A coragem de ser feliz | Sextante
Livro

A coragem de ser feliz

Ichiro Kishimi e Fumitake Koga

Dos mesmos autores de A coragem de não agradar.

Uma conversa entre um jovem e um filósofo sobre a verdadeira coragem de que precisamos para uma vida plena.

 

Com 350 mil exemplares vendidos no Brasil, A coragem de não agradar apresentou a conversa entre um jovem e um filósofo com ideias transformadoras baseadas no pensamento de Alfred Adler, um dos mais importantes psicólogos do século XX, comparável a Freud e Jung, mas que foi durante muito tempo esquecido.

Três anos depois daquela conversa, o jovem está de volta ao gabinete do filósofo, frustrado porque não conseguiu colocar em prática as ideias que aprendeu.

Pacientemente, o filósofo retoma seus ensinamentos, mostrando como a psicologia da coragem de Adler pode ajudar o jovem a se realizar e a ter relacionamentos saudáveis, tratando de questões como:

  • Não são os eventos passados que determinam quem somos, mas o significado que damos a eles.
  • Podemos escolher nossos caminhos a qualquer momento, mas é preciso entender por que não é fácil mu­dar a si mesmo.
  • Para termos uma vida feliz, não devemos permitir que nosso valor seja decidido por outra pessoa.
  • Nossa necessidade fundamental é a de pertencimento.
  • Toda alegria tem base nos relacionamentos interpessoais.
  • O amor é a mais desafiadora prova de coragem que existe.
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Ficha técnica
Lançamento 15/09/2020
Título original The courage to be happy
Tradução Débora Chaves
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 272
Peso 350 g
Acabamento brochura
ISBN 978-65-5564-034-2
EAN 9786555640342
Preço R$ 49,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-65-5564-035-9
Preço R$ 29,99
Lançamento 15/09/2020
Título original The courage to be happy
Tradução Débora Chaves
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 272
Peso 350 g
Acabamento brochura
ISBN 978-65-5564-034-2
EAN 9786555640342
Preço R$ 49,90

E-book

eISBN 978-65-5564-035-9
Preço R$ 29,99

Leia um trecho do livro

NOTA DOS AUTORES

Embora figure ao lado de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung como um dos nomes mais importantes do mundo da psicologia, Alfred Adler foi durante muitos anos um gigante esquecido. Por meio de um diálogo entre um jovem e um filósofo, método tradicional da filosofia grega, este livro oferece uma introdução ao pensamento de Adler, considerado um estudioso anos-luz à frente de seu tempo.

São apenas dois personagens: um filósofo que se dedica ao estudo da filosofia grega e da psicologia adleriana e um jovem com uma visão pessimista em relação à vida. Na obra anterior, A coragem de não agradar, o jovem questionou o filósofo sobre o verdadeiro significado da seguinte afirmação, baseada nas ideias de Adler: “As pessoas podem mudar. E não apenas isso, elas podem alcançar a felicidade.” O filósofo apresentou as seguintes respostas:

  • Problemas pessoais não existem. Todos os problemas são de relacionamento interpessoal.
  • Não devemos ter medo de não agradar. Ser livre é não agradar às outras pessoas.
  • Não é que você não tenha habilidade. Você simplesmente não tem coragem.
  • Nem o passado nem o futuro existem. Há apenas o “aqui e agora”

O jovem se revoltou contra essas declarações radicais, mas, ao conhecer as ideias de Adler sobre a “sensação de comunidade”, aceitou as palavras do filósofo e decidiu mudar.

O diálogo narrado neste livro ocorre três anos depois. O jovem se tornou professor com a intenção de colocar em prática as ideias de Adler e agora, mais uma vez, visita o filósofo. Eis algumas de suas opiniões: A psicologia adleriana não passa de um monte de teorias vazias. Você está tentando seduzir e corromper os jovens com as ideias de Adler. Preciso me distanciar de ideias tão perigosas.

De que maneira devemos trilhar o caminho da felicidade revelado no livro anterior? O pensamento de Adler, que parece puro idealismo, é de fato uma filosofia que pode ser praticada? E qual foi a escolha mais importante que Adler fez na vida?

Esta é a conclusão de uma obra em dois volumes que analisa a essência de Alfred Adler e sua psicologia da coragem. Acompanhando o jovem que contestou Adler e se revoltou contra suas teorias, descubra você mesmo qual é a verdadeira coragem de que precisamos.

DEVERIA SER UMA VISITA MAIS ALEGRE E
amigável. “Espero que não se importe se, em
algum momento, eu voltar aqui para visitá-lo,
mas como um amigo. E não vou tentar rebater
seus argumentos.” O jovem disse essas palavras
no dia em que foi embora. Passados três anos,
ele estava de volta ao gabinete do filósofo com
intenções bem diferentes. O jovem tremia diante
da gravidade do que estava prestes a confessar.
Sentia-se perdido, sem saber por onde começar.

PREÂMBULO

Filósofo: Muito bem. Quer me dizer o que está acontecendo?

Jovem: Você quer saber por que voltei? Bem, infelizmente não estou aqui para bater papo e rever um velho amigo. Tenho certeza de que você está ocupado, mas eu também estou com pouco tempo para essas coisas. Portanto, como deve ter imaginado, foi uma questão urgente que me trouxe aqui.

Filósofo: Sim, é o que parece.

Jovem: Tenho refletido muito. Fiquei mais preocupado e perturbado do que deveria e analisei tudo em detalhes. Então tomei uma decisão muito séria e resolvi vir aqui comunicá-la a você. Sei que tem muito que fazer, mas, por favor, me ouça esta noite. Será provavelmente minha última visita.

Filósofo: O que houve?

Jovem: Ainda não adivinhou? É o problema que vem me afligindo há muito tempo: “Devo ou não desistir de Adler?”

Filósofo: Ah, entendo.

Jovem: Vou direto ao ponto: as ideias de Adler são mistificações. Puro charlatanismo. Na verdade, vou além e digo que são ideias perigosas, até mesmo nocivas. Embora você seja livre para escolher em que acreditar, eu gostaria, se possível, que me ouvisse em silêncio. Como já disse, esta é minha última visita. Preciso desistir completamente de Adler, diante de você e com este sentimento em meu coração.

Filósofo: Foi algum acontecimento que desencadeou isso?

Jovem: Vou falar sobre isso com calma e de maneira organizada. Primeiro, você se lembra daquele dia, há três anos, quando nos vimos pela última vez?

Filósofo: Claro que me lembro. Era um dia de inverno, e tudo estava branco, coberto de neve.

Jovem: Verdade, estava mesmo. O céu noturno tinha um azul lindo, e era lua cheia. Influenciado pelas ideias de Adler, dei um importante passo à frente naquele dia. Deixei meu emprego na biblioteca da universidade e consegui uma vaga como professor na escola onde cursei o ensino fundamental. Achei que iria gostar de colocar em prática uma forma de educação baseada nas ideias de Adler e levá-la para o maior número possível de crianças.

Filósofo: E essa não foi uma decisão fantástica?

Jovem: Sem dúvida. Na época, eu era puro idealismo. Não conseguia me controlar e guardar essas ideias maravilhosas e transformadoras só para mim. Tinha que fazer com que mais pessoas as compreendessem. Mas quem? Cheguei a uma conclusão. Os adultos, que deixaram de ser puros e inocentes, não eram os únicos que precisavam conhecer Adler. Apresentar as ideias de Adler às crianças, que serão a próxima geração, faria com que o pensamento dele continuasse evoluindo. Essa foi a missão que assumi. Meu fogo interior estava tão forte que eu poderia ter me queimado.

Filósofo: Entendo. Você só consegue falar sobre isso usando os verbos no passado?

Jovem: Exatamente. Essas coisas já fazem parte do passado. Mas, por favor, não me entenda mal. Não perdi a esperança nos meus alunos. Muito menos desisti do que diz respeito à educação em si. Simplesmente perdi a esperança em Adler – o que significa que perdi a esperança em você.

Filósofo: Por que isso aconteceu?

Jovem: Bem, cabe a você refletir e perguntar a si mesmo! As ideias de Adler não têm utilidade na sociedade atual, não passam de abstrações, teorias vazias. Especialmente aquele princípio da educação que diz que não se deve elogiar nem repreender. E, só para você saber, eu segui fielmente esse princípio. Não elogiei, tampouco repreendi ninguém. Não elogiei notas perfeitas em provas nem um trabalho minucioso de limpeza. Não repreendi ninguém por esquecer o dever de casa ou por fazer bagunça na sala de aula. Qual você acha que foi o resultado?

Filósofo: Você tem uma turma indisciplinada?

Jovem: Totalmente. Mas, quando penso sobre tudo isso agora, acho que foi natural. A culpa foi minha, por me deixar levar por tanta charlatanice.

Filósofo: E o que fez a respeito disso?

Jovem: Nem preciso dizer que, em relação aos alunos que se comportavam mal, escolhi o caminho da repreensão rigorosa. Você provavelmente vai minimizar a situação e me dizer que foi uma solução boba. Mas, veja bem, não sou uma pessoa que se ocupa apenas da filosofia e se perde em devaneios. Sou um educador que vive e lida com situações reais, que cuida da vida e do destino dos estudantes. Afinal, a realidade à nossa frente nunca espera – ela está em constante movimento. Você não pode simplesmente ficar indiferente e não fazer nada!

Filósofo: E esse caminho foi eficaz?

Jovem: Repreendê-los não fará mais diferença, porque agora eles me desprezam. Acham que sou um fraco. Para ser sincero, em alguns momentos invejo os professores de antigamente, quando o castigo físico era permitido e até mesmo comum.

Filósofo: Não é uma situação simples.

Jovem: Verdade. Para que não haja nenhum mal-entendido, não estou me deixando levar pelas emoções nem ficando irritado. Estou apenas repreendendo, de maneira racional, como último recurso para fins educacionais.

Filósofo: Foi então que você sentiu que queria desistir de Adler?

Jovem: Bem, mencionei isso só para dar um bom exemplo. As ideias de Adler são certamente extraordinárias. Elas colocam em xeque nosso sistema de valores e nos levam a sentir como se o céu nublado acima de nós estivesse clareando; como se a vida mudasse. Parecem irrepreensíveis, a própria verdade universal. Mas a questão é que o único lugar em que elas se sustentam é bem aqui, neste gabinete. Uma vez que você abre a porta e mergulha no mundo real, as ideias de Adler se revelam muito ingênuas. Os argumentos que apresentam são impraticáveis, apenas idealismos superficiais. Você inventou um mundo que atende aos seus propósitos aqui nesta sala e se deixa levar por devaneios. Não sabe nada sobre o mundo real e as pessoas que vivem nele!

Filósofo: Entendo… E então?

Jovem: Uma maneira de educar em que não se elogia nem se castiga? Que incentiva a autonomia e deixa os alunos à própria sorte? Isso equivale a renunciar aos nossos deveres profissionais como educadores. A partir de agora, vou lidar com as crianças de uma forma bem diferente da que Adler idealizou. Não me importo se é certa ou errada. Não tenho escolha. Vou elogiar e vou repreender. E, naturalmente, também terei que ser duro nas punições.

Filósofo: Só para eu ter certeza: você não vai parar de trabalhar como educador, vai?

Jovem: Claro que não. Nunca vou desistir de ser um educador, porque esse é o caminho que escolhi. Não é uma ocupação, mas uma maneira de viver.

Filósofo: É muito reconfortante ouvir isso.

Jovem: Então você acha que isso é um problema apenas dos outros? Se é para continuar como educador, tenho que desistir de Adler aqui e agora. Se eu não fizer isso, estarei renunciando às minhas responsabilidades profissionais e abandonando meus alunos. Estou com a faca no pescoço. Qual é a sua resposta?

Filósofo: Em primeiro lugar, permita-me fazer uma correção. Você usou a palavra “verdade” mais cedo, mas não estou apresentando Adler como uma verdade absoluta, imutável. Pode-se dizer que o que estou fazendo é prescrever óculos de grau. Muitas pessoas passaram a enxergar melhor graças a esses óculos. Por outro lado, algumas dizem que sua visão ficou mais borrada do que antes. Eu não pretendo forçar essas pessoas a usar as “lentes” de Adler.

Jovem: Ah, então você desistiu delas?

Filósofo: Não. Vamos pensar assim: não há outra forma de pensamento tão fácil de interpretar mal e tão difícil de entender corretamente quanto a psicologia adleriana. A maior parte das pessoas que afirmam “conhecer Adler” confunde seus ensinamentos. Elas não têm a coragem de tentar realmente entendê-lo, muito menos de ver o panorama que se abre a partir dessa forma de pensar.

Jovem: As pessoas interpretam mal Adler?

Filósofo: Isso. Se uma pessoa entra em contato com ideias de Adler e logo se impressiona, dizendo “A vida está mais fácil agora”, ela entendeu tudo errado. Porque, quando reconhecemos de fato o que Adler exige de nós, é comum ficarmos chocados com seu rigor.

Jovem: Está dizendo que eu também interpreto mal Adler?

Filósofo: Considerando tudo que me disse até agora, parece que sim. Mas você não está sozinho nisso. Há muitos adlerianos, adeptos da psicologia de Adler, que não o compreendem no início, mas depois galgam a escada do entendimento. Talvez você ainda não tenha encontrado sua escada. Eu também demorei a encontrá-la quando era jovem.

Jovem: Sei. Você também teve uma fase em que ficou perdido?

Filósofo: Sim, tive.

Jovem: Então quero que me ensine. Onde está essa escada do entendimento, ou seja lá o que for? Aliás, o que você quer dizer com “escada”? Onde você a achou?

Filósofo: Tive sorte. Descobri Adler numa fase em que me dedicava a cuidar da casa e a criar meu filho.

Jovem: Como assim?

Filósofo: Meu filho me ajudou a conhecer Adler. E, com ele, pude praticar e, assim, ampliar minha compreensão e comprovar as teorias de Adler.

Jovem: Pois é isso que estou pedindo que você me diga! O que aprendeu? E qual foi essa comprovação que obteve?

Filósofo: Em uma palavra: “amor”.

Jovem: Como é que é?

Filósofo: Você não precisa realmente que eu repita, certo?

Jovem: Que piada! O amor, sobre o qual não há necessidade de falar? Você está dizendo que, se eu quiser conhecer o verdadeiro Adler, tenho que saber sobre o amor?

Filósofo: Você, que ri dessa palavra, ainda não a entende. O amor a que Adler se refere é a mais dura e desafiadora prova de coragem que existe.

Jovem: Ah, qual é… Lá vem você fazer pregação sobre o amor ao próximo. Não estou a fim de ouvir.

Filósofo: Você acabou de dizer que chegou a um beco sem saída como educador e que tem um sentimento de desconfiança em relação a Adler. Depois, contou que está ansioso para me revelar que está abandonando Adler e não quer que eu fale mais nada sobre ele. Por que está tão chateado? Talvez achasse que as teorias de Adler tinham algo de mágico. Como se bastasse agitar a varinha de condão para que todos os seus desejos fossem imediatamente realizados. Se for o caso, você deve mesmo desistir de Adler. Deve desistir das imagens falsas que abraçou e, enfim, conhecer o verdadeiro Adler.

Jovem: Não, você está errado. Em primeiro lugar, nunca achei que Adler fosse mágico ou algo parecido. Em segundo lugar, acho que você mesmo disse uma vez: “Qualquer pessoa pode ser feliz neste exato momento.”

Filósofo: Sim, eu disse isso.

Jovem: Mas essas palavras não são um exemplo perfeito de magia? Você está alertando as pessoas, dizendo “Não se deixem enganar por esse dinheiro falso”, ao mesmo tempo que oferece a elas outra moeda falsa. É um truque clássico de vigarista!

Filósofo: Qualquer pessoa pode ser feliz a partir de agora. Este é um fato inegável, não tem nada a ver com magia ou qualquer coisa do gênero. Você, e todo mundo, pode dar passos em direção à felicidade. Mas, se ficar onde está, não desfrutará da felicidade. É preciso continuar percorrendo o caminho escolhido. É necessário ter clareza sobre essa questão.
Você deu o primeiro passo. Um passo importante. Agora, no entanto, não só perdeu a coragem como interrompeu a caminhada e está tentando voltar. Sabe por quê?

Jovem: Você está dizendo que não tenho paciência.

Filósofo: Nada disso. Você ainda não fez a escolha mais importante da sua vida. Só isso.

Jovem: A escolha mais importante da minha vida?! O que eu tenho que escolher?

Filósofo: Eu já disse: o amor.

Jovem: E você espera que eu entenda isso? Por favor, não me venha com suas abstrações.

Filósofo: Estou falando sério. Todos os problemas pelos quais você está passando advêm da palavra “amor”. Assim como seus questionamentos sobre a educação e sobre o tipo de vida que você supostamente deveria levar.

Jovem: Tudo bem. Isso parece ser algo que vale a pena refutar. Mas, antes de entrarmos em uma discussão mais séria, há algo que eu preciso dizer. Não tenho dúvida de que você é um Sócrates dos tempos modernos. No entanto, não me refiro às ideias dele, e sim ao crime que cometeu.

Filósofo: Crime?

Jovem: Veja, o que se diz é que Sócrates foi acusado de corromper a juventude da antiga cidade-estado grega de Atenas e condenado à morte, certo? Ele não atendeu ao apelo dos discípulos para fugir da prisão, então bebeu um chá envenenado e se despediu deste mundo. Interessante, não? Ora, para mim, as pessoas que disseminam as ideias de Adler nesta antiga capital onde vivemos são culpadas do mesmo crime. Ou seja, estão corrompendo a juventude ingênua com palavras enganosas.

Filósofo: Está dizendo que você foi enganado e corrompido por Adler? Jovem: É exatamente por isso que decidi visitá-lo novamente, para me dissociar de você. Não quero produzir mais vítimas. Filosoficamente falando, preciso matá-lo.

Filósofo: Então a noite será longa.

Jovem: Vamos resolver isso esta noite, antes de o dia amanhecer. Não há necessidade de eu voltar a visitá-lo depois disso. Será que galgarei a escada do entendimento? Ou a destruirei e abandonarei Adler de uma vez por todas? Será uma coisa ou outra; não haverá meio-termo.

Filósofo: Tudo bem. Esta conversa pode ser a nossa última… Ou melhor, parece que teremos que torná-la a última, de qualquer maneira.

PARTE I

 “Aquela pessoa malvada” e
“coitadinho de mim”

POUCA COISA HAVIA MUDADO NO GABINETE do filósofo desde a visita anterior do jovem, três anos antes. Sobre a mesa gasta via-se um maço de folhas, um manuscrito inacabado. Em cima dele, talvez para evitar que os papéis fossem levados pelo vento, estava uma caneta-tinteiro antiga com incrustações de ouro. Tudo parecia familiar ao jovem; era quase como se estivesse no próprio escritório. Ele identificou vários livros que também possuía, inclusive um que tinha acabado de ler uma semana antes. Olhando melancolicamente para a estante que ocupava uma parede inteira, o jovem deixou escapar um suspiro. É melhor eu não me sentir muito confortável aqui. Preciso seguir em frente.

A PSICOLOGIA ADLERIANA É UMA RELIGIÃO?

Jovem: Antes de tomar a decisão de vir vê-lo mais uma vez hoje, isto é, antes de tomar a decisão de abandonar Adler, passei por uma fase de grande angústia. Isso me incomodou mais do que você possa imaginar, o que mostra quanto as ideias de Adler me atraíam. Mas o fato é que, ao mesmo tempo que eu me sentia atraído por elas, acumulava dúvidas o tempo todo. E essas dúvidas dizem respeito à expressão “psicologia adleriana” em si.

Filósofo: Humm… O que você quer dizer?

Jovem: Como a expressão “psicologia adleriana” indica, as ideias de Adler são consideradas uma linha da psicologia. E, pelo que sei, a psicologia é basicamente uma ciência. Quando se trata das opiniões apresentadas por Adler, no entanto, há aspectos que não me parecem científicos. Como esta é uma área de estudo que lida com a psique, não pode ser completamente representada por uma fórmula matemática. Isso entendo com clareza. Mas o problema é que Adler fala sobre as pessoas em termos de “ideais”. Ele oferece o mesmo tipo de clichê usado pelos cristãos em seus sermões sobre o amor ao próximo. O que me leva à primeira pergunta: você vê a psicologia adleriana como uma ciência?

Filósofo: Se estiver se referindo a uma definição estrita, ou seja, de uma ciência que possa ser refutada, então não, não vejo. Adler afirmou que sua psicologia era uma ciência, mas, quando começou a explicar seu conceito de “sentido social”, muitos colegas romperam com ele. A opinião deles era muito parecida com a sua: “Isso não é ciência.”

Jovem: Certo. É a reação natural de qualquer um que esteja interessado na psicologia como uma ciência.

Filósofo: Essa é uma área de debate permanente, mas tanto a psicanálise de Freud quanto a psicologia analítica de Jung e a psicologia individual de Adler têm aspectos que entram em conflito com essa definição de ciência, na medida em que não têm refutabilidade. Isso é um fato.

Jovem: Certo. Como eu trouxe o computador, vou aproveitar para anotar isso. A rigor… não é ciência! Agora minha próxima pergunta: há três anos, você se referiu às teorias de Adler como “outra filosofia”, não foi?

Filósofo: Sim, está certo. Considero a psicologia adleriana uma forma de pensar completamente alinhada com a filosofia grega e que é, por si só, uma filosofia. Tenho a mesma opinião sobre Adler: não o vejo como um psicólogo, mas como um filósofo. Um filósofo que aplica seu conhecimento em consultórios.

Jovem: Ótimo. Então aqui vai meu principal argumento. Refleti muito sobre as ideias de Adler e as coloquei em prática. Não tinha dúvida sobre elas. Pelo contrário: era como se essas ideias me provocassem uma paixão febril. Eu acreditava totalmente nelas. No entanto, sempre que tentei aplicar as ideias de Adler no ambiente educacional, enfrentei forte oposição. Fui contestado não só pelos alunos como também pelos outros professores. Mas, se você parar para pensar nisso, faz sentido. Eu estava introduzindo uma abordagem educacional que se baseia em um sistema de valores totalmente diferente do deles e tentando colocá-la em prática lá pela primeira vez. Depois, do mesmo jeito que um certo grupo de pessoas, acabei sobrepondo minhas circunstâncias às deles. Você sabe de que pessoas estou falando?

Filósofo: Acho que não. A quem você se refere?

Jovem: Aos missionários católicos que pilharam as terras pagãs na Era dos Descobrimentos.

Filósofo: Ah.

Jovem: Aconteceu na África, na Ásia e nas Américas. Os missionários católicos viajavam para terras estranhas, onde a língua, a cultura e até mesmo os deuses eram diferentes, e saíam pregando suas crenças. Assim como eu, que comecei a trabalhar pregando as ideias de Adler. Embora muitas vezes conseguissem propagar sua fé, os missionários também sofreram opressão e, em alguns casos, foram executados de maneira bárbara. O senso comum diria que eles seriam rejeitados. Então como explicar que tenham convertido os habitantes dos locais visitados às suas crenças? Deve ter sido um trabalho bastante difícil. Como eu queria saber mais, corri para a biblioteca.

Filósofo: Mas isso é…

Jovem: Espere um pouco, ainda não terminei. Enquanto eu pesquisava relatos sobre os missionários da Era dos Descobrimentos, outro pensamento interessante me ocorreu: será que a filosofia de Adler, no fundo, não é uma religião?

Filósofo: Interessante…

Jovem: Porque é verdade, não é? Os ideais sobre os quais Adler fala não são ciência. E, como não são ciência, são uma questão de fé, de acreditar ou não. Mais uma vez, trata-se apenas de opinião. É verdade que, do nosso ponto de vista, as pessoas que não conhecem Adler parecem selvagens primitivos que acreditam em falsos deuses. Sentimo-nos na obrigação de ensinar a “verdade” e de salvá-las o mais rápido possível. No entanto, pode ser que, do ponto de vista delas, sejamos nós os adoradores primitivos de deuses perversos. Talvez nós é que precisemos ser salvos. Estou errado?

Filósofo: Você tem toda a razão.

Jovem: Então me diga: qual é a diferença entre a filosofia de Adler e uma religião?

Filósofo: A diferença entre religião e filosofia é um tema importante. Se você simplesmente descartar a existência de um deus e refletir, então a discussão será mais fácil.

Jovem: O que quer dizer com isso?

Filósofo: O mesmo ponto de partida vale para a religião, a filosofia e a ciência. De onde viemos? Onde estamos? Como devemos viver? A religião, a filosofia e a ciência, todas partem dessas mesmas questões. Na Grécia Antiga, não havia divisão entre filosofia e ciência, tanto que a raiz latina da palavra “ciência” é scientia, que significa “conhecimento”

Jovem: Tudo bem. A ciência era assim naquela época. Mas estou perguntando sobre filosofia e religião. Qual é a diferença entre elas?

Filósofo: Talvez seja melhor esclarecer primeiro os pontos em comum. Diferentemente da ciência, que se limita a apurar fatos objetivos, a filosofia e a religião lidam com os conceitos humanos de “verdade”, “bondade” e “beleza”. Essa é uma questão fundamental.

Jovem: Concordo. A filosofia e a religião investigam a psique humana. Onde, então, estão os limites e as diferenças entre as duas? É apenas aquela única questão, de saber se Deus existe?

Filósofo: Não. A diferença mais importante é a presença ou ausência de narrativa. A religião explica o mundo por meio de histórias. Pode-se dizer que os deuses são os protagonistas das grandes narrativas que as religiões usam para explicar o mundo. Em contraste, a filosofia rejeita as narrativas e tenta explicar o mundo por meio de conceitos abstratos que não têm protagonistas.

Jovem: A filosofia rejeita as narrativas?

Filósofo: Pense da seguinte forma: em nossa busca da verdade, caminhamos por uma longa ponte que adentra a escuridão. Duvidando do bom senso e envolvidos em um eterno processo de autoquestionamento, simplesmente seguimos caminhando sem saber aonde a ponte nos levará. Então, da escuridão, ouve-se uma voz dizendo: “Não há mais nada adiante. A verdade está aqui.”

Jovem: Humm…

Filósofo: Nesse momento, algumas pessoas deixam de ouvir sua voz interior, param de andar e saltam da ponte. Será que encontraram a verdade? Não sei. Talvez tenham encontrado, talvez não. Mas parar de repente e saltar no meio do caminho é o que chamo de religião. Com a filosofia, continuamos a andar. Não importa se os deuses estão lá ou não.

Jovem: Então essa filosofia de andar sem parar não oferece respostas?

Filósofo: No grego original, filosofia significa “amor à sabedoria”. Ou seja, a filosofia é o “estudo do amor à sabedoria”, e os filósofos, os “amantes da sabedoria”. Por outro lado, pode-se afirmar que, se alguém se tornasse um sábio perfeito, do tipo que sabe tudo que há para saber, deixaria de ser um amante da sabedoria (filósofo). Como dizia Kant, o gigante da filosofia moderna: “Não se pode aprender filosofia. Pode-se apenas aprender a filosofar.”

Jovem: Filosofar?

Filósofo: Isso mesmo. A filosofia é mais um modo de vida do que um campo de estudo. A religião pode atribuir tudo a Deus. Pode evocar um ser todo-poderoso e onisciente, e os ensinamentos proferidos por ele. Essa maneira de pensar discorda fundamentalmente da filosofia.

Quando alguém tem a pretensão de saber tudo ou para no meio do caminho do conhecimento e da reflexão, independentemente de sua crença na existência ou não de Deus, da presença ou ausência de fé, está se aventurando na religião. Essa é minha opinião sobre o assunto.

Jovem: Ou seja, você ainda não sabe as respostas?

Filósofo: Não sei. No instante em que achamos que conhecemos um assunto, queremos saber mais. Sempre vou refletir sobre mim mesmo, as outras pessoas e o mundo. Portanto, é um eterno “não sei”.

Jovem: Ha, ha… Essa resposta também é filosófica.

Filósofo: Sócrates, em seus diálogos com os sábios conhecidos como sofistas, chegou à seguinte conclusão: eu (Sócrates) sei que “o meu conhecimento não está completo”. Reconheço minha ignorância. Os sofistas, por outro lado, aqueles supostos sábios, tinham a pretensão de compreender tudo, mas nada sabiam da própria ignorância. Neste sentido, do conhecimento da própria ignorância, sou mais sábio do que eles. Esse é o contexto da famosa declaração de Sócrates – “Só sei que nada sei”.

Jovem: Então o que é que você, que não sabe as respostas e se confessa um ignorante, tem a me esclarecer?

Filósofo: Não vou esclarecer. Vamos pensar e caminhar juntos.

Jovem: Até o final da ponte? Sem saltar dela?

Filósofo: Isso mesmo. Continue perguntando e caminhando, sem parar.

Jovem: Você está muito confiante, apesar de dizer que os sofismas não têm lógica. Tudo bem. Vou derrubá-lo dessa ponte!

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Ichiro Kishimi

Sobre o autor

Ichiro Kishimi

Nasceu em 1956 na cidade de Kyoto, no Japão. É filósofo, especialista em Platão, e psicólogo da linha adleriana. Traduziu para o japonês diversos escritos de Alfred Adler e é autor de vários livros de psicologia e filosofia. Atualmente, é professor na Faculdade Meiji de Medicina Oriental e tem uma clínica particular, além de dar palestras e oferecer aconselhamento para jovens em clínicas psiquiátricas.

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Fumitake Koga

Sobre o autor

Fumitake Koga

Nasceu em 1973. Autor premiado, já escreveu vários livros de negócios e não ficção. Descobriu a psicologia adleriana ainda jovem e foi profundamente influenciado pelas ideias que desafiavam a sabedoria convencional.

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