CAPÍTULO 1
A CRIANÇA EM VOCÊ PRECISA DE UM LAR
Todo mundo precisa de um lugar onde se sinta protegido, seguro e querido. Todo mundo anseia por um lugar onde possa relaxar e ser quem realmente é. Idealmente, a casa em que crescemos foi um lugar assim. Se fomos aceitos e amados durante a infância e a juventude, então tivemos um verdadeiro lar. Nossa casa era um local acolhedor, o porto seguro com que todos sonham. Então interiorizamos esse sentimento de ser aceito e querido, que se converte em uma postura positiva diante da existência e nos acompanha ao longo da idade adulta. Sentimo-nos seguros no mundo e na vida que levamos e confiamos em nós mesmos e nos outros. Essa é a chamada confiança básica. É como um lar dentro de nós, nos fornecendo apoio e proteção.
No entanto, não são poucas as pessoas que trazem da infância lembranças bem ruins ou mesmo traumáticas. Há também aquelas que tiveram uma infância infeliz mas quase não se lembram dessas experiências, pois as reprimiram. E há quem acredite que teve uma infância “normal” ou até mesmo “feliz” mas, sob um olhar mais atento, isso se revela uma autoenganação.
Mesmo que as experiências de insegurança e rejeição da infância tenham sido reprimidas ou que o adulto as diminua para si mesmo, no dia a dia fica evidente que a confiança básica dessas pessoas foi comprometida. Elas têm problemas de autoestima e duvidam que os outros (o parceiro, a chefe, um novo amigo, etc.) gostem mesmo delas ou que sejam desejadas. Têm baixa autoestima, são inseguras em diversos aspectos e costumam ter dificuldade para se relacionar. Não tendo desenvolvido a confiança básica, falta-lhes um apoio interior. Assim, nutrem a esperança de que os outros transmitam a elas esses sentimentos de segurança, proteção e pertencimento. Procuram um lar no parceiro, nos colegas de trabalho, em um esporte ou no consumo, mas se frustram, pois os outros só podem transmitir esse sentimento de modo esporádico, na melhor das hipóteses. É um beco sem saída: quem não tem um lar dentro de si tampouco vai encontrá-lo no mundo exterior.
Quando falamos dessas influências da infância – que, junto com os fatores hereditários, definem grande parte de nosso modo de ser e nossa autoestima –, estamos falando de um componente de nossa personalidade que, na psicologia, é chamado de “criança interior”. A criança interior representa todo esse conjunto de impressões (tanto as boas quanto as ruins) que nos foram transmitidas na infância por nossos pais e por outras pessoas centrais em nossa vida. Apesar de não nos lembrarmos da grande maioria dessas experiências, elas se encontram gravadas de modo indelével em nosso inconsciente. Assim, podemos afirmar que a criança interior é um componente essencial de nosso inconsciente. Ela abarca os medos, as preocupações e as adversidades que experimentamos desde o berço, mas também todas as influências positivas de nossa infância.
São sobretudo as influências negativas que nos causam problemas quando adultos, pois a criança em nós faz de tudo para que as mágoas e as dores sofridas na infância não se repitam. Ao mesmo tempo, ela continua em sua busca pela segurança e pelo reconhecimento que não teve. Os medos e os desejos atuam ativamente nas profundezas da nossa consciência. No nível consciente, somos adultos independentes levando nossa vida, mas, no nível inconsciente, nossa criança interior tem grande influência sobre nossa percepção, nossa maneira de sentir, de agir e de pensar. É algo muito mais forte que nosso intelecto, aliás. Já foi comprovado pela ciência que o inconsciente é uma instância psíquica extremamente poderosa, determinando entre 80% e 90% de tudo que fazemos e vivenciamos.
Vejamos um exemplo que ilustra bem isso. Miguel tem frequentes acessos de raiva quando a esposa, Selma, esquece algo que é importante para ele. Um dia desses, quando Selma foi ao mercado e não comprou o refrigerante preferido de Miguel, ele simplesmente perdeu a cabeça. Ela ficou perplexa, afinal de contas, era só um refrigerante, mas, para Miguel, era o fim do mundo. O que aconteceu?
Miguel não entende que sua criança interior se sente desrespeitada e desconsiderada quando Selma esquece algo importante para ele, como seu refrigerante preferido. Ele não sabe que o motivo dessa raiva imensa não é Selma nem o refrigerante em si, mas uma ferida profunda do passado: sua mãe não levava a sério seus desejos quando ele era criança. Ao esquecer o refrigerante preferido de Miguel, Selma sem querer cutucou essa ferida antiga e, como ele não percebe a ligação entre sua reação ao esquecimento de Selma e as experiências vividas na infância com a mãe, acaba não podendo atuar sobre os próprios sentimentos e comportamento.
Há outros conflitos desse tipo na relação dos dois. Eles brigam com frequência por motivos banais, pois não sabem o que realmente se passa dentro de si mesmos. Assim como Miguel, Selma também é guiada por sua criança interior, que é sensível a críticas pois teve pais muito críticos. Ou seja, os acessos de raiva de Miguel desencadeiam em Selma sentimentos antigos da infância, fazendo com que ela se sinta pequena e insignificante e, por isso, reaja de forma irritadiça. Às vezes eles chegam a considerar a separação, já que se magoam profundamente de tanto brigar por besteira.
Se cada um entendesse os desejos e as dores de sua criança interior, seria mais fácil expressá-los em vez de discutir por causa de refrigerante. Com certeza se entenderiam melhor, ficando mais próximos em vez de se atacarem mutuamente.
Não é só em relacionamentos amorosos que surgem conflitos por ignorarmos a existência de nossa criança interior. Uma vez que a conhecemos, fica evidente que em muitas discussões não são adultos tentando solucionar juntos um conflito, mas crianças interiores se estapeando. Um exemplo é quando um funcionário reage à crítica do chefe se demitindo, ou mesmo quando o presidente de um país responde a uma violação de fronteira com um ataque militar. Não conhecer a criança interior traz grande infelicidade, levando a conflitos interpessoais que não raro saem do controle.
Isso não quer dizer, no entanto, que as pessoas que adquiriram confiança básica graças a uma infância feliz vivam sem preocupações e sem problemas. A criança interior dessas pessoas também sofreu golpes – afinal, não existem pais perfeitos, tampouco uma infância perfeita. Elas herdaram dos pais não apenas influências positivas, mas também traços difíceis que podem lhes causar problemas mais tarde. Geralmente não são problemas gritantes como os acessos de raiva de Miguel. Elas podem ter dificuldade em confiar em alguém fora do círculo familiar, por exemplo, ou evitar ao máximo tomar decisões importantes, ou ainda, quem sabe, preferem permanecer em sua zona de conforto a se arriscar. Mesmo assim, as influências negativas da infância nos limitam, impedindo nossa evolução e prejudicando nossos relacionamentos.
De qualquer modo, algo que vale para quase todos nós é: somente quando conhecemos nossa criança interior e a acolhemos é que nos abrimos para descobrir os profundos anseios e cicatrizes que trazemos dentro de nós. Só então podemos vir a aceitar esse lado ferido de nossa alma e começar a curar parte dele. Assim fortalecemos nossa autoestima e a criança em nós finalmente tem a chance de encontrar um lar. Esse é um pré-requisito para construirmos relações mais tranquilas, amigáveis e felizes e para conseguirmos encerrar relações que não nos fazem bem ou até nos adoecem.
Este livro vai ajudar você a conhecer sua criança interior e a acolhê-la. Vai ajudar você a abandonar esses antigos padrões que dão em becos sem saída e trazem sofrimento. Vai lhe mostrar como substituí-los por novos comportamentos e perspectivas que contribuam para uma vida melhor e relacionamentos mais felizes.