Introdução
O que será dito acerca da classe média neste livro, o leitor ou a leitora – muito provavelmente pertencente a esta classe social – não ouviu nem leu em nenhum outro lugar. A perspectiva que adoto implica a crítica a todas as concepções correntes do termo na sociedade brasileira. A despeito de se colocarem como científicas, as ideias dominantes produzem um efeito de “desconhecimento”, e não de “conhecimento”, distorcendo a realidade e invertendo as causas de todos os fenômenos sociais.
Pelo menos 90% do que se passa por científico nas ciências sociais e costuma ser ensinado nas universidades não passa de mera confirmação de um conjunto de preconceitos que visa eternizar a dominação social de uns poucos sobre muitos. Contudo, não há como dispensar a ciência, pois apenas por meio dela é possível realizar a crítica à falsa ciência. Trata-se aqui, portanto, de criticar a falsa ciência com base nos instrumentos da ciência verdadeira.
A distinção do verdadeiro e do falso será constatada pelo próprio leitor ou leitora. Basta que faça uso adequado desse dom que nos foi presenteado, muito embora seja cada vez menos utilizado, que é a nossa capacidade de refletir com autonomia.
Estou convencido de que tudo pode ser explicado, até mesmo os assuntos mais complicados, de forma clara e acessível. É o que pretendo fazer aqui, sem banalizar temas complexos nem ceder a superficialidades. Por mais novo e surpreendente que seja o conteúdo, meu objetivo é que qualquer leitor ou leitora possa acompanhar com facilidade a reconstrução histórica e social que faço aqui da classe média brasileira.
A linguagem “difícil” da maioria dos intelectuais tem a ver com um uso do conhecimento semelhante ao uso nocivo do dinheiro: para marcar diferenças sociais e acentuar o sentimento narcísico de superioridade em relação aos não iniciados. No entanto, qualquer coisa pode ser dita de um modo compreensível para a maioria das pessoas.
Infelizmente, o grande obstáculo para se alcançar um conhecimento efetivo, emancipador e autônomo está não somente na maior ou menor clareza das ideias, mas sim no medo diante da verdade. Embora possa ser libertadora e emancipadora, a verdade também pode ser bastante incômoda. Apesar de dizermos o contrário para nós mesmos, todos nós amamos as mentiras que confirmam a vida que levamos na prática e que legitimam as nossas ilusões. E detestamos a verdade que nos mostra que somos diferentes daquilo que imaginamos.
O que espero do leitor e da leitora não é a paciência para destrinchar algo especialmente difícil, tampouco que tenha conhecimentos prévios. O que peço é que tenha coragem, pois a covardia é a grande aliada da mentira, inclusive da mentira que nos vendem como ciência.
Assim, nas redes sociais costumamos nos proteger dos conteúdos contrários ao que acreditamos e, nos livros, só buscamos aquilo que confirma as nossas convicções. A covardia e a mentira são falsas aliadas de todos nós e excluem tudo o que há de generoso e belo na natureza humana. Elas nos transformam em formigas que, ainda que produtivas e ordeiras, repetem a mesma vida há milhões de anos. Só a verdade abre caminho para o aprendizado, e isto só é possível quando superamos o medo.
Nesse sentido, faço uma aposta com o leitor ou leitora: se chegar ao final deste livro, prometo que você vai mudar, em alguma medida significativa, a concepção que tem de si mesmo, de sua classe social, do seu país e do mundo. Concordando ou discordando do que será dito, aposto que não ficará indiferente. Antes de tudo, porém, teremos de desconstruir as mentiras, pretensamente científicas, que nos contaram a vida toda.
Tais mentiras são de dois tipos. No primeiro, com o intuito de sermos mais domináveis, somos induzidos a nos ver como homens e mulheres excepcionalmente capacitados. Esta é a grande cilada do liberalismo hegemônico, o pressuposto implícito de todas as ciências ensinadas nas universidades. Segundo ele, somos “indivíduos” autônomos e livres, que vivem num mundo transparente e claro.
O mundo social está aí para ser conquistado por nós, basta que sejamos disciplinados e diligentes. Mais adiante, contudo, vamos ver o quanto há de equívoco nessa ideia, mesmo sendo ela a base não só do senso comum da rua, mas também do ensino da economia, do direito, da política, da psicologia e da sociologia, tanto no Brasil como no resto do mundo.
A falsidade dessa ideia é de fácil demonstração, como se verá. Mais importante é saber por que, sendo falsa e superficial, todos nós preferimos acreditar nela. O motivo é simples: ela estimula nosso narcisismo infantil, ou seja, o desejo de nos vermos como fortes, inteligentes e poderosos. A felicidade está logo ali na esquina, e depende apenas de nossa vontade livre e autônoma para ser conquistada.
O nosso ego é “inflado” por essas concepções que nos atribuem um perfeito controle sobre nós mesmos e nos dizem que sabemos de onde viemos, o que somos e o que queremos. Elas também reforçam a ilusão de que a vida em sociedade, com toda a sua complexidade, é de fácil compreensão. Neste mundo, que nos seria completamente transparente, não existe mistério nem mentira – e querer é poder. Amamos essas mentiras porque nos dão a impressão de que não somos limitados nem estamos submetidos a constrangimentos e impossibilidades. Temos a impressão de que podemos tudo, basta querer.
Entretanto, o custo de amar as mentiras é altíssimo. São justamente essas mentiras – que somos todos fortes e autônomos e que o mundo é benigno, justo e de fácil compreensão – que nos tornam escravos de uma ordem social determinada. Uma ordem social que tem donos. Tais ideias só se tornaram hegemônicas porque existem aqueles que lucram, e muito, com isso.
É mais fácil explorar as pessoas quando elas acham que são livres e autônomas. Reclamar do quê e de quem, se o mundo é perfeito e transparente? Se há algo errado, então o erro só pode estar em nós mesmos, que não somos suficientemente livres, autônomos, diligentes ou disciplinados. É exatamente por isso que existem essas mentiras, que estão por toda parte: nas escolas, nas universidades, no cinema, na televisão, nos jornais, nas propagandas – e em tudo o que vemos e ouvimos desde que nascemos. Essa é a função delas.
O mesmo se dá com a própria ideia de classe social. Como pode existir classe social, se somos todos indivíduos livres, autônomos e poderosos? Admitir que pertencemos a uma classe social é reconhecer que somos “reduzidos” a alguma coisa. Como fica nossa liberdade? E nossa autonomia? Por conta disso, inventou-se uma ideia de classe social que não restringe ninguém, não reduz a liberdade de ninguém nem retira a autonomia de nenhum indivíduo. E nenhuma classe social é mais escravizada por essas mentiras sociais de liberdade e de autonomia individual do que a classe média.
Entre todas as classes sociais, a classe média – assim como a dos excluídos – é também a menos conhecida. Mas isso acontece por razões opostas. Enquanto os excluídos são simplesmente invisibilizados e desprezados, a classe média representa um ideal desejável e de grande força simbólica.
Ao contrário da classe dos proprietários – admirada mas sempre suspeita de abuso econômico – e da classe trabalhadora – percebida como grandeza massificada –, a classe média está intimamente associada ao individualismo e à autonomia individual. E não existe valor mais alto no Ocidente do que a autonomia individual. Além disso, uma sociedade de classe média é percebida como igualitária e justa, conciliando os registros positivos do trabalho produtivo, da liberdade individual e da vida democrática.
Daí se entende por que, quando no poder, o Partido dos Trabalhadores tenha escolhido elaborar a sua narrativa – sobre a importante e histórica ascensão social dos excluídos sociais que efetivamente viabilizava, elevando-os ao patamar da classe trabalhadora, ainda que precária – com base no advento de uma suposta “nova classe média”.
Essa estratégia de marketing míope nem mesmo era necessária, pois tal ascensão ocorreu de verdade e foi inédita na história do nosso país patologicamente desigual. O fato de ter sido adotada mostra o quanto é sedutora a ideia de classe média. Esta é a força simbólica a que me referi. O economista Marcelo Neri, o pai da ideia de uma “nova classe média”,1 simplesmente deduziu a suposta nova classe a partir da renda média, como se uma classe social fosse construída apenas pela renda.
O problema é que essa definição liberal de classe social, que permite “falar” de classe, ao mesmo tempo que retira dela qualquer efeito importante, continua a ser hegemônica, tanto no campo da direita como no da esquerda. O recurso à definição de classe social baseada na renda torna possível falar de classe social e manter completamente intocadas as mentiras sobre liberdade e autonomia.
Ora, essa concepção impede a compreensão do mundo social, sobretudo porque distorce e inverte o que está no centro da ideia de classe. A classe social é, antes de tudo, reprodução de privilégios, sejam eles positivos ou negativos. O problema é que muitos privilégios positivos, como a posse de conhecimento valorizado – precisamente o tipo de capital monopolizado pela classe média real – são literalmente invisíveis.
A possibilidade de aprendizado efetivo na escola requer a existência anterior, no ambiente doméstico e desde a mais tenra idade, de estímulos emocionais e morais (também invisíveis). Ninguém nasce com capacidade de concentração, disciplina e autocontrole, amor à leitura, pensamento prospectivo ou capacidade de pensamento abstrato.
Em seu conjunto, essa herança imaterial permite a reprodução do privilégio da classe média real de uma geração a outra, transmitindo, por meio da socialização familiar típica da classe, o bom aproveitamento escolar e, mais tarde, o ingresso privilegiado no mercado de trabalho. A renda também ajuda a aprofundar a desigualdade, na medida em que as famílias de classe média podem comprar o tempo livre dos filhos apenas para o estudo. Nas classes populares, por outro lado, os filhos começam a trabalhar e estudar aos 12 ou 13 anos. Mas a injustiça começa no berço e fica evidente aos 5 anos de idade, quando uns chegam à escola como vencedores e os outros como perdedores.
Ou seja, a renda auferida pelos integrantes adultos da classe média só existe por conta dessa reprodução invisível de privilégios positivos na infância e na adolescência. Por aí se explica a renda diferencial dos indivíduos da classe média em relação aos das classes populares. Ao tornar invisível a reprodução de privilégios, a pseudociência liberal se torna manipuladora, invertendo causas e efeitos.
Ela legitima privilégios injustos atribuindo-os ao “mérito individual” – a tal “meritocracia” hoje tão em voga – e chega até mesmo a culpar as vítimas do abandono pela sua própria exclusão. O objetivo deste livro é precisamente oferecer uma percepção desse segmento fundamental da nossa sociedade, a classe média, de tal forma que seja superado o superficialismo com o qual ela costuma ser vista atualmente.
Dada a dimensão de desejo evocada pela ascensão social, mesmo quando fantasiosa, a classe trabalhadora precária – os “batalhadores brasileiros”, na definição que utilizei em livro da época2 – adorou a ascensão imaginária tanto ou mais do que a ascensão real. Hoje em dia, o trabalhador precário não se considera pobre, mas de classe média. Os pobres são apenas os excluídos e marginalizados. A classe média real, por sua vez, se vê como “elite”, contribuindo para um autoengano fatal e de consequências terríveis para o destino da sociedade brasileira e da própria massa da classe média.
Espero que este livro possa contribuir para a autocompreensão tanto dos indivíduos dessa classe social – da qual faço parte – quanto da sociedade brasileira como um todo. Nesta tarefa, é crucial o entendimento adequado da classe média real.
Primeiro, numa classe tão mal conhecida – e da qual a nossa ignorância leva em conta apenas a renda, imaginando os seres humanos como páginas em branco, sem família nem passado –, o que se requer é esclarecer que indivíduos são esses que possuem bem mais do que uma carteira mais recheada.
Trata-se, portanto, de reconstituir os valores que servem de guia para o comportamento efetivo dos que fazem parte desta classe, assim como as formas específicas de sua socialização familiar e escolar, o que vai explicar a renda diferencial posterior, na idade adulta. Se a classe média é a classe do individualismo ético por excelência, torna-se fundamental entender o verdadeiro significado dessa ideia para identificar a singularidade da classe média no conjunto das classes sociais.
Esse é um primeiro ponto que vai surpreender o leitor ou leitora. Num mundo onde se imagina existir apenas dinheiro e poder como forças determinantes do nosso comportamento, estou convencido de que é possível demonstrar cabalmente a fragilidade e a mentira dessa visão. Os valores que orientam nossa vida podem não estar claros na nossa cabeça, mas estarão sempre presentes no nosso comportamento concreto.
É bem assim que podemos “provar” a existência de ideias e valores que influem em nossa vida, ainda que não tenhamos consciência deles. Basta mostrar de que modo, no comportamento do dia a dia, eles estão presentes e determinam o que fazemos, mesmo sem termos uma ideia clara disso. Precisamente porque não os submetemos a um exame consciente, tais ideias e valores têm uma eficácia ainda maior.
De modo claro e cristalino, vamos mostrar a existência de uma hierarquia moral, composta pela combinação de ideias e valores que nos influenciam tanto quanto a busca por dinheiro e poder. O que marca a singularidade da personalidade individual é a combinação destes estímulos empíricos, o dinheiro e o poder, e da eficácia dessa hierarquia moral e valorativa em cada pessoa. Trata-se, portanto, de revelar o núcleo contraditório e tensional da personalidade moderna e a forma específica que ela assume na classe média brasileira.
Depois será preciso destacar o que diferencia a classe média brasileira das classes médias de outros países. Para o conhecimento de qualquer fenômeno da vida social, nada melhor do que o estudo de sua gênese histórica. Isso também vale para a classe média. Ainda que as suas precondições sociais, econômicas e políticas tenham variado ao longo do tempo, a sua gênese, desde que bem compreendida, nos oferece uma perspectiva muito fecunda para um entendimento adequado da conjuntura atual.
Além da origem, outro recurso crucial de autoconhecimento é a perspectiva comparada. Enquanto indivíduos, sempre estamos, quer tenhamos consciência ou não, nos comparando com outros indivíduos. Tal comparação, se feita com a devida coragem para a autocrítica, é indispensável para nos tornarmos melhores do que somos.
Com as sociedades acontece o mesmo. É sempre pela comparação que apreendemos nossos defeitos e virtudes – e, por extensão, os defeitos e virtudes da sociedade em que vivemos. Nosso ponto privilegiado de comparação será a construção histórica da classe média europeia e, em menor grau, da norte-americana. Quase sempre, essa comparação tem sido feita com base em interpretações dos mitos nacionais, sem compromisso com a verdade científica. No caso brasileiro, sobretudo a partir do mito nacional norte-americano, idealizado como modelo.
Além da mentira que nos faz crer que somos indivíduos livres e autônomos, sem passado nem classe social, há outro grande engodo a ser desconstruído: aquele sustentado pelo mito nacional dominante, a partir da idealização servil e “vira-lata” do americano supostamente perfeito e honesto. A classe média brasileira será o principal suporte social dessas mentiras sociais compartilhadas por todos.
A forma particular de vida brasileira – não apenas na política, mas também nas várias dimensões da existência econômica e social – só pode ser compreendida desde essa perspectiva crítica, que leva em conta a violência sutil que se esconde por trás das ideias que fundamentam e justificam nosso comportamento cotidiano.
Além do interesse de gênese e de comparação, o terceiro elemento constitutivo deste estudo é de caráter relacional. Como só se conhece uma classe social quando a relacionamos com as outras, é preciso examinar as relações da classe média com a elite e com as classes populares. As classes não existem isoladas no mundo social, mas sempre em relações de aliança e de disputa pelos recursos escassos com outras classes sociais.
Por isso, esclarecer os fatores que influem tanto nas alianças quanto nas disputas nos permite compreender o comportamento de cada classe social na realidade social e política. Vale ressaltar, nesse aspecto, que os recursos escassos não são apenas econômicos, como se supõe em geral. Os indivíduos das diversas classes lutam tanto por monopolizar o acesso a coisas materiais – carros, viagens e apartamentos –, como pelo acesso a coisas imateriais e simbólicas – respeito, reconhecimento social e prestígio. As duas dimensões têm igual relevância e são indissociáveis.
Por fim, vamos reconstituir a trajetória de pessoas concretas, seja da alta classe média, seja da massa da classe média real e estabelecida. Na vida prática de cada um vai ser possível demonstrar que a reconstrução teórica e histórica faz todo o sentido na construção de uma nova visão, muito diversa da dominante, a respeito de como os indivíduos de classe média levam sua vida e quais são seus sonhos, angústias, heranças passadas irrefletidas, concepções de felicidade, etc. Nesse sentido, o que se propõe a seguir é colocar a classe média brasileira diante do espelho e revelar suas várias frações e concepções de mundo.
Desde novembro de 2015, quando iniciei o trabalho neste livro, fiz uso de dois tipos de materiais. O primeiro inclui mais de 200 entrevistas qualitativas em profundidade com membros da classe média, conduzidas no âmbito do projeto Radiografia da Sociedade Brasileira, uma pesquisa de abrangência nacional, que coordenei enquanto presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).3 O segundo tipo de material abrange dezenas de entrevistas que realizei pessoalmente entre 2016 e 2018, com pessoas de classe média, em diversas cidades brasileiras.
Visando tornar mais atraente o conteúdo dessas entrevistas, assim como explicitar os vínculos entre os tipos individuais e os tipos mais universais de uma classe, decidi fazer uso de um procedimento consagrado: mesclar várias entrevistas para criar os indivíduos mais característicos a fim de delinear os “tipos ideais” da classe média brasileira. “Ideal” não com o sentido de modelo ou exemplo, e sim de “construção ideacional”, de uma ideia elaborada a partir da realidade concreta para destacar as características mais relevantes da amostragem original que fundamentou a pesquisa.
Devido à enorme disparidade e complexidade dos exemplos concretos, boa parte da análise do material empírico concentra-se na pesquisa das características comuns. Apesar de que tudo o que consta da seção final deste livro tenha sido efetivamente relatado por alguém, nenhum desses tipos existiu de fato enquanto indivíduo singular. Todos os tipos são, portanto, um amálgama do relato de várias pessoas entrevistadas.
Ao analisar as entrevistas, dei-me conta de uma importante divisão na classe média. Passei a atentar menos para os cortes horizontais das frações da classe média, ainda que sejam relevantes para a análise, e enfocar mais as distinções verticais, que permitem diferenciar a “alta classe média” da “massa da classe média”, ou seja, a hierarquia específica no interior do próprio segmento social.
A alta classe média é o verdadeiro representante, o real “capataz” que, por delegação, exerce a função de comando da sociedade em todos os níveis, mas em nome de uma ínfima elite de proprietários efetivos. Que esta classe muito bem paga, mas com origem e trajetória de classe típicas da classe média, se perceba como “elite” faz parte da ilusão objetiva que lhe permite defender tão bem os interesses dos seus patrões.
Já a massa da classe média perfaz o que se costuma denominar classe média baixa ou média – ou ainda, pelos critérios aproximativos de renda, as chamadas classes A e B. Nesse sentido, de acordo com o critério exclusivo de renda, a massa da classe média abrange a maioria da classe A e a totalidade da classe B. A alta classe média, por sua vez, abrange apenas os segmentos superiores da classe A segundo o mesmo critério.
Assim, em termos quantitativos, a massa da classe média perfaz, no máximo – os resultados variam conforme o critério adotado –,4 entre 15% e cerca de 18% da população brasileira. A alta classe média é bem menor e não inclui, certamente, mais do que 2% da população, sendo a fração de grandes proprietários, a “elite real”, ainda bem menor e mais restrita.
Para efeitos de quantificação, sempre meramente aproximativa, parto do pressuposto de que no máximo 20% da população brasileira faz parte da classe média real. No contexto brasileiro, portanto, essa é uma classe privilegiada pelo acesso facilitado à incorporação de capital cultural e conhecimento útil mais valorizado e prestigioso. E isso fica muito evidente quando a comparamos às classes populares. Esse é o dado fundamental, como veremos a seguir, e sua quantificação, com margem de erro de um pouco mais ou um pouco menos, tem importância secundária.