A entrega incondicional | Sextante

A entrega incondicional

Michael A. Singer

Como aprendi a confiar no fluxo da vida

Como aprendi a confiar no fluxo da vida

Consagrado autor de A alma indomável, com mais de 3 milhões de livros vendidos, Michael Singer conta a fascinante história de sua decisão de confiar na sabedoria de uma força maior e aceitar o que a vida lhe trazia.

 

Neste livro de memórias, ele relata os desdobramentos de sua atitude corajosa, que lhe colocou diversos desafios, apoiou-o em momentos de crise e lhe trouxe uma enorme paz interior.

A entrega foi a chave para uma jornada que começou quando era um jovem em busca de solidão para meditar na floresta, depois evoluiu para criar uma comunidade espiritual na Flórida e tomou um curso inesperado ao começar uma empresa de software, o que acabou levando-o a se tornar presidente de uma corporação bilionária.

Suas notáveis e surpreendentes experiências nos trazem uma nova perspectiva da vida e nos ensinam a parar de tentar moldar as circunstâncias externas às nossas vontades e expectativas.

Quando abrimos mão da necessidade de controle e passamos a confiar na perfeição do Universo, tudo de bom pode acontecer.

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Ficha técnica
Lançamento 16/11/2022
Título original The Surrender Experiment
Tradução Ivanir Calado
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 272
Peso 400 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-503-3
EAN 9786555645033
Preço R$ 49,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-65-5564-504-0
Preço R$ 29,99
Ficha técnica audiolivro
ISBN 9786555645972
Duração 08h 10min
Locutor Sidney Ferreira
Lançamento 16/11/2022
Título original The Surrender Experiment
Tradução Ivanir Calado
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 272
Peso 400 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-503-3
EAN 9786555645033
Preço R$ 49,90

E-book

eISBN 978-65-5564-504-0
Preço R$ 29,99

Audiolivro

ISBN 9786555645972
Duração 08h 10min
Locutor Sidney Ferreira
Preço US$ 7,99

Leia um trecho do livro

PARTE I

Despertando

A premissa

 

Estar sentado sozinho num jato particular de seis lugares, a 40 mil pés, é muito tranquilo. Entrei em meditação e minha mente ficou muito calma. Quando abri os olhos, assimilei a tremenda diferença no ambiente, em comparação com quando me mudei para a floresta pela primeira vez para ficar sozinho e meditar. Apesar de ainda viver na mesma floresta, meu lugar de solitude havia crescido até se tornar uma próspera comunidade de yoga, e eu tinha me tornado o CEO da empresa de capital aberto que, de algum modo, a vida havia manifestado magicamente ao meu redor. Agora estava perfeitamente claro que todas essas experiências de vida, inclusive a de administrar uma empresa nesse nível, estavam contribuindo tanto para a minha liberdade espiritual quanto meus anos de meditação solitária. Assim como Hércules usou a correnteza dos rios para limpar as cavalariças de Áugias, a poderosa correnteza da vida estava limpando tudo que restava de mim. Eu simplesmente continuava abrindo mão e praticando a não resistência, quer gostasse do que estava acontecendo ou não. Era com esse estado de espírito que eu viajava para o Texas com o objetivo de discutir a oferta de uma fusão de 1 bilhão de dólares para a minha empresa, feita por um poderoso CEO com quem eu ainda nem havia me encontrado.

Minhas reflexões, maio de 1999

 

 

Raramente a vida se desenrola do jeito que desejamos. E, se paramos para pensar a respeito, isso faz todo o sentido. O escopo da vida é universal, e o fato de não estarmos no controle dos acontecimentos deveria ser evidente por si só. O universo está aí há 13,8 bilhões de anos, e os processos que determinam o fluxo da vida ao nosso redor não começaram quando nascemos nem terminarão quando morrermos. Na verdade, o que se manifesta diante de nós em qualquer dado momento é algo extraordinário – é o resultado final de todas as forças que interagiram ao longo de bilhões de anos. Não somos responsáveis nem mesmo pela mais insignificante fração do que acontece à nossa volta. E ainda assim andamos por aí constantemente tentando controlar e determinar o que acontecerá na nossa vida. Não é de espantar que haja tanta tensão, ansiedade e medo. Cada um de nós realmente acredita que as coisas deveriam ser do jeito que queremos – e não o resultado natural de todas as forças da criação.

Diariamente, damos mais relevância aos pensamentos da nossa mente do que à realidade que se desenrola diante de nós. Dizemos coisas como: “É melhor não chover hoje, porque vou acampar” ou “É melhor eu conseguir aquele aumento, porque preciso muito do dinheiro”. Perceba que essas afirmações audaciosas sobre o que deveria ou não acontecer não se baseiam em evidências científicas; baseiam-se unicamente em preferências pessoais inventadas na nossa mente. Sem perceber, fazemos isso com tudo na nossa vida. É como se realmente acreditássemos que o mundo ao nosso redor deveria se manifestar de acordo com nossos gostos e aversões. E, quando isso não acontece, é porque alguma coisa está muito errada. Esse é um jeito dificílimo de viver, e é por isso que temos a sensação de estar sempre lutando com a vida.

Apesar disso, também é verdade que não somos impotentes diante dos acontecimentos que se desenrolam à nossa volta.

Recebemos a dádiva da força de vontade. Bem lá no fundo, podemos determinar como gostaríamos que as coisas fossem, e aplicar a força da mente, do coração e do corpo numa tentativa de fazer o mundo lá fora se conformar ao que queremos. Mas isso nos coloca numa batalha constante entre a nossa vontade e a maneira como as coisas seriam sem nossa intervenção. Essa batalha entre o indivíduo e a realidade da vida que se desenrola ao nosso redor termina por consumir nossa existência. Quando vencemos a batalha, ficamos felizes e relaxados; do contrário, ficamos perturbados e estressados. Como a maioria das pessoas só se sente bem quando as coisas acontecem como elas querem, passamos a vida tentando controlar tudo.

A questão é: será que precisa ser assim? Existem muitas provas de que a vida se vira muito bem por conta própria. Os planetas permanecem em órbita, sementes minúsculas crescem e viram árvores gigantescas, os padrões climáticos mantiveram vivas as florestas ao redor do globo durante milhões de anos, e uma única célula fertilizada se multiplica até virar um lindo bebê. Não fazemos nenhuma dessas coisas como atos conscientes da vontade – é a perfeição incompreensível da própria vida que faz tudo isso. Todos esses acontecimentos incríveis – e incontáveis outros – são determinados por forças que estão por aí há bilhões de anos, as mesmas contra as quais nossa vontade luta conscientemente todos os dias. Se o desdobramento natural do processo da vida é capaz de criar todo o universo e cuidar dele, será que realmente é razoável presumirmos que nada de bom acontecerá se não for à força? Este livro se dedica à exploração dessa intrigante pergunta.

Como pode haver uma pergunta mais importante? Se a vida é capaz de manifestar a molécula de DNA por conta própria, isso sem falar na criação do cérebro humano, por que achamos que precisamos controlar tudo sozinhos? Deve haver outro modo mais saudável de lidar com a vida. Por exemplo, o que aconteceria se respeitássemos o fluxo e usássemos o livre-arbítrio não para lutar contra, mas para participar do que está se desenrolando? Qual seria a qualidade da vida que se desenrola? Seriam apenas acontecimentos aleatórios sem ordem nem significado, ou a mesma perfeição de ordem e significado que encontramos no restante do universo também se manifestaria na vida cotidiana ao nosso redor?

O que temos aqui é a base para um experimento incrível. E no centro dessa experiência há uma pergunta simples: é melhor inventar uma realidade alternativa na minha mente e depois lutar contra a realidade para fazer com que as coisas sejam do meu jeito ou é melhor abrir mão do que eu desejo e servir às mesmas forças da realidade que conseguiram criar toda a perfeição do universo ao meu redor? Esse experimento não significaria desistir da vida. Na verdade, seria mais como saltar para dentro da vida e passar a viver num lugar onde não somos mais controlados por nossos medos e desejos. Por falta de um nome melhor, chamei isso de “o experimento de entrega incondicional” e, do melhor jeito que pude, dediquei os últimos quarenta anos a ver para onde o fluxo de acontecimentos da vida me levaria naturalmente. O que aconteceu ao longo dessas quatro décadas é nada mais, nada menos que fenomenal. As coisas não apenas não desmoronaram, pelo contrário. À medida que um evento naturalmente levou a outro, o fluxo dos acontecimentos da vida me conduziu numa jornada que estaria além da minha compreensão. Este livro compartilha com você tudo que vivi, de modo que possa vivenciar o que aconteceu quando alguém ousou abrir mão e confiar no fluxo da vida.

Mas que fique bem claro logo de início: esse tipo de entrega não significa levar a vida sem a afirmação da vontade. Minha história desses quarenta anos é simplesmente a história do que aconteceu quando a afirmação da vontade foi guiada pelo que a vida estava fazendo, e não pelo que eu queria que ela fizesse. Minha experiência pessoal mostra que alinhar nossa vontade com as forças naturais que se desenrolam ao nosso redor leva a alguns resultados surpreendentemente poderosos.

O único modo eficaz de compartilhar os achados desse grande experimento é permitir que você veja como fui levado a viver desse jeito e deixar que vivencie essa jornada comigo. Você está prestes a encontrar um conjunto de experiências de vida que devem ser muito diferentes das suas. Compartilho isso apenas porque, como somos seres humanos, temos a extraordinária capacidade de aprender com as experiências dos outros. Você não precisa viver o que eu vivi para ser afetado pelo que aconteceu comigo. Os acontecimentos inesperados que se desdobraram ao meu redor mudaram não apenas minha vida: eles mudaram toda a minha visão da vida e me trouxeram um sentimento de profunda paz interior. Espero que compartilhar meu experimento de entrega encoraje você a encontrar um modo mais tranquilo e harmonioso de levar a vida e a apreciar melhor a perfeição incrível que se apresenta à nossa volta.

 

1

Não com um grito, mas com um sussurro

 

Meu nome de batismo é Michael Alan Singer. Desde que me lembro, todo mundo sempre me chamou de Mickey. Nasci em 6 de maio de 1947 e levei uma vida bem comum até o inverno de 1970. Então aconteceu uma coisa muito profunda que mudou para sempre a direção da minha vida.

Os acontecimentos que mudam a nossa história podem ser muito dramáticos e, por sua própria natureza, desestabilizadores. Todo o seu ser está indo física, emocional e mentalmente em uma direção, e essa direção traz consigo todo o ímpeto do passado e todos os sonhos do futuro. E de repente vem um grande terremoto, uma doença terrível ou um encontro casual que deixa você totalmente sem chão. Se o acontecimento for poderoso o suficiente para mudar o foco do seu coração e da sua mente, o restante da sua vida mudará em seu devido tempo. Depois de um evento realmente transformador, você não é a mesma pessoa que era antes. Seus interesses mudam, seus objetivos mudam. Na verdade, o propósito subjacente da sua vida muda. Em geral é necessário um acontecimento muito poderoso para virar sua cabeça a ponto de você jamais olhar para trás.

Mas nem sempre.

No inverno de 1970 não foi algo assim que aconteceu comigo. O que aconteceu foi tão sutil, tão leve, que facilmente poderia ter passado despercebido. Não com um grito, mas com um sussurro, minha vida foi lançada no tumulto e na transformação absolutos. Faz mais de quarenta anos desde aquele momento que mudou minha vida, mas lembro como se fosse ontem.

Eu estava sentado no sofá da sala da minha casa em Gainesville, Flórida. Tinha 22 anos e estava casado com uma linda alma chamada Shelly. Ambos éramos estudantes na Universidade da Flórida, onde eu fazia pós-graduação em economia. Era um aluno muito perspicaz e estava sendo preparado pelo chefe do departamento de economia para me tornar professor universitário. Shelly tinha um irmão, Ronnie, um advogado muito bem-sucedido de Chicago. Ronnie e eu nos tornamos muito amigos, apesar de sermos de mundos totalmente diferentes. Ele era um poderoso advogado de cidade grande, impelido pela riqueza, e eu era um intelectual universitário hippie criado nos anos 1960. Vale a pena mencionar que eu era uma pessoa extremamente analítica naquela época. Jamais havia feito uma disciplina sequer de filosofia, psicologia ou religião na faculdade. Minhas matérias eletivas eram lógica simbólica, cálculo avançado e teoria estatística. Isso torna o que me aconteceu mais espantoso ainda.

Ronnie vinha nos visitar de vez em quando e frequentemente passávamos um tempo juntos. Por acaso ele estava sentado no sofá comigo naquele fatídico dia de 1970. Não me lembro exatamente do que falávamos, mas nossa conversa despreocupada minguou e fez-se uma pausa. Percebi que estava desconfortável com o silêncio e me peguei pensando no que dizer a seguir. Eu já estivera em situações semelhantes muitas vezes, mas havia algo muito diferente nessa experiência. Em vez de simplesmente me sentir desconfortável e tentar encontrar o que dizer, eu notei que estava desconfortável, tentando encontrar alguma coisa para dizer. Pela primeira vez na vida minha mente e minhas emoções eram algo que eu estava observando, não sendo.

Sei que é difícil colocar isso em palavras, mas houve uma completa sensação de separação entre minha mente ansiosa, que jorrava possíveis tópicos de conversa, e eu, a pessoa que simplesmente tinha consciência de que sua mente estava fazendo aquilo. Era como se de repente eu fosse capaz de permanecer acima da minha mente e observar em silêncio os pensamentos sendo criados. Acredite ou não, essa mudança súbita na base da minha consciência se transformou num furacão que reorganizou toda a minha vida.

Por alguns instantes, fiquei apenas ali, me observando internamente na tentativa de “resolver” aquele incômodo. Mas eu não era aquele que estava tentando resolver a situação. Eu era aquele que observava em silêncio a atividade da minha mente. A princípio havia apenas alguns graus de separação entre mim e o que eu estava observando. Mas, a cada segundo, essa separação parecia aumentar mais. E eu não estava fazendo nada para provocar essa mudança. Estava apenas ali percebendo que meu eu não incluía mais os padrões de pensamentos neuróticos que passavam diante de mim.

Todo esse processo de “tomada de consciência” foi praticamente instantâneo. Foi como olhar um daqueles pôsteres que têm uma imagem escondida. A princípio parece ser apenas um círculo com padrões lineares. Então, de repente, você vê toda uma imagem em 3D emergindo do que originalmente parecia puro caos. No instante em que você a enxerga, não consegue mais imaginar como não a tinha visto antes. Ela estava bem ali! Assim foi a mudança que aconteceu dentro de mim. Foi óbvio demais – ali estava eu, observando meus pensamentos e minhas emoções. Eu sempre estivera ali, observando, mas estava distraído demais para perceber. Era como se eu estivesse tão envolvido nos detalhes de cada pensamento e emoção que jamais os enxergara apenas como o que eram.

Em questão de segundos, o que antes parecia uma série de tópicos importantes para romper aquele silêncio desconfortável era agora uma voz neurótica falando dentro da minha cabeça. Observei enquanto aquela voz pensava no que dizer:

 

O tempo está fantástico, não é?

Ficou sabendo o que o Nixon fez no outro dia? Quer comer alguma coisa?

 

Quando finalmente abri a boca para dizer algo, o que saiu foi:

 

“Você já notou que existe uma voz falando dentro da sua cabeça?”

 

Ronnie me olhou de um jeito meio estranho, e então uma centelha se acendeu em seus olhos. “Já! Sei bem do que você está falando. A minha nunca cala a boca!”

Lembro claramente de fazer uma piada sobre isso, perguntando como seria se ele escutasse a voz de outra pessoa falando dentro da própria cabeça. Nós demos risada e a vida continuou.

Mas a minha vida, não. Minha vida não “continuou” simplesmente. Na minha vida, as coisas nunca mais seriam como antes. Eu não precisava tentar manter essa consciência. Agora era quem eu era. Eu era o ser que observava o fluxo incessante de pensamentos passando pela mente. Estabelecido naquela mesma base da consciência, eu via o fluxo das emoções que passavam pelo meu coração em constante mudança. Quando tomava banho, ouvia o que aquela voz tinha a dizer enquanto eu deveria estar lavando o corpo. Se estivesse falando com alguém, observava enquanto ela pensava no que dizer em seguida – em vez de escutar o que a outra pessoa dizia. Se ia para a aula, observava minha mente fazendo o jogo de tentar pensar um passo à frente do professor para ver se conseguia adivinhar a próxima frase. Não preciso dizer que não demorou muito para essa voz recém-encontrada dentro da minha cabeça começar a me irritar de verdade. Era como estar sentado no cinema com alguém que nunca, jamais para de falar.

Enquanto eu observava essa voz, algo profundo dentro de mim só queria que ela calasse a boca. Como seria se ela parasse de falar? Comecei a ansiar pelo silêncio interior. Poucos dias depois daquela primeira experiência, os padrões da minha vida começaram a mudar. Quando amigos vinham me visitar, eu não aproveitava mais a situação. Queria aquietar a minha mente, e as atividades sociais não ajudavam. Comecei a pedir licença e sair para a floresta perto da nossa casa. Ficava sentado no chão, em meio às árvores, mandando aquela voz se calar. Claro que não funcionava. Nada parecia funcionar. Descobri que até conseguia mudar o assunto, mas não conseguia fazer com que ela se aquietasse por um momento sequer. Meu anseio por um silêncio interior se tornou uma paixão. Eu sabia como era observar a voz. O que não sabia era como seria se a voz se calasse totalmente. E o que jamais poderia ter imaginado era a jornada em que eu estava prestes a embarcar e que mudaria a minha vida.

 

2

Começando a me conhecer

 

Desde pequeno, sempre adorei descobrir como as coisas funcionavam. Então foi inevitável que minha mente analítica ficasse fascinada tentando entender meu relacionamento com a voz dentro da minha cabeça. Mas, antes que pudesse aproveitar esse fascínio intelectual, eu precisava superar o fato de que a mente pessoal estava me levando à loucura. Toda vez que eu via alguma coisa, a voz fazia algum comentário: Gosto disso, não gosto daquilo, não me sinto confortável com isso, isso me lembra tal coisa… Quanto mais eu me acostumava a observar tudo, algumas perguntas foram surgindo naturalmente. Primeiro: por que essa voz fica falando o tempo todo? Se eu vejo alguma coisa, na mesma hora tenho consciência do que estou vendo. Por que a voz precisa me dizer o que estou vendo e como me sinto a respeito?

 

Ali vem a Mary. Não estou com vontade de falar com ela hoje. Espero que ela não me veja.

 

Eu já sei o que vejo e o que sinto. Afinal de contas, sou eu que estou aqui, vendo e sentindo. Por que tudo isso precisa ser vocalizado na minha mente?

Outra pergunta que surgiu foi: quem é esse eu que percebe toda a atividade mental? Quem é esse eu capaz de simplesmente observar os pensamentos surgindo, com um distanciamento completo? Agora eu tinha duas fortes motivações que haviam despertado dentro de mim com relação a essa voz recém-encontrada na minha cabeça. Uma era o desejo de calá-la, e a outra era o puro fascínio e o anseio por entender o que aquela voz era e de onde vinha. Já mencionei que antes desse despertar interior minha vida era bastante comum. Só digo isso em comparação com o que ela se tornou. Eu me tornei um ser humano muito motivado. Queria saber sobre a voz que tinha descoberto e queria saber quem eu era – quem era aquele dentro de mim que experimentava tudo isso. Comecei a passar horas na biblioteca da pós-graduação. Não na seção de economia, mas na de psicologia. Era impossível que outras pessoas não tivessem percebido aquela voz falando dentro delas. Era algo que estava tão na cara que não dava para deixar de perceber. Li umas coisas de Freud, tentando encontrar as respostas para minhas perguntas. Li um livro após o outro, mas não encontrei nenhuma referência direta à voz que falava dentro de mim – e muito menos àquele que tem consciência de que essa voz está falando.

Naqueles dias eu falava sobre a voz com qualquer um que estivesse disposto a ouvir. Deviam achar que eu estava maluco. Lembro-me de um encontro com meu professor de espanhol, um homem muito culto e reservado. Encontrei-o um dia entre duas aulas e falei entusiasmado que tinha entendido o que significava ser fluente em uma língua. Expliquei que dentro da nossa cabeça existia uma voz que falava sobre praticamente tudo – as coisas das quais você gosta e não gosta, o que você deveria estar fazendo neste momento e o que fez errado no passado. Se aquela voz interior fosse capaz de falar em espanhol e você entendesse imediatamente o que ela estava dizendo, você era fluente em espanhol. Mas, se as palavras em espanhol não fizessem sentido até você ter o trabalho mental de traduzi-las para que a voz as repetisse em inglês, você não era fluente em espanhol. Fazia todo o sentido – para mim. Eu disse a ele que, se estivesse estudando línguas, faria a tese de doutorado a partir dessa premissa. Nem preciso dizer que meu professor de espanhol me olhou de um jeito muito estranho, disse algo muito educado e seguiu com a própria vida.

Não me importei com o que ele pensava. Eu estava numa exploração, numa jornada de aprendizado que ia além de qualquer coisa que eu tivesse imaginado. Todo dia eu aprendia muito sobre mim mesmo. Não conseguia acreditar na quantidade de inibição e medo que aquela voz expressava. Era óbvio demais que a pessoa que eu observava dentro de mim se importava muito com o que os outros pensavam dela. Sobretudo os mais próximos. A voz me dizia o que dizer e o que não dizer. E reclamava incessantemente quando algo não saía do jeito que ela desejava. Uma conversa com um amigo que terminasse com o menor desacordo ou desentendimento continuava acontecendo dentro da minha cabeça. Eu observava a voz desejando, imaginando como a interação poderia ter acabado num tom diferente. Dava para ver que havia muito medo da rejeição e da não aceitação naquele diálogo mental. Às vezes era esmagador, mas eu nunca perdia a perspectiva daquele que observava uma voz falando dentro de mim. Era óbvio que não era eu. Era algo que eu estava observando.

Imagine que você acordasse um dia com uma cacofonia de ruídos ao seu redor. Você iria querer que aquilo parasse, mas não teria ideia de como fazer isso. Esse era o efeito que a voz provocava em mim. Mas uma coisa estava totalmente clara: a voz sempre havia falado. Só que eu estava tão perdido nela que jamais a havia notado como algo separado de mim. Era como um peixe que não soubesse que estava na água até sair dela. Basta um salto no ar e o peixe percebe instantaneamente: “Tem água ali embaixo, e é onde eu sempre estive. Mas agora vejo que dá para sair dela.” Eu não gostava da voz mental que falava o tempo todo. Era apenas um ruído irritante que eu queria muito que parasse. Mas não parava. Por enquanto eu estava preso com ela. Mas, na verdade, eu ainda não tinha começado a lutar.

 

3

Os pilares do zen

 

Passaram-se meses e eu continuava fazendo minha exploração interior por conta própria. Mal sabia que a ajuda estava para chegar inesperadamente.

No programa de doutorado, tinha um colega de turma chamado Mark Waldman. Era um rapaz inteligente e leitor ávido de uma enorme gama de assuntos. Como todo mundo, tinha me ouvido falar sobre meu interesse por aquela voz. Um dia ele me trouxe um livro que achava que pudesse ajudar. O título era Os três pilares do zen, de Philip Kapleau.

Eu não sabia absolutamente nada sobre zen-budismo. Era um intelectual que nunca pensava em assuntos religiosos. Fui criado como judeu, mas não muito. Na época em que fui para a faculdade, a religião já não tinha nenhum papel na minha vida. Se você perguntasse se eu era ateu, eu provavelmente lhe responderia com um olhar vazio de perplexidade. Eu nunca havia nem mesmo pensado nisso.

Comecei a folhear o livro sobre zen e em poucos minutos ficou evidente: ele era sobre aquela voz. Meu coração praticamente parou. Senti dificuldade para respirar. Esse livro falava claramente sobre como fazer aquela voz parar de falar. Uma passagem após a outra, falava sobre silenciar a mente. E usava expressões como Verdadeiro Ser por trás da mente. Não havia dúvida de que eu tinha encontrado o que vinha procurando. Eu sabia que outras pessoas também deviam ter alcançado aquela perspectiva de observar a voz da mente em vez de se identificar com ela. Não somente existia todo um legado de conhecimentos milenares relativos àquela voz, mas esse livro falava claramente sobre “sair dela”. Falava sobre se libertar do domínio da mente. Falava sobre ir além.

Nem preciso dizer que fiquei fascinado. Senti por aquele livro uma reverência que nunca havia sentido por nada na vida. Tinha sido obrigado a ler e estudar livros demais na escola. Mas agora tinha nas mãos um que respondia a algumas perguntas verdadeiras que eu tinha, como: quem é esse eu que observa aquela voz falar? Eram perguntas para as quais eu desejava muito saber a resposta. A verdade é que estava muito além do querer. Eu precisava saber as respostas – aquela voz estava me levando à loucura!

O que Os três pilares do zen tinha a dizer era muito claro e inequívoco. Dizia para parar de ler, falar e pensar sobre a mente e simplesmente fazer o trabalho necessário para aquietá-la. O trabalho necessário era igualmente inequívoco: meditar.

Antes mesmo de saber sobre meditação, eu já tinha tentado me sentar sozinho para fazer com que a voz se aquietasse. Mas isso nunca havia funcionado para mim. Esse livro me apresentava um método testado e aprovado que havia funcionado para milhares de outras pessoas. Simplesmente sente-se num lugar silencioso, observe sua respiração, o ar entrar e sair, e repita mentalmente o som Mu. Pronto. Agora faça isso por um tempo maior a cada dia. No zen, o verdadeiro trabalho geralmente era feito num encontro em grupo chamado de sessin. Nos encontros tradicionais, uma pessoa treinada ficava andando com uma vara kyosaku. Se você começasse a dormir ou perdesse o foco de algum outro modo, levava uma pancada nos ombros. O zen era rígido. Não tinha brincadeira. Essa forma do zen era um trabalho sério.

Eu não tinha um grupo nem um professor. Tinha apenas o livro e um anseio sincero de ver se aquelas práticas me levariam aonde eu queria ir. Assim comecei a fazer sozinho a meditação zen. De acordo com o que eu havia entendido, pelo menos.

A princípio ficava sentado durante 15 ou 20 minutos por dia. Em uma semana aumentei o tempo para meia hora, duas vezes ao dia. Não houve fogos de artifício nem experiências profundas. Mas sem dúvida a concentração na respiração e no mantra desviava minha consciência do falatório incessante da voz. Se eu fizesse a voz mental dizer Mu, ela não poderia dizer todas aquelas coisas loucas e pessoais que costumava dizer. Rapidamente comecei a gostar da prática. Ficava ansioso pelos momentos do dia que eu reservara para a meditação.

Apenas algumas semanas depois do início do meu experimento com a meditação zen, Shelly e eu decidimos acampar. Encontramos quatro amigos e fomos passar o fim de semana na Floresta Nacional de Ocala. Eu tinha uma Kombi preparada para acampamentos, então era fácil fazer viagens curtas. Mas essa não seria apenas mais uma viagem – ela estava destinada a ter um impacto profundo sobre o restante da minha vida.

Encontramos na floresta um local isolado que se abria para uma área pantanosa intocada. Assim que paramos os carros, fomos envolvidos pela quietude e pela beleza do lugar. Percebi que aquele seria um bom local para meditar um pouco. Eu era apenas um principiante, mas levava as práticas muito a sério e queria descobrir como seria se a voz dentro da minha cabeça realmente se calasse. Perguntei a Shelly e aos nossos amigos se eu poderia passar algum tempo sozinho. Ninguém foi contra, então fui andando junto ao lago cercado de capim e encontrei um bom lugar onde me sentar. Toda a ideia da meditação era tão significativa para mim que, desde o início, era como uma experiência sagrada. Escolhi uma árvore sob a qual me sentar, como o Buda. Então, de um jeito muito dramático, disse a mim mesmo: só vou me levantar daqui quando alcançar a iluminação.

O que aconteceu embaixo daquela árvore foi tão poderoso que até hoje meu corpo estremece e meus olhos se enchem de lágrimas quando penso nisso.

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Michael A. Singer

Sobre o autor

Michael A. Singer

MICHAEL A. SINGER é economista, empresário, escritor e mestre espiritual. Em 1971, enquanto fazia doutorado em Economia, vivenciou um profundo despertar interior que o levou a uma imersão nas práticas do yoga e da meditação. Fundou em 1975 o Templo do Universo, um reconhecido centro de yoga e meditação que acolhe pessoas de qualquer crença ou religião. Também é autor de A alma indomável, que esteve na lista dos mais vendidos do The New York Times e já vendeu mais de 1 milhão de exemplares em todo o mundo.

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