 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-303-9
EAN 9786555643039
Preço R$ 59,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-65-5564-304-6
Preço R$ 39,99
Ficha técnica audiolivro
ISBN 9786555644432
Duração 14h 52min
Locutor Fabricio Silva
Lançamento 15/03/2022
Título original The Art of Business Wars
Tradução Paulo Afonso
Formato 16 x 23 cm
Número de páginas 320
Peso 400 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-303-9
EAN 9786555643039
Preço R$ 59,90

E-book

eISBN 978-65-5564-304-6
Preço R$ 39,99

Audiolivro

ISBN 9786555644432
Duração 14h 52min
Locutor Fabricio Silva
Preço US$ 7,99

Leia um trecho do livro

INTRODUÇÃO

 

Não se mexa até perceber uma vantagem.

Não use suas tropas a menos que haja algum benefício.

Não lute se a posição não for perigosa.

– SUN TZU, A arte da guerra

 

Negócios são uma guerra. Seja lá como você obtém seus lucros, sempre haverá alguém disposto a fazer a mesma coisa de modo mais rápido, mais barato e melhor. Seus rivais são ambiciosos, determinados e bastante agressivos. Como vencê-los?

As apostas são altas. É claro que uma rivalidade comercial, ao contrário de uma guerra, é civilizada – pelo menos em teoria. Mas também há vidas em jogo. Você, seus funcionários e suas famílias precisam comer. E se o negócio fracassar, como irão pagar o aluguel? Depois de você perder uma guerra comercial, sua nação continuará de pé. Mas se você permanecer na fila da sopa, ainda será uma baixa dessa guerra. A sobrevivência do mais apto se aplica tanto a uma sala de reuniões – ou um espaço de coworking – quanto a uma frente de batalha. Quando a fonte de seu sustento está em jogo, a guerra é real para você. Você quer ganhar ou não?

Por mais de 2 mil anos, guerreiros em busca de alguma vantagem recorreram a um pequeno tratado de filosofia militar escrito pelo general chinês Sun Tzu, que viveu durante o Período dos Estados Combatentes, uma era de incessantes conflitos brutais. Que paralelo melhor poderá existir para o cenário empresarial americano desde o século passado até hoje? Embora seu livro se chame A arte da guerra, Sun Tzu estava mais preocupado em evitar o combate. Veterano de batalhas ferozes, sabia em primeira mão que guerras são caras e muito arriscadas. Por esta última razão, principalmente, ele sempre viu a guerra como último recurso. “Sairá vitorioso”, escreveu Sun Tzu, “aquele que souber quando lutar e quando não lutar.” Assim, concentrou-se em alternativas, como prevenção, alianças, intimidação e astúcia. Brandir espadas só faria sentido se – e somente se – todas as demais estratégias falhassem. E, mesmo assim, quando as probabilidades fossem favoráveis e a vitória decisiva pudesse ser alcançada. Para Sun Tzu, não havia desperdício maior de recursos preciosos do que um impasse.

Embora o livro esteja um pouco desatualizado, com dicas de luta contra bigas, por exemplo, a maior parte de A arte da guerra ainda é tão oportuna e relevante quanto deve ter sido há dois milênios e meio. Muitas de suas orientações se aplicam a qualquer conflito de alto risco. Ao escrever sobre como cultivar a paciência, como planejar e como explorar vulnerabilidades dos oponentes, Sun Tzu oferece ferramentas valiosas tanto para um funcionário médio da empresa de consultoria McKinsey quanto para um professor da Escola de Negócios de Harvard. Foi por isso que, quando decidimos escrever um livro baseado em Business wars (Guerras comerciais), um dos podcasts mais populares do mundo, recorremos a esse clássico imortal como fonte de inspiração.

O conceito de nosso podcast é simples. Cada série relata uma guerra campal entre duas empresas icônicas: Uber x Lyft, FedEx x UPS, Starbucks x Dunkin’ Donuts. Observando de perto batalhas empresariais passadas, esperamos entrar na mente dos líderes que combateram nelas e entender o que é necessário para vencer. Sun Tzu sabia que a experiência é a melhor professora. Quando não podemos recorrer à nossa própria experiência, é possível invocar a história para obter ensinamentos. Como disse Winston Churchill: “Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe estará apto a enxergar à frente.” Nosso objetivo com este livro não é apenas contar histórias extraordinárias, mas ir além do que o formato do podcast permite, de modo a chegar ao cerne de cada conflito e desenterrar lições valiosas.

 

 

Os sucessos e fracassos nos negócios atingem tanto as empresas quanto seus clientes. As marcas comerciais analisadas neste livro são referências em nossas vidas. No meu caso, posso fazer uma pausa no trabalho, dedilhar minha guitarra Les Paul e sentir uma imediata sensação de conforto por ser um cara da Gibson (embora, é claro, as Fenders tenham seu lugar). Durante o jantar, posso debater com membros da família os méritos de ser um indivíduo “Mac”, não um “PC”. Os pilotos da Harley, ao ultrapassarem minha Triumph, até se recusam a fazer o aceno dos motociclistas para mim.

Tudo bem: todos temos nossas lealdades.

Criado em uma pequena cidade do sul, onde a Coca-Cola reinava e abrir uma Pepsi era quase um ato de deslealdade, lembro-me de ver minha primeira Pizza Hut e achar que era um tanto exótica. (O mundo era menor na época.) Como jornalista, já encomendei uma pizza na Domino’s na noite em que esperávamos os resultados das eleições no Capitólio do estado da Geórgia. Era tudo o que nós, repórteres, podíamos pedir à meia-noite, sob a rotunda do prédio. Hoje, não consigo passar por uma placa da Domino’s sem pensar em como as coisas mudaram em tão pouco tempo. Quem não se lembra de ter feito aquela primeira viagem no Uber e pensado que percorrer uma cidade desconhecida jamais seria a mesma coisa?

O mundo dos negócios está tão entranhado na estrutura da sociedade que é quase invisível. Por isso desperta minha curiosidade: um mundo oculto, mas com extraordinário impacto sobre todos os aspectos de nossas vidas. Como – sendo jornalista – vivo e morro de curiosidade, queria entender esse mundo oculto. Assim, fui âncora do programa de rádio Marketplace, que versa sobre negócios, antes de virar apresentador do Business wars.

Mesmo antes de me tornar jornalista econômico, eu me interessava pelo comércio. Tenho memórias vivas de tirar a enciclopédia Childcraft da prateleira e abri-la na seção que desafiava jovens leitores, como eu, a associar logotipos às empresas que representavam. Meu irmão achava que eu era louco por me gabar de distinguir Allstate de Westinghouse, mas para mim esses ícones eram apenas trampolins para histórias. Ainda menino, eu passava horas lendo sobre qualquer coisa, desde redes de televisão a empreendimentos imobiliários e o catálogo da Sears. Essas histórias por trás das histórias compunham um mapa que explicava a paisagem americana da minha infância, repleta de marcas e anúncios.

As guerras empresariais, no fim das contas, não são casos frios e sem vida. São histórias sobre pessoas com ideias que às vezes têm potencial para mudar o mundo. Cada guerra narrada neste livro oferece lições sobre como enfrentar a resistência a novidades, rechaçar oportunistas, assumir o comando, recuar, promover grandes mudanças e, com frequência, não dar um passo maior do que a perna. São lições sobre vitórias e derrotas que tragédias em escala shakespeariana tornam extremamente fascinantes. Em A arte da guerra nos negócios, líderes de todos os matizes planejam estratégias, arregimentam recursos e medem forças em campos opostos. A vitória depende de ínfimos detalhes. Um mero erro tático pode derrubar um império. Vencedores e perdedores aprendem lições valiosas. Aqui, os leitores poderão fazer o mesmo, mas sem correr o risco de falência ou de humilhação pública.

Livros não são maravilhosos?

 

 

Considerando o extraordinário grau de competição pela atenção do público hoje em dia, sinto-me até acanhado em informar que nosso podcast é acessado mensalmente por 4 milhões de pessoas. Dessas, 95% acompanham os episódios até o final. Por que todos esses indivíduos – que incluem uma legião de líderes, gestores, professores de negócios e empresários no mundo inteiro – ouvem Guerras comerciais? Pelo mesmo motivo que gerações de líderes recorreram a Sun Tzu: certas lições são atemporais.

Adoro contar histórias sobre guerras de negócios em nosso podcast, mas neste livro pude ir ainda mais fundo. Embora algumas das empresas abordadas aqui já tenham sido mencionadas no podcast, muitas são citadas pela primeira vez – e todo o material apresenta novas perspectivas. Pela primeira vez destacamos paralelos e conexões entre histórias distintas, em diferentes épocas e setores.

Cada parte deste livro buscou inspiração temática em um capítulo de A arte da guerra. Por exemplo, enquanto Sun Tzu oferece conselhos sobre o uso de espiões e inteligência militar, este livro discute truques sujos nos negócios: desorientação, mentiras e até sabotagem. A correspondência entre as duas obras não é perfeita – há nove capítulos aqui e 13 no livro de Sun Tzu –, mas somos gratos pela inspiração fornecida pelo clássico eterno.

Uma boa guerra empresarial parece menos um estudo de caso do que uma aventura, uma narrativa épica em que um herói corajoso triunfa sobre as adversidades – ou sucumbe a alguma falha trágica, como raiva ou arrogância. Para mim, compartilhar estas histórias, primeiro em um podcast e agora em um livro, foi uma aventura inesquecível.

 

1

ENTRANDO NO CAMPO DE BATALHA

 

O general que vence uma batalha faz muitos cálculos mentais antes de travar o combate.

– SUN TZU, A arte da guerra

 

Todo grande negócio vem do mesmo lugar: do nada. Geralmente, não há nada além do esboço de uma ideia, uma visão do que poderá ser. Não importa se impresso numa máquina, rabiscado num guardanapo ou, em certos casos, inspirado por um concorrente. Quer impulsionada por um insight, quer desenvolvida ao longo de anos de pesquisa, a ideia de um novo empreendimento é apenas um objetivo, um X no mapa. Será preciso lutar para conquistar o território – e vencer. A guerra começa quando um empresário materializa a semente de uma ideia. No mercado, nenhum terreno é cedido de graça. Não importa quão inovadora seja, uma empresa jamais poderá triunfar sem derrubar o statu quo, no qual os competidores estão confortavelmente empoleirados.

Seja cético ao ler autobiografias que mitificam empresários famosos. É muito fácil minimizar o papel desempenhado pela sorte e pelo momento quando se narra a própria biografia. Para identificar verdades universais, é melhor comparar diferentes exemplos ao longo da história. Quais são os elementos comuns a lançamentos bem-sucedidos, desses que surgem repetidas vezes? Igualmente importantes são os exemplos de grandes ideias que não fincaram raízes – pelo menos até que o momento fosse melhor ou um empresário mais habilidoso as levasse ao campo de batalha.

A luta para lançar uma novidade não é nada nova. Até o café, esse elixir revigorante, teve uma estreia complicada. Quando o botânico veneziano Próspero Alpini introduziu o café egípcio na Europa, o Vaticano condenou a influência herética da bebida estrangeira. Até que o papa Clemente VIII a provasse, a adorasse e a abençoasse. (No final, os italianos acabaram se tornando grandes fãs de café.)

Se você tem uma ideia delirante e um intenso desejo de torná-la realidade, nunca espere uma recepção calorosa. Toda mudança ameaça o sistema, e quanto maior, mais resistência encontrará. Portanto, pense no futuro: quem são os principais jogadores? Quem perderá se você ganhar? O impacto de um novo produto pode ser difícil de prever, o que talvez acarrete consequências inesperadas e de longo alcance. Assim, antes de agir, mapeie todo o campo de batalha e certifique-se de que entendeu a magnitude da luta que está prestes a travar.

 

HENRY FORD PENSA GRANDE: O MODELO T

 

São 1h30 da manhã do dia 4 de junho de 1896. Bocejando, Henry Ford se recosta na engenhoca à sua frente e alonga o corpo para aliviar uma dor no pescoço. Olhando ao redor do pequeno galpão de tijolos que usa como oficina, percebe com satisfação que terminou. Após dois anos de ajustes e experimentos, enfim concluiu o trabalho que se propôs a fazer – e da melhor forma possível, como sua mãe sempre recomendou. Ford não diria que está cansado, exatamente, mas com certeza deveria estar. Mais uma vez, passou a noite dando os últimos retoques em sua nova invenção, depois de um longo dia de trabalho como engenheiro na Edison Illuminating Company. Sua esposa, Clara, e seu filho, Edsel, foram para cama há muito tempo. Teriam vindo dar boa-noite? Ele não consegue se lembrar. O homem que o ajuda no projeto, James Bishop, está visivelmente exausto, cochilando em um banquinho próximo. A noite foi longa.

À frente de Ford, no galpão silencioso, vê-se um veículo mecânico de 220 quilos, que ele decidiu chamar de quadriciclo. Está montado sobre quatro pneus de bicicleta, portanto o nome faz sentido. Sem enfeites, totalmente funcional, fácil de reparar e replicar – como tudo deveria ser.

Apesar da complexidade mecânica do motor de combustão interna com dois cilindros, Ford vê o veículo de dois lugares como algo básico: mais um protótipo do que um produto. Quando se tenta lançar uma nova ideia, faz sentido que cada elemento seja o mais simples possível. E ele vem tentando concretizar essa ideia desde menino, quando viu, pela primeira vez, uma máquina a vapor puxando a carroça de um fazendeiro. Uma “carruagem sem cavalos”. Agora ele construiu a sua. Mais ou menos.

Recentemente, seu amigo Charles King circulara por Detroit no veículo de madeira com motor de quatro cilindros que havia construído. Andou a 8 quilômetros por hora – o quadriciclo conseguiria superar isso? Há projetos semelhantes em andamento na cidade. Ford também tem ouvido rumores interessantes vindos da Europa. Ninguém pode adivinhar como essas máquinas serão em sua forma final nem como se encaixarão na vida cotidiana. No momento, permanecem estritamente no domínio de amadores, mas Ford sabe que não ficarão aí por muito tempo. Agora há camaradagem entre os inventores – King até ajudou Ford com seu quadriciclo. Mas esse espírito aberto e colaborativo não vai durar. Há negócios a fazer. O quadriciclo não substituirá as carruagens puxadas por cavalos. Mas alguma futura invenção o fará, e o empreendedor que construir esse modelo mudará o mundo – deixando uma geração de competidores para trás.

Ford olha ao redor. É muito tarde. E a máquina fará muito barulho. Mas ele quer muito fazer um test drive

 

 

Henry Ford nasceu em 30 de julho de 1863, no estado de Michigan. Seu pai, William, imigrou da Irlanda em busca de terras cultiváveis baratas. Ele e sua esposa, Mary, se estabeleceram num terreno de mais de 40 hectares nos arredores de Detroit. Henry e seus sete irmãos mais novos cresceram trabalhando na fazenda, mas ele não gostava de agricultura. Também tinha dificuldades na escola, embora achasse matemática fácil. Desde criança, dispositivos mecânicos consumiam sua atenção. Vivia mexendo neles, desmontando os brinquedos de corda dos irmãos e examinando o funcionamento de qualquer objeto mecânico em que pusesse as mãos.

Aos sábados, os Ford iam a Detroit para fazer as compras semanais. Henry ficava encantado com os barcos que passavam pelo rio e outras maravilhas movidas a vapor que apareciam cada vez mais frequentemente na cidade. A mudança estava no ar em Detroit, que já se tornara o epicentro da inovação americana. Depois que seus pais terminavam as compras, todos voltavam para a fazenda, o que para Henry devia parecer uma viagem no tempo – de volta ao passado distante.

Sabendo do grande interesse de Henry por dispositivos mecânicos, um amigo da família o presenteou com um velho relógio parado. Após esculpir um prego de metal até transformá-lo numa chave de fenda improvisada, Henry desmontou o relógio para entender como funcionava cada peça. Depois o remontou de tal forma que o mecanismo voltou a funcionar. O feito despertou a atenção dos vizinhos, que passaram a entregar seus relógios parados ao garoto para ele consertar. Improvisando ferramentas com agulhas de tricô e outros itens domésticos, Henry começou a ganhar dinheiro extra com a nova atividade. Talvez assim pudesse evitar o enfadonho trabalho agrícola.

A obsessão de Ford por dispositivos mecânicos se aprofundou quando ele estava com 13 anos e sua mãe, sempre orgulhosa de seu “mecânico nato”, morreu após mais um parto. Mary Ford sempre encorajara Henry a procurar uma atividade em que fosse bom e se dedicar ao máximo a ela. Após a morte da mãe, Ford fez da mecânica a sua missão. Foi nessa época que observou pela primeira vez um fazendeiro usando uma máquina a vapor para levar um carrinho com produtos agrícolas até Detroit. Aquela engenhoca barulhenta, movida a carvão, foi o primeiro veículo diferente das carroças puxadas a cavalos que ele viu. O vapor já era usado para fornecer energia a ferramentas agrícolas, mas aquele carrinho sugeria a possibilidade de se deslocar de um lugar a outro sem qualquer limitação de velocidade ou distância e sem se cansar. Isso dominou sua imaginação. “Foi aquele motor”, disse ele mais tarde, “que me levou ao transporte automotivo.” O fazendeiro foi gentil ao responder às perguntas de Henry e deixá-lo inspecionar o motor. Desmontá-lo na estrada, é claro, seria impossível.

Aos 16 anos, Ford foi à cidade procurar trabalho como mecânico. Conseguiu emprego em uma oficina. Para complementar seu pequeno salário, consertava relógios à noite. Menos de um ano depois, ele deixou a oficina de mecânica para estagiar numa empresa de construção naval, onde teve oportunidade de trabalhar em diferentes tipos de usinas. Passou três anos lá, lidando com motores e outras máquinas durante quase todos os minutos do dia. Por fim, retornou à fazenda da família, onde um vizinho o contratou para operar uma máquina a vapor que debulhava milho e serrava madeira, entre outras tarefas agrícolas que antes exigiam mão de obra intensiva. Quando soube da aptidão daquele jovem de 19 anos com motores, a Westinghouse Engine Company o contratou para fazer a manutenção de seus produtos no sul do Michigan.

Em 1891, Ford foi trabalhar como engenheiro para Thomas Edison, rival de George Westinghouse. Já casado, ele se mudou com sua esposa, Clara, para um apartamento em Detroit, sede da Edison Illuminating Company. Logo depois que seu filho Edsel nasceu, em 1893, Henry foi promovido a engenheiro-chefe. Mesmo pressionado por seus deveres profissionais e domésticos, Ford encontrava energia para tocar os próprios projetos noite adentro. Como muitos de seus contemporâneos, inclusive Ransom Olds, David Dunbar Buick e os irmãos John e Horace Dodge, Henry Ford sonhava com uma carruagem movida a motor de combustão interna que pudesse fabricar em escala.

O quadriciclo foi o primeiro veículo construído por Ford a funcionar com um motor de combustão interna. Às quatro da manhã – com seu assistente Bishop andando de bicicleta à frente do veículo para alertar os pedestres matinais –, Ford concluiu um test drive bem-sucedido, no qual acelerou a máquina frágil até incríveis 30 quilômetros por hora. Ele decidiu então construir um segundo modelo. Maior e mais resistente, essa versão percorreu com sucesso o trajeto de ida e volta entre as cidades de Detroit e Pontiac, Michigan, um total de 50 quilômetros. Graças a essa exibição, Ford obteve apoio financeiro para abrir uma fábrica, que faliu em 1900. Ele chegou a abrir uma segunda empresa, mas se retirou após um desentendimento com investidores. (Esses investidores resgataram o que restou do negócio – um projeto de motor e a fábrica – e montaram a Cadillac, batizada com o nome do fundador francês da cidade de Detroit.) Finalmente, em 16 de junho de 1903, Ford fundou a Ford Motor Company.

Em 1903, havia menos de 8 mil carros nas estradas. O automóvel ainda era apenas um hobby de homens ricos. Caros e demandando muitos cuidados, os primeiros carros eram construídos à mão. A fábrica da Ford, na verdade, nem sequer produzia os componentes. Seus 12 funcionários apenas os montavam, encaixando motores adquiridos em oficinas mecânicas da cidade. No caso de reparos, a falta de padronização fazia com que a substituição de uma peça às vezes exigisse a fabricação de outra nova. Ford acreditava que os carros se tornariam essenciais para quase todo mundo, mas isso só aconteceria se pudessem ser construídos de maneira rápida e padronizada. O primeiro empresário a conseguir esse feito alcançaria uma liderança extraordinária, talvez inexpugnável. Ford tinha um sonho, mas teria de enfrentar não só a indústria de veículos a tração animal como também os primeiros fabricantes de automóveis. Em jogo, o futuro das estradas nos Estados Unidos.

O principal apoiador de Ford em sua nova empresa, o negociante de carvão Alexander Malcomson, tinha em mente apenas uma carruagem automotiva. Acreditava que os automóveis simplesmente substituiriam os veículos puxados por cavalos como um meio de transporte – caro e luxuoso – para os ricos. Ford discordava. Queria que sua produção ultrapassasse qualquer coisa que seus concorrentes pudessem imaginar. Idealizava um carro leve e confiável, pelo qual todos pudessem pagar. Na época, era uma ideia chocante – todo mundo teria um carro? –, mas em 1906 Ford já fizera progressos. Naquele ano, ele produziu o Modelo N. O custo? Seiscentos dólares. O Modelo N era mais leve e resistente do que carros mais caros, graças ao uso de aço vanádio, durável e fácil de usinar, e à insistência de Ford em reduzir o design ao essencial. Um carro útil e nada mais. “Acredito ter resolvido o problema da construção de automóveis tão baratos quanto simples”, declarou à imprensa.

Mesmo quando Ford já estava perto de realizar seu sonho, Malcomson ainda tentava levar a empresa por outro caminho. Ford jamais teria sucesso enquanto dependesse de terceiros para obter suas peças. Em 1905, ele utilizou uma nova estratégia para resolver ambos os problemas: integração vertical. Para dominar a fabricação de automóveis, Ford precisaria atuar de maneira decisiva e unilateral, com controle absoluto de todos os aspectos da produção. Buscando esse objetivo, criou a Ford Manufacturing Company, uma entidade independente, que fabricaria seus próprios motores. Essa mudança teve também o benefício de desviar para o Ford Modelo N os lucros que, de outra forma, teriam ido para a Malcomson, permitindo que Ford comprasse a parte do negócio que pertencia ao comerciante de carvão. Com o controle total da empresa, Ford absorveu sua fábrica de motores e adquiriu uma siderúrgica, na qual passou a fabricar outros componentes importantes, como eixos e cárteres. Foi um golpe de mestre. A partir daí, tornou-se capaz de produzir cada componente de seus automóveis de acordo com suas especificações.

 

 

Hoje o conceito de linha de montagem pode parecer óbvio. Com o benefício de uma visão retrospectiva, o mesmo ocorre com a maioria das grandes inovações. No entanto, ao entrar no campo de batalha, um líder se vê diante de uma situação complicada ao extremo, repleta de nuances, em que pode ser difícil identificar até as soluções óbvias. Observar o que cada concorrente está fazendo, suas falhas, e seguir um caminho melhor requer uma mente perspicaz ao extremo.

O problema que a Ford enfrentou foi a própria complexidade do negócio: as montadoras gastavam muitos recursos treinando trabalhadores para fabricar o veículo inteiro, o que envolvia localizar e encaixar centenas de peças manualmente. A tarefa exigia grande aptidão mecânica. Alguns funcionários venciam o desafio, mas eram raros. A maioria tinha dificuldade. Assim, a montagem era lenta e irregular. Um erro mínimo – digamos, avaliar mal o aperto de uma porca – poderia resultar em mau funcionamento e até acidentes. A única coisa que os fabricantes podiam fazer a respeito disso era trazer mais gente para resolver o problema ou pedir a todos que trabalhassem mais do que já trabalhavam.

Ford sabia que algo fundamental precisaria mudar na montagem dos carros. Mas o quê? Como costumam fazer os inventores quando buscam um novo paradigma, ele recorreu à analogia. Apesar de sua complexidade extraordinária, um relógio mecânico opera com admirável eficiência. Centenas de peças minúsculas interagem suavemente, de modos específicos, para produzir um único resultado – o tique de um segundo –, com regularidade quase perfeita. Ford então perguntou a si mesmo: e se uma fábrica de automóveis funcionasse como um relógio, com cada etapa do processo de produção alimentando a etapa seguinte, como uma série de engrenagens interconectadas? Se o chão de fábrica fosse organizado como um relógio, o trabalhador realizaria apenas uma etapa do processo de fabricação. Com o mínimo de treinamento, qualquer pessoa poderia aprender uma única ação e executá-la sempre da mesma forma. Caso uma etapa precisasse ser modificada – e quase todas as etapas precisam de ajustes ao longo do tempo –, bastaria reciclar um único trabalhador em vez de toda a força de trabalho. Uma fábrica projetada como um relógio seria precisa, confiável e rápida, além de potencialmente muito rápida. Uma vez que o processo fosse “automatizado”, seria mais fácil acelerá-lo. Como um carro.

Os esforços de Ford para criar o que ele acabou chamando de “linha de montagem móvel integrada” não foram lineares. Ele não tinha um projeto detalhado. Se tivesse esperado até conceber algo perfeito, jamais teria começado. Mas adquiriu o hábito de estudar sua linha de produção, procurando formas de poupar tempo no processo de transformar matérias-primas em um automóvel Ford pronto. Nem que fosse para ganhar um segundo. Esses “estudos de tempo e movimento” o ajudaram a otimizar o fluxo de produção, embora a limitação de espaço ainda prejudicasse a fábrica.

A obsessão de Ford com detalhes mínimos devia incomodar seus funcionários, mas isso não era novidade para ele. Mesmo antes de conduzir seu quadriciclo pela cidade no meio da noite, Ford já era tido pelos vizinhos como um inventor maluco. Ele acabou se conformando com o fato de ninguém entender, muito menos elogiar, o que tentava realizar em sua fábrica. Sabia que estava criando algo inédito. Um século depois, Jeff Bezos disse que a Amazon estava “disposta a ser mal interpretada por longos períodos de tempo”. Henry Ford pensava assim.

Em 1º de outubro de 1908, na esteira do bem-sucedido Modelo N, a Ford lançou o Modelo T – que tornou os automóveis acessíveis a milhões de americanos e mudou para sempre os meios de transporte. Eficiente e confiável, o Modelo T significou um salto em relação ao design de automóveis. Mas esse feito extraordinário de Ford teve tanto a ver com seu processo de produção quanto com a engenharia do próprio carro. Graças ao contínuo aperfeiçoamento da linha de montagem, o preço inicial do Modelo T, equivalente a menos de 24 mil dólares hoje, caiu sem parar durante o tempo em que foi produzido, atingindo o equivalente a menos de 4 mil dólares em 1927, quando deixou de ser fabricado. Cada vez que o preço do Modelo T baixava, mais pessoas podiam comprá-lo, até atingir 15 milhões de unidades vendidas, o que fez dele uma visão onipresente nas estradas americanas.

Em 1910, Ford abriu uma fábrica de 25 hectares em Highland Park, pequena cidade na região metropolitana de Detroit. Agora teria liberdade para projetar a operação desde o início, de modo a obter a máxima eficiência. A moderna produção em massa, tal como a conhecemos, surgiu na fábrica de Highland Park, embora por muitos anos esse conceito fosse conhecido simplesmente como “fordismo”. Com a evolução do fordismo, o tempo de produção de um único carro – mais de 12 horas no início – caiu para apenas 93 minutos, exigindo menos mão de obra.

“O homem que coloca uma peça não a fixa”, explicou Ford a um visitante da fábrica. “O homem que põe o parafuso não põe a porca; o homem que coloca a porca não a aperta. A peça é que se move.” O relógio finalmente estava funcionando. Na verdade, com a adição de uma correia transportadora contínua, em 1912, a fábrica de fato passou a “se mover” como um relógio. Todas as incontáveis pequenas melhorias de Ford na linha de montagem se tornaram uma espécie de juros compostos: o valor de um segundo economizado era multiplicado cada vez que um novo carro saía da fábrica. Pequenas iterações a longo prazo resultavam em ganhos vultosos. A capacidade de produção não crescia linearmente, como a dos rivais da Ford, mas quase de modo exponencial. Em 1914, a produção da empresa superou a de todos os concorrentes somados.

Para os funcionários da fábrica, o trabalho era monótono, quase insuportável, em comparação com o de montagem, qualificado. Para compensar, recebiam o dobro do salário dos trabalhadores da indústria. Também desfrutavam de uma série de benefícios, que estavam na vanguarda do setor, e trabalhavam duas horas a menos por dia do que os colegas de outras fábricas. Ford sabia que a produção em massa significava “reduzir a necessidade de reflexão por parte do trabalhador e seus pensamentos ao mínimo”. Essa era a ideia. Em certo sentido, a fábrica era uma ferramenta para dimensionar suas próprias ideias, suas próprias mãos. De que outra forma ele poderia construir seus carros exatamente como pretendia e na quantidade sonhada?

O que venceu a batalha para Henry Ford foi sua capacidade de imaginar um mundo muito diferente daquele em que vivia, e depois casar essa visão com uma execução bem-sucedida. Aí estava sua verdadeira e excepcional genialidade. Numa época em que apenas 8 mil carros circulavam, Ford percebeu que seria possível vender até 1 milhão de carros em um ano, caso conseguisse fabricar tantos. Em 1922, a Ford atingiu esse marco, não por produzir continuamente novos projetos, como outros fabricantes faziam, mas por tornar o mesmo carro cada vez mais rápido e eficiente. Melhor do que qualquer tática, visão e foco distinguem um grande líder de um bom líder.

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David Brown

Sobre o autor

David Brown

DAVID BROWN é jornalista e apresentador do podcast Business Wars, com 4 milhões de ouvintes mensais, disponível no Brasil com o título Guerras comerciais. Atua há mais de três décadas em emissoras de rádio e é o criador e âncora do programa diário de notícias Texas Standard, da NPR. Também cursou Direito na Universidade Washington and Lee. Vive em Austin, no Texas, com a esposa e dois filhos.

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